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domingo, 14 de novembro de 2021

VERBETE: Abraham Kuyper


“Oh, nenhum pedaço de nosso mundo mental deve ser hermeticamente selado do resto, e não há um centímetro quadrado em todo o domínio de nossa existência humana sobre o qual Cristo, que é Soberano sobre todos, não clame: É Meu!” —  Abraham Kuyper

Kuyper (1837-1920), pastor, jornalista, professor de teologia e político, serviu sua igreja e seu país com fidelidade e honra. Nasceu em uma família de classe média, em meio a uma Holanda em declínio econômico-social, político e religioso.

 As mudanças econômicas e desastres das Guerras Napoleônicas aceleraram o declínio da glória mercantil e marítima holandesa. As políticas de modernização colocaram a organização e o funcionamento da Igreja Reformada da Holanda sob a autoridade do Estado. Em 1855, Kuyper ingressou na universidade de Leiden, onde foi influenciado pela corrente racionalista. Todavia, o seu primeiro mandato como pastor, em uma congregação de calvinistas conservadores entre 1863-1874, exerceu profunda influência em sua perspectiva teológica de maneira que ele adotou até o fim de sua vida a teologia calvinista histórica e confessional. Logo depois, Kuyper entrou em debates políticos e eclesiais, desafiando a relação entre a igreja nacional e o governo.  

Em 1872, fundou e assumiu a função de editor-chefe do jornal diário De Standaard (O Padrão). Suas críticas ao caráter da igreja estatal, pelas aberturas cada vez maior do liberalismo, foram tão fortes que em 1885 ele e seus companheiros (80 membros do Concílio) foram suspensos na esfera eclesiástica e se autodenominaram “Doleantie” (os enlutados). Apenas quatro anos depois (1889) as igrejas Doleantie - Gereformeerde Kerken em Nederland (Igrejas Reformadas na Holanda) tinham mais de 200 congregações, 180.000 membros e cerca de 80 ministros e posteriormente tornou-se a segunda maior igreja reformada na Holanda. Eles mantiveram o sistema teológico calvinista, inclusive a predestinação e a graça soberana de Deus, mas reafirmaram a responsabilidade de cada crente em relação à igreja, a cultura e a criação (antecipando em muito as discussões ecológicas).

 Ele entrou oficialmente na política com sua eleição para um mandato no Congresso (1874-1878) e lutou contra as reformas educacionais que colocaram mais autoridade sobre as escolas religiosas nas mãos do Estado. Em 1879, por meio do apoio popular à sua campanha contra as reformas educacionais, ele filiou-se ao Partido Antirrevolucionário, de cunho protestante conservador que promulgou suas próprias reformas educacionais e expansão do sufrágio.

Em decorrência de o governo holandês interferir na escolha de professores de teologia na universidade, ele se desligou do Corpo Docente e se constituiu na figura central na fundação da Universidade Livre de Amsterdã em 1880, onde atuou como docente e administrador, uma universidade cristã, mas livre do controle da igreja ou do Estado.

Aliado a grupos católicos, ascendeu ao posto de primeiro-ministro entre 1901-1905. Como líder religioso, organizador social, teólogo e político, deixou sua marca na cultura holandesa e seu pensamento repercute hoje em muitas partes do mundo.

Convidado pela Universidade e Seminário de Princeton em 1898 expos através das chamadas Palestras Stone (Stone Lectures) seus pensamentos teológicos peculiares da forma com que a teologia calvinista deveria ser compreendida e se constitui em ponto de partida para se entender corretamente o que tem sido denominada neocalvinismo ou kuyperianismo, um neologismo muitas vezes usado de forma pejorativa pelos que discordam deste viés calvinista. Posteriormente essas palestras foram reunidas e publicadas, inclusive recentemente no Brasil.  

Para Kuyper o calvinismo original fecundado na mente de João Calvino não deveria ser restrito apenas como um sistema dogmático e eclesiástico, visto que Calvino nunca manifestou essa intenção em quaisquer de suas obras, seja em sua obra magna as Institutas ou na totalidade de seus muitos comentários dos livros bíblicos (que nunca foram ao menos lidas por 90% dos que se autodenominam calvinistas-reformados no Brasil). Ele defendia que a exposição teológica de Calvino proporcionava uma visão do mundo abrangido e, de fato, podia ser percebido como fator fecundante das instituições e valores da sociedade moderna.

Para Kuyper o calvinismo deve ser um sistema de vida, ou seja, deve impregnar todas as esferas da vida humana cotidiana, seja a teologia, política, ciência, filosofia, arte, música ou lazer. Por esta razão ele se tornou um dos principais expoentes do movimento de renovação religiosa e social que ocorreu na Holanda no século XIX, conhecido como Neocalvinismo holandês, o qual foi disseminado em muitos seminários nos Estados Unidos no século XX, de onde veio para o Brasil.

O pensamento de Kuyper influenciou uma expressiva parcela da liderança evangélica americana e suas mais diversas instituições. Mas seu legado na África do Sul tornou-se maior do que na própria Holanda. A sua concepção nacional-cristã tornou-se o fundamento na construção das instituições culturais, política e econômica Afrikaner.

Em 1907 a Holanda celebrou o septuagésimo aniversário de Abraham Kuyper em reconhecimento a sua influência na história da nação por mais de 40 anos. Abraham Kuyper continua sendo um pária no meio calvinista histórico brasileiro, pois para ele a equidistância é uma distorção do pensamento original de João Calvino que interagiu em todas as esferas da vida social contemporânea de sua época. Suas obras, principalmente as que não estejam relacionadas diretamente à teologia foram ignoradas, um termo mais ameno para rejeitadas e que em algumas esferas eclesiásticas têm recebido um selo (invisível) de Index Librorum Prohibitorum.


Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Reflexão Bíblica
http://reflexaoipg.blogspot.com.br/
 
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