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quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

Um Pastor Protestante e uma Experiência Ecumênica: A Capela do Convívio Cristão


 

Pela segunda vez o Rev. José Borges dos Santos Jr. terá a oportunidade de recomeçar seu ministério. Assim como ocorreu quando assumiu o pastorado da recém-formada Igreja Presbiteriana Jardim das Oliveiras IPJO), na Alameda Jaú (SP) agora no momento de plena maturidade de vida e ministério ele vai iniciar sua última etapa da forma que possivelmente havia acalentado por muito tempo.

Agora completamente desvencilhado das amarras institucionais da IPB, após sua saída da IPJO, Borges sente-se motivado para estabelecer um espaço religioso onde possa exercer plenamente suas atividades pastorais dentro de sua concepção ecumênica eminentemente evangelical. Este novo espaço foi registrado como Instituto de Promoção e Serviço Ecumênico (IPSE), mas recebeu a alcunha carinhosa de “Capela do Convívio Cristão”, pois a proposta era abrigar todos aqueles que desejassem expressar sua fé, independentemente das questões denominacionais ou confessionais.

É preciso esclarecer que apesar de toda esta ênfase ecumênica, comprovado ao longo de sua trajetória histórica e acentuado aqui na Capela do Convívio Cristão, o Rev. Borges nunca ultrapassou suas próprias demarcações teológicas e até mesmo eclesiásticas. A estrutura, terminologia e dinâmica da Capela, é praticamente a mesma de qualquer outra igreja presbiteriana “não ecumênica”: pastor, presbíteros, diáconos, sociedade de mulheres, mocidade, culto, Escola Dominical, reunião de oração, Santa Ceia, e as liturgias dos cultos dominicais mantinham os mesmos elementos litúrgicos da IPJO. O Conselho foi substituído por uma Diretoria, assim composta: Presidente – Rev. Borges; Administrador – Dr. Santo Luiz Lavitola (com ele desde os tempos da IPUSP[1] e IPJO); Tesoureiro – Sr. Jovelino Affini; Secretário – Dr. João Borba de Araújo.

Em seu primeiro Relatório como Presidente (Pastor) do IPSE (outubro de 1969 a dezembro 1970), falando sobre os cultos ele se expressa assim: “O culto tem se caracterizado pelo tom, de animação e alegria e, mais em particular,pelo cântico dos hinos”. E continua: “Pode-se afirmar, sem exagero, que se oferece às pessoas que comparecem, um serviço religioso atualizado e edificante”. Concluindo: “Há um esforço continuo para melhorar o serviço religioso da comunidade”. Conforme seu primeiro Relatório (1969/70) Borges registra que todas as providenciam para o registro do IPSE foram finalizados em dezembro de 1970, pelo então Secretário Dr. João Borba de Araújo.

Provavelmente por causa do formato da construção feita para ampliar o espaço reservado para os cultos, que recebeu a alcunha carinhosa de “Capela do Convívio Cristão”, cuja frequência aumentava dominicalmente: “[...] Foi quando o Sr. Amador Aguiar mandou fazer a cobertura lateral que ficou tão bem, na forma de uma capela campestre, pitoresca e acolhedora, onde podem sentar-se cerca de oitenta pessoas. O jardim interno foi feito e doado pelo nosso companheiro Dr. Samuel de Mello. Criou-se, assim, um modelo de capela rústica e de construção econômica, mas atualizada e atraente. Podemos agora reunir, sem muito aperto, cerca de 180 pessoas” (RELATÓRIO PRESIDENTE, 1969/70).

Em relação à frequência dos cultos ele registra: “O culto público realizou-se regularmente, aos domingos, às 11 horas, com uma frequência que oscilou entre 80 a 170 pessoas”. E continua: “No último trimestre de 70 já o auditório havia crescido a ponto de ficar muita gente ao sol assistindo o culto”. E faz uma observação: “Não se tem feito anuncio dos cultos, mas o auditório tende a crescer”. Ainda neste primeiro relatório encontramos a dinâmica do IPSE neste primeiro ano de funcionamento, além dos cultos acima mencionados:

A Escola Dominical, com exceção da classe de adultos, funcionou precariamente. Realizou-se, com regularidade, embora com pequena frequência, ás terças-feiras, a reunião matinal de oração. Realizaram-se várias reuniões de moços para diálogos e estudos de assuntos e problemas de interesse da juventude. [...] Organizou-se, durante o ano, um grupo de senhoras, sob a direção da Sra. Nidelce Martins de Almeida, para confeccionar roupas para filhos de presos.

        Tudo que se relaciona à manutenção e funcionamento do IPSE eram resultados de doações espontâneas das pessoas que ali frequentavam:

Expresso nosso reconhecimento ao Sr. Amador Aguiar e sua Exma. esposa [D. Lilí Aguiar] a quem agradecemos a cessão da propriedade para o serviço do Instituto e a construção do anexo ao salão de cultos. Outrossim, agradecemos a todos que fizeram doações [piano, cadeiras,mesa da ceia] ao Instituto facilitando o equipamento da sede, bem como às pessoas que regularmente e com pontualidade prestaram serviços especializados à comunidade”. (Relatório do Presidente, 1969/70).

Ele conclui este seu primeiro Relatório descrevendo o espírito com que o IPSE foi estabelecido e suas expectativas:

A experiência deste período em que tudo se fez discretamente, sem qualquer alarido ou espírito de propaganda, mostra a possibilidade e, com ela, o dever de fazer um trabalho pacífico e construtivo que será também pioneiro nas inovações que fizer e forem confirmadas pelos frutos produzidos.

Muitas igrejas protestantes com muito mais tempo de existência anos, nunca experimentaram uma frequência desta expressão, portanto, depreciar esta comunidade estabelecida por Borges como sendo formada por um grupo de “beatos” borgeanista é ignorar a realidade dos fatos.

E em seu segundo Relatório (1971) ele descreve o espírito que permeava ele e os demais que do IPSE participavam naquele momento: “Este Instituto é um festival de boa vontade, de contribuições espontâneas, de trabalho voluntário, de alegria e fé e do desejo de servir a Cristo infatigavelmente”.

Em relação às suas atividades ecumênicas e docentes, elas vão se ampliando a partir deste momento, de forma exponencial e justaposta, pois a maioria de suas celebrações ecumênicas foi dentro do mundo acadêmico que viveu intensamente neste último período de sua vida. Em seus Relatórios consta um item – Cerimônias Ecumênicas – onde se registra estas atividades especificas. No primeiro Relatório (1969/70) temos: Formaturas (SP) Curso Intensivo de Auxiliar de enfermagem Braúlio Gomes; Curso de Auxiliar de Enfermagem da Escola Paulista; Faculdade de Filosofia da Universidade Mackenzie; Escola Paulista de Medicina. Comemorações de Natal: na Igreja São Luiz (promoção das Centrais Elétricas); no Tribunal de Contas do Estado de SP; Associação de Enfermeiras. Dia Mundial de Oração e Dia da Bíblia, na Câmara Municipal de SP. E um subitem – Cerimônia Ecumênica Cívica Religiosa: 4ª Zona Aérea (Abertura da Semana da Asa); Aniversário da Força Pública; 50° Aniversário da Sociedade Sorotimismo. No Rio de Janeiro participa da Abertura da Semana da Unidade.

Desde seus tempos na IPUSP Borges havia introduzido o curso de preparação para noivos, que tinha como objetivo orientar os futuros casais. Ele continuou este trabalho, mesmo nos períodos mais intensos de suas atividades, inclusive aqui no IPSE. Provavelmente por causa disto, e também pelo fato de ministrar casamentos no rito ecumênico,[2] inclusive em templos Católicos, bem como seus programas de rádio, do qual ele foi um dos precursores no Brasil,[3] ele ficou muito conhecido e começou a ser convidado para ministrar a casais da Igreja Católica Romana, bem como em outras atividades relacionadas, como registradas em seus Relatórios: 1973 – Estudos Bíblicos para Encontro de Casais da Igreja Católica (04); em 1974 – nas Igrejas: São Luiz, da Santíssima Trindade – Penha; Santo Agostinho, Rainha da Paz – Vila Formosa, (09); em 1975 (16); em 1976 para casais (21) e para jovens (02); em 1977 Palestras para casais (21); em 1978 Palestras para casais (16) e para jovens (01); em 1979 Palestras para casais (10); em 1980 para casais (14) e para jovens (02); em 1981 para casais (13); em 1982 para casais (04); a partir de 1984, devido sua debilidade física, ele fica mais restrito ao IPSE e não consta mais este tipo de atividade.

Nesta última etapa de seu ministério os casamentos ecumênicos às vezes eram em maior número do que os casamentos em ritos presbiterianos e/ou evangélicos: 1969/70 (rito ecumênico 9; rito presbiteriano 6); 1971 (rito ecumênico 11; rito presbiteriano 13). A partir de 1972 ele já não fazia mais distinção entre um ou outro rito, colocando apenas nos relatórios – casamentos.

A brevidade temporal de existência da “Capela do Convívio Cristão”, que pode ser tratada como um aspecto negativo, como foi o caso também da Igreja Cristã de São Paulo, formada por professores da USP e outros intelectuais protestantes presbiterianos, pois acabou encerrando suas atividades após o falecimento do Rev. Borges, não desabona em absolutamente nada o que o IPSE representou naquele momento histórico do protestantismo paulista. O seu declínio, na mesma medida em que a saúde de Borges fragilizava-se, e posterior encerramento de suas atividades, é um ranço comum em comunidades formadas por líderes carismáticos e que não encontram novas expressões de carismas e/ou não são preparados sucessores, o que me parece ser o caso aqui, como ocorreu com outros dois líderes do protestantismo presbiteriano, que também não fizeram “sucessores” Erasmo Braga e José Manoel da Conceição.

Todavia, a “Capela do Convívio Cristão”, pela sua novidade no meio evangélico protestante e na religiosidade da cidade de São Paulo e pela expressão de seu líder e mentor, Rev. José Borges dos Santos Jr., bem como pelo conjunto de seus membros e pelo tempo que perdurou, merece uma pesquisa muito mais intensa e profunda do que este espaço me permite, para se avaliar com justiça as implicações de sua expressão temporal-existencial.

 

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Reflexão Bíblica
http://reflexaobiblica.spaceblog.com.br/

 

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Referências Bibliográficas
CASTRO, Luís Alberto de. A Trajetória do “Velho Mestre: Uma Biografia do Rev. José Borges dos Santos Júnior – um recorte historiográfico da Igreja Presbiteriana do Brasil. Dissertação (Mestre em Divindade) – Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper, São Paulo, 2011.
GARCEZ, Robson do Boa Morte. Origem da Igreja Cristã de São Paulo e a contribuição de alguns membros para a formação da FFLCH/USP – uma expressão da liberdade religiosa. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2007.
GUEDES, Ivan Pereira. O protestantismo na cidade de São Paulo – presbiterianismo: primórdios e desenvolvimento do presbiterianismo. Alemanha: Ed. Novas Edições Acadêmicas, 2013.
MATOS, Alderi Souza de. Erasmo Braga, o protestantismo e a sociedade brasileira – perspectivas sobre a missão da igreja. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2008.
MENDONÇA, Antonio G. Jesus e os últimos liberais: um estudo sobre John Mackay, Harry E. Fosdick e Miguel Rizzo (Extrema se tangunt). In Numen- Revista de Estudos e Pesquisa de Religião, vol. 4, no. 1. Juiz de Fora, Universidade Federal de Juiz de Fora, Editora UFJF, jan-jun/2001.
PEREIRA- João Baptista Borge. "Identidade protestante no Brasil ontem e hoje". In BIANCO. Gloecir: NICOLINI. Marcos (orgs.). Religare: identidade, sociedade e espiritualidade. São Paulo: Ali Print Editora. 2005. 


[1] Igreja Presbiteriana Unida de São Paulo

[2] Nesta última etapa de seu ministério os casamentos ecumênicos às vezes eram em maior número do que os casamentos em ritos presbiterianos e/ou evangélicos: 1969/70 (rito ecumênico 9; rito presbiteriano 6); 1971 (rito ecumênico 11; rito presbiteriano 13). A partir de 1972 ele já não fazia mais distinção entre um ou outro rito, colocando apenas nos relatórios – casamentos.

[3] Seus programas em diversas emissoras de rádio, e por último na rádio Bandeirantes, o tornaram conhecido, admirado e respeitado por todas as pessoas, independentemente do credo religioso. Em seu Relatório de 1971 Borges destaca “[...] O programa das Meditações Matinais esteve no ar, pontualmente, todos os dias, [...] que atinge, favoravelmente, e beneficia pessoas de todas as camadas sociais e sem distinção de Credo [...]”.

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