O que vem a ser “História da Igreja”
e por que se deve estudá-la? Essas duas questões elementares deve ser sempre o
ponto de partida de qualquer pesquisa ou estudo sério. Particularmente no que
se refere à história da Igreja Cristã é muito importante termos em mente o que
significa e quais as razões pelas quais devemos investir o precioso tempo em
estudar seu desenvolvimento histórico. Entre tantas outras coloco apenas três
definições do que vem a ser História da Igreja, por entender que elas abrangem
os aspectos relevantes; em seguida verificaremos algumas distinções entre os
vários termos ou terminologias envolvidas nesse estudo.
Definições
“O lado espiritual da história dos povos
civilizados desde a vinda do nosso Mestre”
(H. M. Gwatkin).
“A história da comunidade cristã e sua
relação com o resto do mundo ao longo dos tempos” (A. M. Renwick).
“A História da Igreja, então, é o registro
interpretado da origem, progresso e impacto do cristianismo sobre a sociedade
humana, baseado em dados organizados coletados por métodos científicos de
fontes arqueológicas, documentárias ou vivas. É a história interpretada e
organizada da redenção do homem e da terra”
(E. E Cairns).
Distinguindo os Termos
Ainda que uma distinção deva ser feita entre os termos cristandade,
cristianismo e igreja é preciso, entretanto, manter em mente que são termos
intercambiáveis e permanentemente se relacionam em qualquer estudo sobre
história da igreja.
Cristandade: Refere-se à influência da mensagem cristã que permeia uma
sociedade. Isso estaria relacionado à cultura, especialmente no mundo
ocidental. Houve um tempo em que a Europa esteve debaixo da influência da
igreja cristã o que não significa que todos os governos ou cidadãos europeus
fossem de fato e de verdade compromissados com a mensagem cristã. Um exemplo é
o próprio Brasil que sofreu e ainda sofre uma influência cristã cultural,
primeiro pelo catolicismo romano e posteriormente pelo protestantismo
evangélico, o que não significou ou significa atualmente que todos os
brasileiros são de fato compromissados com as verdades bíblicas.
Cristianismo: Aqueles
países ou etnias em que a maioria de seus cidadãos faz uma profissão de fé
cristã e estão inseridos em igrejas (organizações eclesiásticas) organizadas visíveis.
Igreja: A
Igreja verdadeira e invisível é composta de todos os redimidos de Deus, independentes
de localizações geográficas ou temporais, começando no dia de Pentecostes. Nem
todos os estudiosos concordam que a igreja começou no dia de Pentecostes, pois
foi gestada desde a eternidade, mas a
maioria vê a festa de Pentecostes como o início (nascimento) do pleno
desenvolvimento da igreja. Todos os estudos teológicos distinguem entre a
igreja verdadeira e invisível como um organismo, e a igreja professa e visível
como uma organização.
Razões Para o Estudo da História da
Igreja
A Importância do Trabalho Missionário: Na medida em que
estudamos a história da Igreja podemos
perceber como a mensagem evangélica sai dos recônditos da Palestina judaica e
alcança o mundo romano inteiro e tem chegado até os confins da terra nestes mais de dois mil anos de
existência da igreja. No aspecto negativo são também identificáveis os períodos
em que indivíduos, grupos e movimentos falharam em sua fidelidade à Grande
Comissão. Há longos períodos em que o esforço missionário foi esquecido.
O Desenvolvimento
Doutrinário: Sabemos que Jesus Cristo não deixou uma única linha escrita,
portanto, todas as doutrinas cristãs foram elaboradas no decorrer dos tempos. A
definição do próprio cânon do Segundo Testamento foi definida oficialmente no
século IV; o conjunto das doutrinas denominadas de ortodoxas foi definido após
longos e até sangrentos Concílios cristãos, no transcorrer de vários séculos e
posteriormente redefinidos no período da Reforma Protestante no século XVI. Apreender
este aspecto da História da Igreja nos capacita com maior dose de precisão uma
análise dos diversos sistemas doutrinários que permeiam as diversas formatações
do cristianismo ao redor do mundo. Um exemplo clássico é o cristianismo
Oriental e Ocidental em que afluem inúmeras semelhanças, mas se mantém também
muitas distinções doutrinárias e eclesiásticas. Esse estudo das doutrinas não deve
objetivar a radicalização e intolerância, mas deve contribuir para um
alargamento da pacificação e tolerância com aqueles que pensam diferentemente. Foi
nesse espírito que surge o termo “denominação”
onde cada igreja denominacional tem suas definições doutrinárias peculiares,
mas compactuam daquele conjunto de doutrinas eminentemente bíblica.
Identificando as Heresias: Heresia aqui são
todas as formulações doutrinárias ou teológicas que proliferaram em desarmonia
com as formulações ortodoxas. É a grande oportunidade para uma análise da
consistência das doutrinas cristãs e a percepção de que as “novidades”
doutrinárias do presente são apenas reelaborações ou meras repetições das
velhas “heresias” forjadas na bigorna da história da igreja cristã. Na medida
em que se estuda estes desvios da ortodoxia teológica cristã é também a
oportunidade para ratificar este conjunto de elaborações doutrinárias que tem
permanecido norteando a igreja cristã em todos esses séculos.
Desenvolvimento da Organização Eclesiástica: A igreja cristã nasce
de forma simples dentro do espírito comunitário. No livro de Atos temos uma
self da simplicidade eclesiástica: apóstolos, presbíteros, diáconos. Sua
liturgia conforme Lucas era: pregação apostólica, orações, ceia (partir do pão)
e comunhão. Mas no desenvolvimento da igreja cristã sua organização interna vai
se tornando cada vez mais complexas. A pequena e singela comunidade cristã vem
a tornar-se uma organização poderosa, principalmente após a era do imperador
romano Constantino. Ao estudarmos esse aspecto da história da igreja tomamos
conhecimento de como as forma eclesiástica católica romana, luterana, episcopal,
congregacional, presbiteriana e outras se desenvolveram. Também ajuda a
entender a história do denominacionalismo, especialmente na América, onde
existem uma pluralidade de diferentes grupos de cristãos professos.
Os Grandes Personagens: A história da Igreja
é um registro de grandes homens e mulheres de Fé - teólogos, pregadores,
leigos, etc. Grande parte da história da igreja é um estudo destes personagens
e suas contribuições para o desenvolvimento da igreja cristã. Toda a ortodoxia
e eclesiologia atual foram elaboradas e sustentadas por pessoas que deram suas
próprias vidas em defesa delas. O contato com esses personagens, com suas
qualidades e defeitos, deve acender em nós a chama de um zelo e valorização
desta herança que recebemos, mas que em muitos momentos trocamos por um prato
insignificante de lentilhas (como fez
Esaú com sua progenitura) ou simplesmente jogamos fora de forma dissoluta (como fez o pródigo com a parte da herança
recebida do pai). A pergunta: vale a
pena lutar por esse conjunto de doutrinas ortodoxas hoje? A resposta fica
mais clara e contundente quando conhecemos a vida daquelas pessoas que se
gastaram e se deixaram gastar, em vários casos até à morte, em defesa destas
verdades cristãs.
As Diversificadas Perseguições: As perseguições
sofridas pelos cristãos e posteriormente pela igreja cristã ao longo dos
séculos são páginas regadas por muitas lágrimas e sangue. Mas estas perseguições
foram externas, como por exemplo as infligidas pelos imperadores romanos
(lembrando que nem todos eles), mas também perseguições internas como as
produzidas pela Inquisição Católica Romana, mas igualmente pelos diversos
movimentos reformados, tais como os anabatistas que foram afogados de forma
cruel. Ainda que repudiemos todas e quaisquer perseguições somos lembrados das
palavras proferidas pelo próprio Senhor Jesus Cristo quando afirmou que o mundo
odiaria o cristão e que os cristãos sofreriam muito por sua fé, certamente essas
palavras de Jesus sustentaram e confortaram o coração de milhares e/ou milhões
de cristãos em todo lugar e tempo e que foram e continuam sendo perseguidos e
mortos por causa de sua fé cristã (como estão acontecendo na Coreia do Norte e
nos países mulçumanos).
Movimentos: Uma
dos aspectos mais interessantes e que me atrai particularmente é o surgimento e
desenvolvimento dos diversificados movimentos cristãos que surgiram dentro e
fora da igreja organizada. Alguns desses movimentos foram importantes para
reavivar as igrejas organizadas que estavam vivendo de forma letárgica e
moribunda. Ainda que tantos outros movimentos tornaram-se perigosos e nocivos à
vida da igreja cristã, ainda assim eles tornam-se relevantes, pois fizeram com
que a igreja cristã reagisse, reafirmasse e valorizasse sua ortodoxia. O
exemplo clássico é o movimento produzido por Macião, ainda no segundo século, que
impactou todo o cristianismo da época e que forçou a igreja cristã a iniciar
seu processo de estabelecimento de ortodoxia a começar pela definição do cânon do Segundo Testamento e a
elaboração de um Credo básico da fé
cristã, sintetizado no que passou a ser denominado de “Credo Apostólico”, não porque foi escrito pelos apóstolos, mas
porque preserva a essência da pregação e ensino apostólico.
Efeitos na História Geral: A história humana
jamais foi a mesma desde a entrada da igreja cristã no mundo. Inumeráveis vidas,
povos e nações foram impactados e transformados pela mensagem poderosa da cruz.
A educação cristã e as agências filantrópicas manifestam na prática o amor de
Cristo no meio da sociedade humana, elevando muitos indivíduos e sociedades a
um novo patamar moral.
Deus, em todas as gerações, transformou as pessoas com
as boas novas de Cristo e nunca se deixou sem uma testemunha.
Quero concluir esse artigo introdutório com as palavras
oportunas de Cairns:
“A História da Igreja fornece uma síntese do
passado, uma explicação do presente, um guia para corrigir a conduta e motivos
inspiradores para ilustrações boas e práticas para os pregadores e é um estudo
libertador”.
Utilização
livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre
em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
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Reflexão Bíblica
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