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segunda-feira, 4 de novembro de 2024

História da Igreja ou História da Humanidade


                Desde há muito tempo procura-se separar a História em História Secular e História Bíblico Cristã, como se fossem algo completamente distintas e para a grande maioria dos historiadores atuais completamente incompatíveis.

          O que parecia ser apenas uma divisão didática dos compêndios históricos foi transformado em uma arma para alienar completamente o estudo sério da História Cristã, como parte de uma ação orquestrada para roubar das mentes infanto-juvenis, dos centros acadêmicos e da população em geral todo e qualquer vestígio da História Bíblico-Cristã.

          Esse movimento vem sendo implementado há vários séculos e como a história da rã colocada na água fria e que vai paulatinamente aquecida até sua morte, os que ainda creem na História Humana como palco da atuação de um Deus soberano sobre tudo e sobre todos estão caminhando para a extinção.

          Pode-se falar e ensinar abertamente sobre uma teoria nunca efetivamente comprovada cientificamente, nem mesmo pelo seu mentor inicial Darwin, mas não se pode falar sobre um Deus que interage com a História humana.

          A História da Igreja e/ou Bíblico-Cristã é parte integrante da História Humana. Todo esforço para separa-la é apenas a comprovação empírica da alienação do ser humano de Deus. Assim como ocorreu nos primórdio da história humana quando o ser humano estupidamente e afrontosamente começam a construir uma gigantesca Torre para que não fossem destruídos novamente com dilúvio, continua-se a frustrante tentativa humana de alienar Deus de sua história. Os grandes impérios caem, um a um, mas Deus continua sendo Deus e exercendo a Sua soberania sobre os designíos da história humana.

        Portanto, quando falamos ou tratamos da História da Igreja Cristã não estamos restringindo apenas e tão somente há uma ou muitas instituições religiosas, que podem vir a ser englobadas nesta terminologia. A História da Igreja refere-se diretamente às contínuas e permanentes ações de Deus na condução da História Humana em toda sua temporalidade e abrangência.

Utilização livre desde que citando a fonte

Guedes, Ivan Pereira

Mestre em Ciências da Religião.

Universidade Presbiteriana Mackenzie

me.ivanguedes@gmail.com

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sábado, 11 de maio de 2024

Calvino: Comentários Bíblicos em Ordem Cronológica - 1 e 2 Coríntios

 


O artigo em que os comentários bíblicos de João Calvino são colocados em ordem de suas respectivas impressões é apenas um pequeno e singelo esforço de resgatar o trabalho desse incansável reformador do século XVI (ver artigos relacionados).  

Seus Comentários influenciaram profundamente as igrejas não somente da tradição reformada; e um interesse renovado por eles e seu estudo não só contribui para uma melhor compreensão de Calvino e sua Teologia, mas também produz um profundo impacto na mentalidade e na vivência da igreja evangélica e cristã desse século XXI.

Concordamos de que Calvino foi, por várias razões, um comentarista único e extremamente esclarecedor. Sua educação acadêmica humanista, seu amplo conhecimento criterioso do trabalho de outros intérpretes da Bíblia que o antecederam, e sua competência exegética e compreensão da mentalidade bíblica – tudo isso o tornava um intérprete apropriado dos escritos bíblicos.

Nos 101 volumes do “Corpus Reformatorum” (série que reúne as composições literárias dos principais reformadores do século XVI), os escritos de João Calvino totalizam 59 obras volumosas. O Dr. Rev. Martin Lloyd-Jones, prolífico escritor calvinista, disse acerca do trabalho literário de Calvino: “Como um só homem pôde fazer tudo isso, e em acréscimo pregar com regularidade, é-nos espantoso contemplar[1]

          E ainda temos um agravante que é o fato de Calvino ter uma saúde bastante debilitada, cujas enfermidades o afligiam continuamente. O Rev. Wilson Castro Ferreira, um de seus biógrafos brasileiros registra: “escreveu doente, escreveu em meio às mais acirradas lutas, escreveu no leito, ditando aos seus secretários, escreveu até altas horas da noite, mesmo enfermo e, segundo testemunho do seu primeiro biógrafo, Theodoro Beza, ele escreveu até oito horas antes da sua morte” [2]. Seu trabalho somente foi interrompido por sua morte prematura antes mesmo de completar cinquenta e cinco anos de vida.

Sua obra Magnum opus as Institutas, ou Tratado da Religião Cristã (ver artigos relacionados), teve sua primeira edição publicada em 1536, o ano seguinte após ser escrita. Começou como um pequeno livro de 516 páginas e apenas seis capítulos. Todavia, em sua edição de 1539 já estava com 17 capítulos, mas que em continua revisão e acréscimos pelo reformador genebrino transformou-se em quatro livros com um total de oitenta capítulos. Teve ao menos nove edições de próprio punho, escritas em latim e francês em uma época em que as condições de trabalho eram mínimas à luz de vela e lampião, pena e tinteiro. As Institutas consumiram cerca de 25 anos seguidos de árduo trabalho de Calvino.

Seus comentários bíblicos dos livros das Escrituras foram produzidos para complementar suas Institutas. Ele escreveu comentários de 24 livros do Antigo Testamento, e do Novo Testamento deixou de comentar apenas a 2ª e a 3ª epístolas de João e o Apocalipse. No formato online e PDF é possível encontrá-los. Das editoras a mais popular é a coleção produzida pela editora Baker Book House que os reúnem em 22 volumes que totalizam mais de 11.000 páginas! Infelizmente pessoas que não leram nem ao menos 10% de suas obras estufam o peito e se autodenominam de calvinistas.

O primeiro comentário bíblico de João Calvino foi sobre a epístola aos Romanos, preparado quando o reformador ainda se encontrava em Estrasburgo, em 1539. O livro está dedicado a Simão Grinée, reformador em Basiléia e mestre de Calvino no grego e teologia. Os últimos comentários escritos por João Calvino foram os de Josué e Ezequiel, que compreende apenas os vinte primeiros capítulos. A edição escocesa de 1850 traz a seguinte nota ao Comentário de Ezequiel: “Depois de terminar esta última preleção (sobre o cap. 20), o ilustre João Calvino – o Teólogo – que havia estado previamente enfermo, começou a sentir-se tão fraco, que foi compelido a buscar o leito e não pôde mais prosseguir na explicação de Ezequiel. Esta foi a razão de parar no cap. 20º e não terminar uma obra tão auspiciosamente começada”.

Um número extraordinário de comentaristas posteriores atesta positivamente a excelência dos comentários de João Calvino, incluído o professor Tiago Arminius (1560-1609), que se opôs tenazmente à teologia calvinista da predestinação/eleição incondicional, mas que recomendava aos seus alunos a leitura dos comentários de Calvino que na sua opinião não havia melhores [3]. Seus comentários representam uma ruptura com o método alegórico e complicado de exposição dos eruditos escolásticos. Para ele um bom comentário bíblico tinha que ser fiel à ideia central do texto, sem subterfugio e extraindo o seu sentido natural. Em seu comentário de 2Coríntios 3.6, Calvino faz questão de explicar a razão pela qual efetivou a mudança do método alegórico de interpretação, até então comumente utilizada, em favor da ênfase no sentido literal, gramático-histórico do texto.

Seguindo uma ordem cronológica o primeiro comentário bíblico de João Calvino foi sobre a epístola aos Romanos. Para ele, assim como tantos outros antes e depois dele, visto que foi escrita após mais de vinte anos de vida cristã, de maneira que nela se reflete a maturidade e aprendizado maturado do velho apostolo, se constituindo então na principal porta de entrada para uma ampla exposição das Escrituras que era o objetivo maior de Calvino. De maneira que, ele tem plena consciência que está diante de um texto que lhe apresenta as doutrinas fundamentais do ensino cristão genuíno que está sendo resgatado pelos reformadores.

O comentário da Primeira aos Coríntios chegou a Estrasburgo em novembro de 1545 e sua impressão é anunciada para a feira da primavera em 1546, o que de fato ocorreu. A Segunda Epístola aos Coríntios foi publicada por ele apenas alguns meses depois de seu Comentário sobre a Primeira Epístola, sua dedicatória da Segunda Epístola, data de 1º de agosto de 1546, enquanto a dedicatória da Primeira Epístola data de 24 de janeiro de 1546. Nesse período Calvino enfrentava muitas lutas e dificuldades, teve que lidar com o desanimo dos genebrinos, por causa das ameaças do Imperador Carlos V, a reação negativa às pregações e direcionamentos dados por ele e as falsas acusações sobre seu ensino doutrinário. Mas, ele encontrou nestas duas epístolas paulinas o consolo e animo para continuar seu ministério pastoral.

Ao enviar o trabalho de Segunda Coríntio para ser impresso em Estrasburgo e devido a longa espera de confirmação que o documento havia chegado, ele resolveu que sempre haveria de fazer uma cópia antes de enviá-los. Mas devido a guerra entre o imperador Carlos V e os príncipes alemães (1546-1547) esta e as demais acabaram sendo impressas em Genebra.

          Certamente uma das razões de Calvino investir seu precioso tempo com as correspondências paulinas aos crentes em Corinto é que o seu contexto eclesiástico conturbado e até mesmo pecaminoso tinham relações muito próximas do contexto histórico eclesiástico que Calvino estava enfrentando em Genebra. Todavia, ao lermos seus comentários, não transparece toda essa convulsão eclesiástica social-política, mas parecem terem sido preparados em um momento tranquilo e em pastos verdejantes.

          Na comunidade de Corinto proliferavam os falsos mestres que traziam suas novidades e incendiavam as mentes e corações daqueles cristãos, o que estava ocorrendo continuamente na comunidade genebrina. Portanto, enquanto Calvino se debruçava nas literaturas de Paulo aos Corintos ele estava armazenando munição para rebater seus próprios invasores em sua comunidade. E como professor e mestre nas escolas e seminário os argumentos exortativos de Paulo aos Corintos se constituíam em preciosas ferramentas para colocar às mãos de alunos, professores e mestres que vinham de todas as partes da Europa e retornavam adequadamente preparados para responder as demandas de suas próprias comunidades locais.

          Dois fatores externos produziam apreensão ao coração pastoral de Calvino que encontra paralelo no contexto histórico de Paulo aos Corintos. Como pastor ele tinha que acalmar e animar constantemente os membros de sua igreja pois o imperador Carlos V ameaçava constantemente perseguir as igrejas reformadas; mas assim como Paulo nada afligia mais o coração pastoral do que o contexto depravado da sociedade de seus dias. Constantemente se levantavam falsas acusações contra Calvino, mormente apresentadas por pessoas desgostosas de seu ensino e pregações que confrontava abertamente a vivência desconectada do ensino bíblico da vida delas. Assim como em Corinto muitas vezes Paulo foi questionado sobre suas credenciais apostólicas, sua capacidade pedagógica (oratória fraca) e até mesmo sua aparência física, em Genebra Calvino era alvo constante de toda sorte de críticas sem quaisquer critérios ou fundamentos. Infelizmente ainda hoje os adversários de Paulo e Calvino continuam a utilizar tais artifícios covardes contra ambas as figuras históricas. Os inimigos da verdade nunca tiveram caráter.

          As dedicatórias que antecedem seus comentários são sempre preciosas. Mas tudo indica que nesta primeira epístola aos Corintos houve um lamentável episódio. Originalmente Calvino havia feito uma dedicatória à Tiago da Borgonha, senhor de Falais e Bredam, de sangue da França, descendente de São Luís, bisneto de Filipe, o Bom, duque da Borgonha, que rompendo com a igreja romana, por muitos anos frequentou a igreja reformada em Genebra e mantinha uma amizade pessoal com Calvino. Mas após os embates entre o reformador e o frade carmelita, parisiense e médico, Jérôme-Hermès Bolsec, no ano de 1551, ele e sua família se afastaram de Genebra. Esse afastamento pode ou não implicar em igual comportamento em relação aos princípios de fé reformada, mas tudo indica que tenha pesado a sua discordância da forma contundente com que Calvino propôs punir o comportamento de Bolsec, que era também o médico do nobre e da sua família. Essa dissensão tornou-se crescente quando Tiago defendeu abertamente o comportamento opositor de Bolsec em Genebra, interrompendo o processo que corria contra ele, bem como igualmente o defendeu no judiciário de Berna que acolheu calorosamente a solicitação, a ponto de Farel, reformador de primeira ordem e amigo de Calvino, não ter dúvidas em apontar essa intervenção a causa da relutância das igrejas suíças em endossar a teologia calvinista. De maneira que, não apenas recusaram abrir processo judicial contra Bolsec, como exortaram tolerância e moderação aos genebrinos.

Esse seria um entre tantos embates que Calvino enfrentou no transcorrer de sua vida eclesiástica, mas um dos desdobramentos desta questão foi a grande decepção do reformador genebrino em relação ao comportamento antagônico de Tiago, o qual levou a um rompimento definitivo da amizade, de maneira que Calvino suprimiu a Dedicação que havia feito a ele e a substituiu por outra dirigida a Galliazus Caracciolus, descendente e filho único e herdeiro do Marquês de Vico. Ele menciona essa substituição na sua segunda dedicatória:

Quem dera que, quando este Comentário viu a luz pela primeira vez, eu não tivesse conhecido de todo, ou então tivesse conhecido profundamente o indivíduo cujo nome, até então inscrito nesta página, agora estou sob a necessidade de apagar! Não tenho, é verdade, medo de que ele me tranquilize com inconstância, ou reclame que eu lhe tirei o que eu havia dado anteriormente, por ter intencionalmente feito dele seu objetivo, não apenas para se afastar o máximo possível de mim pessoalmente, mas também para não ter nenhuma ligação com nossa Igreja, ele não deixou a si mesmo um justo motivo de queixa. É, porém, com relutância que me desvio do meu costume, de modo a apagar o nome de qualquer um dos meus escritos, e entristece-me que esse indivíduo tenha abandonado a elevada eminência que lhe eu lhe tinha atribuído, 19 para não estender uma luz aos outros, como era meu desejo que ele o fizesse. 20º Como, no entanto, não está em meu poder remediar esse mal, que ele, no que me diz respeito, permaneça sepultado, pois desejo ainda agora poupar seu crédito ao não mencionar seu nome.                                       

Por sua vez, Galliazus Caracciolus, era um nobre que havia abandonado a Itália, após sua conversão, e passou a morar em Genebra. Ali permaneceu até sua morte e estabeleceu uma longa amizade com Calvino até a morte desse. Sempre deu um testemunho digno de uma fé e prática reformada. Atestada pela dedicatória que o reformador genebrino lhe faz nas edições posteriores e definitiva de seu trabalho da primeira epístola ao Corintos.

 

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Guedes, Ivan Pereira

Mestre em Ciências da Religião.

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Notas

[1] Lloyd-Jones D. M. Os puritanos: suas origens e seus sucessores. São Paulo: PES, 1993, p. 114.

[2] Wilson C. Ferreira. Calvino: vida, influência e teologia. Campinas: LPC, 1985, p. 140.

[3] The works of James Arminius. Vol. I. Grand Rapids: Baker Book House, 1996, p. 295.

Referências Bibliográficas Citadas

[1] Lloyd-Jones, D. M. Os puritanos: suas origens e seus sucessores. São Paulo: PES, 1993, p. 114.

[2] Gonzalez, Justo L. A era dos reformadores. Vol. 6. São Paulo: Vida Nova, 1989, p. 111.

Referências Bíblicas Geral

CALVIN, Jean. As Institutas ou Instituição da Religião Cristã (da edição original francesa de 1541). Tradução e leitura de provas Odayr Olivetti; revisão e notas de estudo e pesquisa Herminsen Maia Pereira da Costa. 1ª edição. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2002.

D'AUBIGNÉ, J. H. Merle. The Reformation in Europe in the time of Calvin. Vol. VIII. Translated William L. R. Cates. New York: Robert Carter and Brothers, 1879.

FERREIRA, Wilson Castro. Calvino: vida, influência e teologia. Campinas, SP: Edição de Luz Para o Caminho, 1985.

GREEF, Wulfert. The Writings of John Calvino: An Introductory Guide. Trans. L. D. Bierma. Grand Rapids: Baker, 1989.

HALSEMA, Thea B. Van. João Calvino era assim. Editora Os Puritanos/Clire, 2009/2011.

PARKER, Thomas Hnry Louis. Calvino's New Testament Commentaries. Westminster John Knox Press, 1993.

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domingo, 10 de março de 2024

História da Igreja - Atanasio (293-373)

 

"Deus se fez homem para que o homem se tornasse Deus.

Atanásio

"o Milagre Central afirmado pelos cristãos é a Encarnação...”

C. S. Lewis

Atanásio é considerado um dos maiores teólogos da igreja cristã. Exerceu o bispado de Alexandria, sua terra de origem. Durante os debates em relação à divindade de Jesus Cristo ele foi intransigente no combate ao arianismo, que perdurou por pelo menos cinco décadas, pois eles não aceitavam que Jesus continha as duas naturezas divina e humana. Sua defesa tornou-se a base da teologia cristã que ainda é aceita em todas as vertentes genuinamente cristã.

Muito cedo ele sentiu-se vocacionado para a vida clerical, por seis anos ele exerceu a função de leitor o qual exigia uma vida devocional ilibada e um conhecimento básico das Escrituras. Em época de um número elevado de analfabetismo e de ausência de equipamento de som, o leitor tornava-se uma figura relevante. Quando se início aos embates com o arianismo Atanasio já estava exercendo a função de diácono (23 anos), portanto, já fazia parte do clero junto com padres e bispos. Tinha uma tripla função: auxiliar na elaboração da liturgia, fazer as leituras bíblicas e quando convidado podia também expor a homilia daquele dia.

Pesquisadores entendem que já neste tempo Atanásio escreveu ao menos duas obras “Contra os Gentios” e “Sobre a Encarnação”. Nesta segunda obra ele expõe pontos cardeais de sua teologia. Ele enfatiza a encarnação como o meio de salvação e o outro lado desta mesma moeda é a plenitude da divindade de Jesus Cristo. Em sua encarnação Cristo assume a plenitude de nossa humanidade e na sua divindade ele mantém a sua unicidade com o Pai e o Espírito Santo, desta forma, em Jesus Cristo (o apóstolo Paulo amava esta expressão “em Cristo”) de maneira que Ele traz o genuíno conhecimento do Pai, e provê vida eterna no lugar da morte. Nestas obras germinais ele já fundamentava toda sua teologia em defesa da unidade ontológica da substância (homoousios) do Pai e do Filho e por conseguinte do Espírito Santo. Para ele o arianismo era uma espécie de politeísmo cristão, pois Jesus Cristo era adorado como um deus menor (tese ainda adota pelos Testemunhas de Jeová). Seguindo o raciocínio deles o papel de Cristo no processo da nossa salvação torna-se secundário, uma vez, que somente Deus criador pode de fato realizar uma nova criação. Isso era inaceitável para Atanásio, mas muito aceitável por inúmeros teólogos no transcorrer da história da igreja, incluindo os nossos dias.

Ainda como coadjuvante (secretário) do bispo Alexandre, o jovem Atanásio desempenhou um papel fundamental nos bastidores do Concílio de Nicéia (325)[1], uma vez que ele não sendo bispo não poderia ter voz no plenário. Embora sendo um diácono, surpreendeu a todos os conciliares pela sua capacidade de manter-se firme nas mais difíceis e duras discussões teológicas, onde revela a cada embate um conhecimento profundo das Escrituras, que seus adversários têm cada vez mais dificuldade de se opor. Em razão do hercúleo esforço de Atanasio, o Concílio afirmou (alguns dizem confirmou) a divindade plena de Cristo contra a tese do arianismo. O Credo Niceno assim definiu a divindade de Cristo: “o Filho de Deus, gerado unigênito do Pai, isto é, da substância do Pai; Deus de Deus, luz de luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não feito, consubstancial ao Pai”. Podemos sempre descansar no fato de que para cada Ário que se levanta com ideias contrárias ao genuíno ensino bíblico, Deus em sua providência perfeita suscita um Atanasio (Agostinho, Lutero, Calvino...).

Com a morte do bispo Alexandre, logo após a promulgação do Credo Niceno, o jovem Atanásio (com apenas 30 anos) foi escolhido para sucedê-lo no bispado de Alexandria. Desde o início e durante todo o período restante de sua vida ele foi contestado, tendo em Eusébio de Nicomédia (não confundir com Eusébio de Cesareia) um órfão do arianismo, que lutava para reverter o resultado conclusivo do concílio de Niceia e para isso tentou de todas as formas, inclusive ilícitas, desacreditar o então bispo Atanasio.

Acusando-o sistematicamente diante do imperador Constantino, que se aborrecia facilmente com as questões teológicas e em seu afã de promover a unidade da igreja (seu instrumento de poder e dominação) acabou por ceder aos opositores e baniu Atanasio, sob acusação de heresia e perturbação da ordem pública. Essa foi primeira de uma série de cinco banimentos, e a cada vez Atanasio retornava ainda mais forte e convicto de seus posicionamentos teológicos. Seus opositores o apelidaram de "Anão Negro" foi a etiqueta que seus inimigos lhe deram, em decorrência de ser um bispo egípcio de pele escura e baixa estatura.[2] Mas na história ele se constituiu em um gigante da teologia ortodoxia cristã que estava sendo estabelecida.

Em certa ocasião sendo influenciado por pessoas de seu círculo pessoal o imperador Constantino ordena que Atanasio (em seus primeiros anos como bispo de Alexandria) recebesse Ário (que havia sido exilado) em sua Congregação, com o risco de degradação e banimento se desobedecesse. Atanasio simplesmente responde ao Imperador que não poderia receber uma pessoa que havia sido condenado (Concílio de Niceia) por toda a Igreja. Diante da postura dele Constantino o exilou para o posto avançado mais afastado do Império Romano no Ocidente: a cidade alemã de Treveris.

Nos quarenta e seis anos em que exerceu seu episcopado em Alexandria (328 a 373), então um dos maiores centros do cristianismo antigo, Atanasio enfrentou os mais duros embates teológicos e políticos da igreja cristã antiga. Além do imperador Constantino, seus sucessores Constâncio, Juliano, Valente tentaram se livrar dele, ou reduzi-lo ao silêncio. Também tem que enfrentar os órfãos de Ário, os cismáticos melecianos (do mentor Melécio de Licópolis), assim como os extremistas intransigentes do próprio concilio de Nicéia. Quase dezesseis anos de seu episcopado foram passados em exílios.

Com toda razão temos que concordar com o grande historiador da igreja Gonzales que expressando um consenso da maioria dos teólogos cristãos afirmam: “Atanásio foi, sem dúvida alguma, o bispo mais notável que chegou a ocupar a antiga sé de Alexandria e (...) foi também o maior teólogo de seu tempo”.

Uma de suas obras mais conhecida hoje é “Sobre a Encarnação do Verbo” – escrito ainda em sua juventude, que trata na verdade mais sobre a divindade do Filho antes dele assumir a nossa humanidade, do que sobre a encarnação propriamente dita. O que não tira o mérito da obra é que serviu de fundamentação para as teses consequentes da perfeita divindade de Cristo.

Atanásio faleceu em 373, aos 77 anos, sendo considerado um dos pais da Ortodoxia Cristã e um dos mais importantes doutores da Igreja.

  

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Guedes, Ivan Pereira
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Referências Bibliográficas

FERGUSON, Everett. História da Igreja: dos dias de Cristo à Pré-Reforma - Volume 1. Editora Central Gospel Ltda: Rio de Janeiro, 2017

GONZALEZ, Justo L. Uma história do pensamento cristão. V.1. Tradução Paulo Arantes, Vanuza Helena Freire de Mattos. São Paulo: Cultura Cristã, 2004.

__________, Dicionário ilustrado dos intérpretes da fé. Tradução Reginaldo Gomes de Araújo. Santo André, SP: Editora Academia Cristã Ltda, 2005.

HURST, John Fletcher y ROPERO, Afonso. Historia geral del Cristianismo – desde los Orígenes a nuestros días. Espanha: Editorial CLIE, 2008.

LEWIS, C. S. Miracles. Nova Iorque: Touchstone, 1996 repr. 1947. [p.143].

ORSON, Roger E. História da teologia cristã: 2.000 anos de tradição e reformas. Tradução Gordon Chown. São Paulo: Editora Vida, 2001.

SANTO ATANÁSIO. Contra os pagãos - A encarnação do Verbo - Apologia ao imperador Constâncio - Apologia de sua fuga - Vida e conduta de S. Antão. São Paulo: Paulus, 2002. [Patrística vol. 18]. Está coleção é relevante para quem deseja estudar mais a fundo a História da Igreja.

O Credo de Atanásio - Paulo Anglada, Sola Scriptura: A Doutrina Reformada das Escrituras (São Paulo: Os Puritanos, 1998), 180-82.

O Credo Niceno – Paulo Anglada, Sola Scriptura : A Doutrina Reformada das Escrituras (São Paulo: Os Puritanos, 1998), 179-80.

 


[1] Considerado o mais importante dos Concílios dos primeiros séculos da Igreja Cristã. Realizado na cidade de Bitínia, contando com representantes de todas as partes da cristandade, incluindo a Índia, que enviaram seu bispo. Alcançou um número expressivo de trezentos bispos tendo em sua conclusão a presença do Imperador Constantino, que havia convocado o Concílio.

[2] Apenas Justo Gonzales faz essa citação entre aspas, mas não sita a fonte de sua afirmativa. Certamente Atanásio não era branco/loiro, pois era egípcio e portanto, no mínimo de pela escura. Certamente seus adversários focaram em sua pequena estatura e ampliaram a cor de sua pele. 


quinta-feira, 14 de setembro de 2023

Protestantismo no Brasil/São Paulo: Referências Bibliográficas

 


Quando nos propomos a falar de Protestantismo no Brasil é impossível não pensarmos na cidade de São Paulo. Ainda que Ashbel Green Simonton tenha desembarcado no Rio de Janeiro (1859) e ali tenha empreendido seus primeiros e profícuos esforços na implantação da mensagem evangélica protestante, conforme proposta por um de seus diversos ramos o Presbiterianismo, é na cidade e estado de São Paulo que esta mensagem vai expandir de forma mais acentuada, tornando possível o estabelecimento de uma forte e crescente denominação protestante no país.

O recorte histórico que fazemos neste trabalho, início da década de 60, torna-se relevante, pois o estabelecimento da Igreja Presbiteriana Jardim das Oliveiras (IPJO), ocorre em um dos momentos mais tensos da história brasileira e da própria Igreja Presbiteriana do Brasil.

Ainda que seja a análise de um caso específico, de uma igreja e de um ramo do protestantismo, teremos a oportunidade de fazermos uma revisão histórica da implantação e desenvolvimento do protestantismo brasileiro, mais especificamente da cidade de São Paulo, nos conduzindo a uma avaliação e uma autocrítica da própria herança protestante e, por conseguinte, a um enriquecimento profundo da vivência da fé evangélico protestante.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALVES, Rubem A. Protestantismo e Repressão. São Paulo: Ática, 1985.

ARAÚJO, João Dias de. Inquisição sem fogueiras, 2ª Ed. Rio de Janeiro: Instituto Superior de Estudos da Religião, 1982 (Edição digital – PDF).

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Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião
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