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sábado, 2 de agosto de 2025

Reforma Protestante: O Conflito de Calvino e Farel com o Conselho de Genebra (1538)

Há duas tendências prejudiciais à genuína História do Protestantismo e da História em geral: A primeira consiste na romantização dos acontecimentos históricos, elevando os protagonistas a figuras heroicas e idealizadas, como se os processos vivenciados fossem isentos de complexidade e conflito. Essa narrativa idealizada obscurece as nuances históricas e favorece a construção de mitos, em detrimento da análise contextual.

A segunda tendência, ainda mais inquietante, consiste na negligência da própria História, frequentemente considerada por muitos como elemento irrelevante ou descartável no contexto contemporâneo. Tal postura evidência não apenas um déficit de conhecimento, mas também uma ruptura com a consciência histórica — componente fundamental para a construção da identidade individual e coletiva.

Essas perspectivas equivocadas revelam-se particularmente evidentes entre segmentos evangélicos das gerações mais recentes, cujas práticas e discursos denotam um desconhecimento significativo de suas tradições históricas, fundamentos teológicos e marcos institucionais. Tal lacuna cognitiva conduz a uma postura autorreferente, como se fossem protagonistas inaugurais de um movimento desvinculado de suas raízes — raízes essas forjadas ao longo dos séculos por uma multiplicidade de vozes, embates e contextos históricos que moldaram a identidade protestante contemporânea.

A sistemática desvalorização da História, em determinados círculos evangélicos contemporâneos, decorre também do fato de ela funcionar como um espelho incômodo que revela a realidade desconcertante de um evangelicalismo superficial e profundamente aculturado, característico dos séculos XX e XXI. Tal cenário sinaliza um inquietante retrocesso às sombras da Idade Média — período em que a Igreja, desfigurada por estruturas de poder e alianças espúrias, havia se distanciado de sua identidade e missão essencial como sal e luz do mundo. Em nossos dias, os sinais da presença dos valores do Reino de Deus tornam-se cada vez mais rarefeitos, enquanto princípios mundanos e mercantilistas ascendem como forças estruturantes de um modelo eclesiástico que busca acomodar-se confortavelmente aos contornos de uma sociedade marcada pela degradação ética e espiritual.

Nos turbulentos anos do século XVI, sob os ecos profundos da Reforma Protestante, Genebra emerge como um cenário emblemático do embate entre tradição e renovação. Os reformadores — homens como João Calvino e Guillaume Farel — não apenas enfrentaram questionamentos doutrinários, mas também foram alvo de intensas pressões sociais e políticas, chegando ao extremo da violência.

Os opositores do avanço reformado, ao perceberem nele uma ameaça às estruturas religiosas e políticas então vigentes, mobilizaram-se com veemência para conter sua disseminação. O receio de que as sementes de um Evangelho profundamente bíblico e salvífico frutificassem em solo genebrino e se espalhassem por outras regiões levou à intensificação da resistência, por vezes violenta, contra os reformadores. Este episódio revela o custo elevado de uma fé que se dispõe a desafiar estruturas consolidadas, e a força resiliente daqueles que empenharam suas vidas na restauração da centralidade das Escrituras como fundamento da vida cristã.

Após inúmeros embates e retrocessos, os reformadores conquistaram uma vitória significativa — ainda que parcial — na cidade suíça de Genebra. Contudo, os opositores não estavam dispostos a renunciar a seu status quo, sustentado não por convicções religiosas, mas por uma moral profundamente corrompida. Para estes, a religião deveria se restringir ao âmbito privado, sem se imiscuir nas dinâmicas sociais e políticas. Seu lema, então como agora, era: “viva e deixe viver”. A reputação de Genebra como um reduto de depravação ecoava por toda Europa, sendo descrita em versos e prosas como símbolo de uma sociedade afundada no pecado. Aqueles que se agarravam ao lamaçal da imoralidade resistiam a qualquer tentativa de reforma, exigindo que a Igreja os aceitasse tal como eram, sem confronto ou transformação. A semelhança com os dias atuais é inquietantemente reveladora — e está longe de ser mera coincidência.

Os reformadores, cientes da seriedade do chamado divino, não podiam — em sã consciência — aceitar as condições impostas por uma sociedade moralmente decadente. Compreendiam que os princípios bíblicos não existem para serem contemplados como relíquias em vitrines religiosas, mas sim para serem vividos com integridade por aqueles que professam fé no Cristo redentor. Os que se recusam a se submeter à Palavra permanecem em sua devassidão, e inevitavelmente terão de prestar contas à reta justiça de um Deus Santo.

Desafiar uma mentalidade impregnada de carnalidade moral e espiritual, no entanto, acarreta alto custo: aqueles que se levantam para reestabelecer a centralidade das Escrituras enfrentam riscos reais — a perseguição, a violência, e até a morte.

Neste contexto, vale transcrever o recorte da renomada autora Thea B. Van Halsema, cuja obra sobre os reformadores oferece luz sobre essa tensão entre fé autêntica e resistência secular.

Este é o retrato fiel, quase fotográfico, de um momento decisivo — uma self espiritual capturando o exato instante em que os reformadores, com os corações firmados na Palavra, se veem compelidos a deixar Genebra. Não por falta de argumentos, mas por excesso de convicção. Não por serem vencidos, mas por recusarem transformar o templo do Senhor em vitrine da depravação.

A atmosfera que os envolve é densa, carregada como as nuvens que antecedem uma tempestade: há angústia, há temor, mas há também uma paz que não pode ser arrancada — a paz de quem serve a um Deus que vê no oculto e julga com justiça. Eles partem, mas deixam rastros de verdade, ecos de um Evangelho que não negocia com o pecado.

A história os expulsa, mas a eternidade os acolhe como testemunhas da fé que não se corrompe. E àqueles que hoje se veem pressionados a diluir a verdade em nome da aceitação, este momento nos lembra: ser fiel às Escrituras é, muitas vezes, caminhar contra o fluxo — mesmo que isso custe o conforto, o prestígio ou a própria vida.

Transcrição do texto da referida historiadora com tradução eletrônica acrescida de algumas notas explicativas.

 


Calvino e Farel abriram caminho pela multidão que chiava e cuspia neles. Subiram os degraus dentro da prefeitura e passaram pelo arauto à porta da câmara do conselho. Ao conselho disseram: Vocês agiram perversamente ao aprisionar um servo do Senhor. Ele falou a verdade quando pregou que vocês não têm o direito de decidir a adoração da igreja sem antes consultar a própria igreja¹.

O conselho estava desconfortável diante da ira dos pregadores. Eles barganharam: Esperaremos para colocar os ritos de Berna em prática se vocês concordarem em nos permitir afastar Corault de seu ofício como pregador².

A isso jamais concordaremos, responderam os dois homens de roupas pretas. Tampouco introduziremos as cerimônias de Berna. O conselho da cidade não tem o direito de impô-las à igreja³.

Do lado de fora, a multidão esperava pelos pregadores. “Ao Ródano, ao Ródano”, gritavam alguns. Outros lançavam insultos sujos às costas de Calvino e Farel. Mais cuspes, mais chiados, mais punhos e bastões sacudidos. E quando chegou a noite, mais chutes em sua porta, mais tiros disparados sob suas janelas, mais canções sujas cantadas ruidosamente. Alguém chegou a desfilar pelas ruas, zombando da Ceia do Senhor com uma cantiga obscena⁴.

Tudo isso era um pesadelo para o tímido francês de vinte e oito anos. O Senhor o havia colocado sobre uma igreja, em vez de colocá-lo em um estudo tranquilo. Mas que igreja e que cidade! Por quanto tempo ele seria obrigado a resistir à tempestade?

Noite de sábado. O arauto do conselho chegou por ordem dos síndicos. Os pregadores concordariam em usar os ritos de Berna? Caso contrário, os pastores Calvino e Farel não deveriam subir aos púlpitos no dia seguinte. Outros pregadores seriam encontrados para pregar os sermões da Páscoa e administrar a Ceia do Senhor⁵.

Manhã de domingo. As igrejas estavam completamente cheias. Os pregadores pregariam? Sim, os pregadores haviam decidido pregar. Após uma noite sem sono, dirigiram-se às igrejas — Farel atravessando o rio, Calvino rumo a Saint Pierre.

Ali estava Calvino, no púlpito, olhando para uma congregação zangada e agitada. Que sermão ele pregou! Como poderiam estender as mãos para receber o pão e o vinho da Santa Comunhão quando haviam pecado tão obstinadamente contra Cristo crucificado? Poderia a Ceia ser celebrada em meio a tumultos? Deus o proibisse⁶.

Não houve celebração da Comunhão em Saint Pierre, nem em Saint Gervais. Ilesos, os dois pastores voltaram para casa.

Nos cultos da tarde de Páscoa, Calvino pregou na Igreja de Rive. Quando falou sobre os problemas em Genebra, homens saltaram com espadas. Amigos de Calvino o protegeram e o escoltaram até sua porta. “Por um milagre”, relatou uma testemunha, não houve derramamento de sangue⁷.

Dentro de casa, Calvino e Farel aguardavam a próxima movimentação dos conselhos. Tarde de domingo, os síndicos se reuniram. Na segunda-feira, o Conselho dos Duzentos reuniu-se: “Damos aos pastores Calvino, Corault e Farel o prazo de três dias para saírem de nossa cidade” ⁸.

O arauto anunciou a sentença. Ao ouvi-la, Calvino respondeu: “Muito bem. Se tivéssemos servido a homens, teríamos sido mal recompensados, mas servimos a um bom Mestre que nos recompensará” ⁹.

Três pastores franceses, em cavalos alugados, saíram de Genebra.

Era 25 de abril de 1538.


Notas Explicativas

  1. A teologia reformada sustentava que a adoração é assunto da igreja, não do governo.
  2. Os ritos de Berna representavam práticas litúrgicas menos rigorosas; sua adoção buscava controle religioso.
  3. O conflito entre poder civil e autonomia eclesiástica foi central na Reforma Protestante.
  4. A hostilidade popular indicava resistência às mudanças religiosas promovidas por Calvino.
  5. arauto era um oficial que comunicava decisões do conselho com bastão e vestes cerimoniais. Os síndicos, autoridades municipais, tinham prerrogativas executivas, enquanto o Conselho dos Duzentos era o órgão deliberativo supremo de Genebra.
  6. Para Calvino, a Ceia só poderia ser celebrada em espírito de reverência e comunhão autêntica.
  7. O púlpito tornou-se símbolo da tensão entre fé e política; a violência era uma ameaça real.
  8. A decisão do Conselho dos Duzentos marcou a expulsão dos líderes reformistas.
  9. A resposta de Calvino enfatizava sua convicção teológica de servir apenas a Deus.

 

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Guedes, Ivan Pereira

Mestre em Ciências da Religião.

Universidade Presbiteriana Mackenzie

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Referência Bibliográfica Referida neste Artigo

VAN HALSEMA, Thea B. This Was John Calvin. Grand Rapids: Baker Book House, 1959.

Referências Bibliográficas Sugeridas

BENGE, Janet; BENGE, Geoff. João Calvino: Renovador da Igreja. São Paulo: Editora Betânia, 2005.

FERREIRA, Wilson Castro. Calvino: Vida, Influência e Teologia. São Paulo: Luz para o Caminho, 1985.

GONZÁLEZ, Justo L. História do Pensamento Cristão. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2004.

MCGRATH, Alister. Uma Vida de João Calvino. São Paulo: Vida Nova, 2013.

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domingo, 13 de julho de 2025

Calvino Pela Perspectiva de Sua Correspondência – O Último Documento

 


Ao longo de quatro séculos, os reformadores foram expostos a críticas tão variadas quanto implacáveis. Mas, com toda certeza, pela expressividade e abrangência de seus estudos teológicos e bíblicos, nenhum foi mais injustamente caluniado, difamado e depreciado do que o francês genebrino João Calvino.
Não tendo argumentos sólidos para atacarem suas obras, seus críticos passaram — e ainda hoje mantêm — a dirigir ataques à sua pessoa e personalidade. Não há esfera de sua vida que não tenha sido alvo de comentários pejorativos e depreciativos.         
Como responder a essa avassaladora máquina de desmonte de sua personalidade pública-histórica?  Um dos caminhos é voltarmos nosso olhar para suas correspondências pessoais. Poucos escreveram tanto e para tantas pessoas tão amplamente diversas — imperadores, reis e rainhas, expoentes eclesiásticos, amigos e inimigos, até os mais simples pastores de pequenas igrejas interioranas, em diferentes pontos do globo terrestre. Há registros de correspondências enviadas e recebidas por pastores calvinistas que foram enviados ao Brasil, ainda no final dos anos 1500, como parte da tentativa francesa de estabelecer uma colônia calvinista no país.[1]

Muitas de suas correspondências certamente editas em separado, daria um expressivo volume literário. Mas a proposta deste artigo é mais simples e singular. Apresentar aos leitores suas últimas palavras escritas, que não poderia ser endereçada a outro, senão, seu amigo de longa data e de muitas lutas Rev. Guillaume Farel. Não é propriamente uma carta em seu sentido estrito, estando mais para um pequeno bilhete pessoal e tocante. O contexto em que foi escrito é tão impactante quanto as palavras ali registradas.

O reformador genebrês está respirando cada vez com mais dificuldade; seus movimentos exigem todo seu esforço físico e mental. Toma conhecimento de seu amigo, com 75 anos, está se preparando para viajar muitos quilômetros para poder estar com ele nestes últimos momentos. Então tomado por uma preocupação, marca registrada dele, para com a saúde de seu velho amigo, ele escreve estas poucas mas impressionantes palavras, abaixo transcritas.

Em cada palavra e linhas desta diminuta correspondência é possível identificarmos os sentimentos mais profundos de um coração amoroso. Seu esforço, inútil, era demover Farel de empreender tão desgastante viagem, visto a idade e certamente fragilidade física, apenas para vê-lo, visto que sua chama está se apagando rapidamente e lhe resta apenas mais alguns dias de tênue vida.

É impossível ler este pequeno documento e vislumbrar nele as críticas contumazes e ácidas que lhe eram dirigidas em vida — e, por incrível que pareça, de forma ainda mais intensa após sua morte.
Neste último texto de sua autoria, não se encontra uma única palavra contra seus múltiplos adversários.        
Não há lamúrias, não há amarguras, frustrações ou decepções.
Há apenas uma clara preocupação — não com seu próprio bem-estar, mas com os cuidados para com seu idoso e precioso amigo.

A morte não lhe trazia qualquer temor, apenas a tristeza de não poder continuar seus mais diversos ministérios para a glória de seu Senhor e Salvador Jesus Cristo.
Uma melancolia discreta por não mais poder zelar pelas igrejas, por seus pastores e pela menina de seus olhos — a Universidade e seus professores — que espargiam o genuíno conhecimento e ensino bíblico não apenas na cidade de Genebra, mas também em centenas de outras cidades e países na Europa e no mundo.
Quem dera nossos últimos pensamentos e palavras, diante da morte inclemente, pudessem, em algum grau, se assemelhar aos do exausto João Calvino — que, assim como o apóstolo Paulo, podia tranquilamente dizer: “Combati o bom combate, acabei a carreira, guardei a fé” (2 Timóteo 4.7).

Aproveite e deguste este precioso documento.

CARTA 668

A FAREL.

ÚLTIMAS DESPEDIDAS.

GENEBRA, 2 de maio de 1564.

Adeus, meu irmão excelentíssimo e íntegro; e já que é da vontade de Deus que você sobreviva a mim neste mundo, viva com a lembrança de nossa profunda amizade, a qual, tendo sido útil à Igreja de Deus, terá seus frutos aguardando-nos no céu. 
Não quero que você se canse por minha causa. (itálico meu)        
Respiro com dificuldade, e a cada momento espero exalar meu último suspiro.
É suficiente que eu viva e morra por Cristo, que é para todos os seus seguidores um ganho, tanto na vida quanto na morte.        
Mais uma vez me despeço de você e de seus irmãos.

 

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Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
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Referências Bibliográficas

AUGUSTIJN, C., Burger, C. & Van Stam, F.P., 2002, ‘Calvin in the light of the early letters’, in H.J. Selderhuis (ed.), Calvinus Praeceptor Ecclesiae: Papers of the International Congress on Calvin Research, pp. 139–157, Princeton, Droz, Geneva.

BEVERIDGE, Henry; BONNET, Jules (Eds.). Selected works of John Calvin: tracts and letters. Grand Rapids, Mich.: Baker Book House, 1983.

BEZA, T. The life of John Calvin, transl. F. Sibson, Philadelphia. 1836. [primeira biografia de João Calvino].

CALVIN, John. Selected works of John Calvin: tracts and letters. Grand Rapids, Mich.: Baker Book House, 1983. Edited by Henry Beveridge and Jules Bonnet.

COTTRET, Bernard. Calvin, a biography. Grand Rapids, Michigan; Cambridge: William B. Eerdmans Publishing Company, 1995.

CALVIN OPERA - Ioannis Calvini opera quae supersunt omnia [todas as obras].

DANIEL-ROPSMorte e Glória de João Calvino. Morte e Glória de João Calvino - Daniel-Rops

REYBURN, Hugh Y. John Calvin: his life, letters, and work. London: Hodder and Stoughton, 1914.

SCHALKWIJK, Frans Leonard. O Brasil na Correspondência de Calvino. Fides reform-.004-077 a 184.pdf [transcrição destas cartas].

 



[1] Leia maiores informações em meu artigo - Nicolau Durand de Villegaignon: Um Cavaleiro de Malta e a Primeira Experiência Protestante no Brasil (Parte 1), conforme abaixo indicado.

 

sexta-feira, 11 de julho de 2025

Protestantismo Presbiteriano no Mundo – América Sul – Primórdios na Argentina

 


        A relevância do estudo da história do protestantismo na América Latina tem avançado significativamente nas últimas décadas. Muitas tem sido editada, como pode ser constatada de forma insipiente nas referências bibliográficas, mas o suficiente para abrirem nossas perspectivas e enriquecer nosso conhecimento. Entretanto, torna-se premente que todo este esforço e avanço literário-acadêmico seja transformado em uma consciência permanente da importância e do significado que esse protestantismo representa na história da população latino-americana.

          O presbiterianismo se expandiu pelo mundo e alcançou as Américas Central e do Sul. Aqui particularmente como resultante de um movimento heterogêneo de escoceses, ingleses e americanos, tendo como marca distintiva o estabelecimento de forte laços colaborativos iniciais com os setores liberais. Desta forma, na maioria dos casos, sempre há exceções, os elementos característicos dos princípios da Reforma (séc. XVI), como desenvolvidos na Europa, foi transvestida de uma bandeira cultural e política com uma ênfase civilizatória que se por um lado abria muitas portas, por outro lado erguia enormes barreiras por parte das elites nacionalistas, que viam neste movimento religioso muitos aspectos de um novo colonialismo estrangeiro, bem como a dificuldade de rompimento com seus laços umbilicais com o catolicismo romano predominante até então. Entretanto, a expansão missionária protestante se manteve, em graus diferenciados, por toda extensão das Américas. O primeiro país da América do Sul a receber denominações protestantes foi o Brasil no final dos oitocentos e início dos novecentos. Uma das primeiras denominações a se estabelecerem e desenvolverem no país foi a Presbiteriana.

Em contraste com o desenvolvimento do protestantismo presbiteriano brasileiro, a história presbiteriana na Argentina, segunda maior nação da América do Sul é desanimadora. Distintamente do Brasil que foi dominada pelos portugueses, o território argentino foi conquistado e monopolizado pelos espanhóis. Ainda que ambas as nações conquistadoras fossem Católica Romana, os espanhóis eram muito mais aguerridos em sua religião. Este país permaneceu sob domínio espanhol até 1816. Mas seu processo de estabilidade política foi prolongado até a adoção de uma constituição em 1853, ainda que Buenos Aires, a maior cidade, não se submeteu à autoridade de um governo nacional até 1880.

Durante a maior parte do século XIX, o país vive em turbulência, e a Igreja Católica Romana, que vivia à sombra do poder espanhol, e que detinha o pleno domínio religioso foi gradativamente perdendo credibilidade devido à má qualidade geral de seus clérigos e à negligência geral de seus membros (nesse quesito muito semelhante ao caso brasileiro).

Os anos de 1808 a 1825 demarca o abalo sísmico do Catolicismo Romano na América Latina, e ao final do período colonial, a Igreja sofria de uma situação de expressiva fragilidade sem a “proteção” governamental, tanto política como institucional. Para os pensadores liberais influenciados pelo iluminismo francês que aspiravam o engrandecimento de suas incipientes nações independentes, o modelo representado no catolicismo romano demonstrava ser incapaz de alavancar esse ciclo virtuoso, procura-se então um novo modelo – adota-se então o modelo protestante anglo-saxão, cuja nação dos Estados Unidos era um exemplo de junção entre religião e progresso.

Portanto, muito antes das teses de Max Weber, sobre a ligação umbilical entre o protestantismo e o espírito do capitalismo tornarem-se famosas, os liberais latino-americanos já tinham descoberto que o viés religioso protestante era muito mais compatível com o capitalismo incipiente do que o velho e carcomido catolicismo romano.

De forma incipiente podemos dizer que em uma primeira etapa (1829 a 1912), o presbiterianismo se desenvolveu, não com missionários propriamente dito, mas principalmente através da chegada de muitos escoceses (mormente de origem presbiteriana) que vieram como imigrantes para trabalhar nas diversas empresas britânicas estabelecidas aqui. O idioma dos cultos e reuniões era o inglês.

Aqui temos a figura marcante do Rev. William Brown,[1] pastor de 1827 a 1849, que construiu a Igreja e a Escola San Andrés (seu nome oficial atualmente é Iglesia Presbiteriana San Andrés). Posteriormente o sucedeu o Rev. James Smith de 1850 a 1883 e que liderou uma forte ênfase missionária dando origem a várias igrejas: San Juan, Florencio Varela (1854), Igreja Rancho de Chascomús (1857), a Capela Jeppener (1868) e a nova Igreja e Cemitério de Chascomús (1872). Quando o pastor James Smith renunciou, o Rev. James Fleming que havia sido seu assistente foi nomeado, permanecendo de 1925 até o ano de sua morte.

O Rev. J. Fleming teve a percepção e sensibilidade correta de que a expansão da igreja dependia de uma mudança idiomática, visto que os filhos e netos dos originais escoceses eram mais versados no espanhol do que no inglês, de maneira que começa a ministração dos cultos e reuniões também em espanhol. Para completar efetivamente a mudança de paradigma idiomático ele providência um pastor Presbiteriano espanhol, Rev. José Felices (1912), cujo ministério longevo se mostrou bastante frutífero, falecendo no ano 1941.

Dentro do escopo mais amplo do iniciante Protestantismo argentino não podemos deixar de mencionar o trabalho excepcional desenvolvido por James Thomson (1788-1854). Seu nome era James, mas havia o costume de sempre traduzir nomes, de maneira que "James" tornou-se "Diego", como aparece em todos os documentos em espanhol. Por onde quer que fosse, Thomson “James”, vinculou seu interesse pelas escolas ao seu interesse na distribuição das Escrituras, embora tenha se tornado oficialmente um agente da BFBS - British and Foreign Bible Society (Sociedade Bíblica Britânica e Estrangeira)[2] somente a partir do final de  1824.

Ele chega em outubro de 1818, em Buenos Aires, Argentina. Ele tinha trinta anos. Era um batista escocês dinâmico que estava a serviço da Sociedade Bíblica Britânica e Estrangeira, e por esta razão percorre a imensa geografia latino-americana com o objetivo de colocar a Bíblia em circulação e contribuir para o progresso educacional das jovens nações deste continente, implantado um sistema educacional desenvolvido pelo Quakers.[3] Em correspondência informa que chegou a Buenos Aires em 6 de outubro de 1818. Ele o fez depois de ter embarcado em Liverpool (Inglaterra), de onde navegou doze semanas e três dias. E na maior parte desta longa viagem (três meses) este muito doente. Pouco depois de chegar, ele entra em contato com pessoas relevantes do governo argentino a quem propôs adotar o sistema Lancaster[4] de educação no país.

A igreja Romana, enfraquecida e em aberto conflito com os Liberais não encontra forças para barrar as atividades de Thomson. Por outro lado, o governo nacional apreciou tanto o trabalho do missionário escocês na área da educação que lhe conferiu a cidadania honorária, assim como o país vizinho Chile. 

 

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Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
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Referências Bibliográficas

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ARMESTO-FERNÁNDES, Felipe e WILSON, Derek. Reforma: o cristianismo e o mundo 1500-2000. Trad. Celina Cavalcante Falck. Rio de Janeiro: Record, 1997.

Benedetto, Robert with Darrell L. Guder and Donald K. McKim. Historical

Dictionary of Reformed Churches. Lanham, Md.: Scarecrow Press, 1991.

BOISSET, J. História do protestantismo. São Paulo: Difusão Europeia, 1971.

CALVINO, JOÃO. Institución de Ia Religión Cristiana. Países Bajos: FELiRé, 1986.

DELUMEAU, Jean. La Reforma. Barcelona: Editorial Labor S/A, 1967.

ELWELL, Walter A. (org). Enciclopédia Histórico-teológica da Igreja Cristã. São Paulo, Vida Nova, 1990.

Hillerbrand, Hans J., ed. Encyclopedia of Protestantism. New York: Routledge, 2004. (4 vols).

LUZ, Waldyr Carvalho. John Knox: o patriarca do presbiterianismo. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2001.

GUEDES, Ivan Pereira. O protestantismo na capital de São Paulo – a Igreja Presbiteriana Jardim das Oliveiras. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião). Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2013. Orientador: Prof. Dr. João Baptista Borges Pereira.

KAPIC, Kelly M. and LUGT, Wesley Vander. Pocket Dictionary of the Reformed Tradition. InterVarsity Press, 2013.

LÉONARD, Émile G. O protestantismo brasileiro: estudo de eclesiologia e história social. 2ª ed. Rio de Janeiro e São Paulo: JERP/ASTE, 1981.

McGRATH, Alister. A vida de João Calvino. São Paulo, Cultura Cristã, 2004. 

McGOLDRICK, James Edward. Presbyterian and Reformed Churches. Reformation Heritage Books Grand Rapids, Michigan, 2012. 


[1] Rev. Brown escreveu extensivamente sobre temas bíblicos, incluindo livros, artigos acadêmicos e ensaios. Havia exercido docência como Professor de Antigo Testamento no Columbia Theological Seminary.

[2] Ela foi fundada em 1804, em Londres, com o propósito de tornar a Bíblia acessível a todas as pessoas, em qualquer lugar do mundo, por meio da tradução, publicação e distribuição das Escrituras.

[3] Os primeiros estabelecimentos educacionais Quakers na Inglaterra, em 1668, se destacavam por enfatizar habilidades práticas e princípios éticos, ao invés de focar apenas nos estudos clássicos

[4] O sistema Lancasteriano, também conhecido como método monitorial, foi desenvolvido por Joseph Lancaster no final do século XVIII. Este método foi criado para atender a necessidade de ensinar um grande número de alunos de forma eficiente e econômica. Utilizando os alunos mais avançados para dar suporte aos alunos mais jovens ou menos desenvolvidos.