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quarta-feira, 10 de dezembro de 2025

Bonhoeffer – Cartas da Prisão - Introdução

 Homem sentado em mesa de madeira

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Para a grande maioria dos evangélicos brasileiros, o nome Dietrich Bonhoeffer não apenas soa estranho — por ser alemão — como também não significa absolutamente nada. Para a minoria que já ouviu falar dele — abrangendo todos os segmentos protestantes evangélicos — o nome costuma ser simplesmente ignorado, quando não abertamente hostilizado. Resta, portanto, uma minoria dentro da minoria que consegue enxergar em Bonhoeffer um modelo e um convite para pensar e agir para além da caixa eclesiástica ortodoxa, frequentemente enrijecida por um dogmatismo exacerbado desenvolvido entre os séculos XVII e XVIII e que, de diferentes maneiras, acabou sendo perpetuado nos séculos XX e XXI.

Para a grande maioria dos evangélicos brasileiros, o nome Dietrich Bonhoeffer não apenas soa estranho (por ser alemão), como também não significa absolutamente nada. Já para a minoria — que inclui todos os segmentos protestantes evangélicos — o nome é simplesmente ignorado, quando não hostilizado. Resta, portanto, uma minoria dentro da minoria que consegue ver em Bonhoeffer um modelo e um estímulo para pensar e agir fora da caixa eclesiástica ortodoxa, enrijecida pelo dogmatismo exacerbado desenvolvido a partir dos séculos XVII e XVIII, e que foi implementado e permanece, com toda sua força, nos séculos XX e XXI.[1]

Embora, em seus primórdios, esse dogmatismo tivesse como intenção defender a fé bíblico-cristã contra o avanço do ceticismo e do racionalismo — evocando, de certa forma, a exortação de Judas a “batalhar pela fé que uma vez foi dada”, com o tempo esse processo histórico solidificou práticas e mentalidades que se afastaram da vivência cotidiana das pessoas. Assim, muitos protestantes acabaram se acomodando numa práxis meramente teológica, dicotomizando-a das práticas concretas da vida diária — trabalho, família, relacionamentos e a própria experiência real da fé cristã. O importante passou a ser a teologia correta, e não sua aplicabilidade às demais áreas da existência humana.

Embora tenha se mantido teologicamente conservador em sua perspectiva doutrinária, Bonhoeffer compreendia que a práxis teológica é tão relevante quanto a fides bíblica. Essa ênfase na vivência concreta da fé levou, posteriormente, a que seu pensamento fosse apropriado por correntes como o existencialismo e a teologia da libertação. No entanto, tal apropriação é unilateral e não coerente com o núcleo de seu pensamento teológico, o que explica, em parte, a rejeição de Bonhoeffer no Brasil por setores evangélicos de linha reformada, que veem nessas leituras uma distorção de sua fidelidade bíblica.

Bonhoeffer, embora permanecesse teologicamente conservador em suas convicções essenciais, compreendia que a práxis da fé é tão relevante quanto a fides bíblica. Essa sua ênfase na vivência concreta da fé levou, mais tarde, alguns movimentos — como correntes existencialistas e parte da teologia da libertação — a tentarem apropriar-se seletivamente de sua obra. Contudo, tais apropriações são parciais e, muitas vezes, desalinhadas do núcleo de seu pensamento teológico. Isso ajuda a explicar, em parte, a rejeição a Bonhoeffer em setores evangélicos brasileiros de orientação reformada, que percebem nessas leituras uma distorção de sua fidelidade às Escrituras.

Outro aspecto negativo dessa rigidez teológica é que ela se fixou apenas nos aspectos doutrinários dos grandes reformadores do século XVI, desconectando-os de todas as suas implicações sociológicas e políticas. Com isso, transformou o extraordinário movimento reformista em um nicho de uma dogmática eclesiástica fria, insensível e implacável, onde o que deve ser combatido é “o outro” — aquele que ousa pensar diferentemente deste ou daquele ponto teológico — e não o pecado, nem as ações malignas travestidas de ideologias corruptas e corruptoras, que corroem a justiça e mantêm os desvalidos e fragilizados em um círculo de miserabilidade sem esperança.

Essa síntese demonstra os motivos pelos quais o teólogo luterano alemão Dietrich Bonhoeffer (1906–1945) se tornou uma das vozes mais contundentes e significativas da resistência cristã — não apenas ao terrível e abominável regime nazista, mas também a toda ideologia dele derivada, especialmente em seus métodos de esvaziar a justiça de seus princípios elementares e de desproteger a sociedade, entregando-a aos seus corruptos e corruptores de plantão.

Preso em abril de 1943 por envolvimento na conspiração contra Adolf Hitler, Bonhoeffer passou cerca de dois anos na prisão militar de Tegel, em Berlim, onde escreveu uma série de cartas, poemas e reflexões teológicas que seriam posteriormente reunidas sob o título Widerstand und Ergebung (Resistência e Submissão), publicado postumamente em 1951.

A leitura de suas cartas revela uma maturidade teológica e espiritual que permeia sua crítica à religiosidade institucional e sua busca por aquilo que chama de uma fé “adulta”, capaz de enfrentar tanto o silêncio de Deus quanto a brutalidade da história. É nesse contexto que Bonhoeffer afirma: “chegou o tempo em que devemos falar de Deus não a partir da religião, mas da vida” (BONHOEFFER, 1971). Com essa declaração — frequentemente mal interpretada — ele não defende a rejeição da fé cristã nem o abandono da teologia, mas denuncia formas de religiosidade vazias, formais, incapazes de dialogar com a realidade concreta do sofrimento humano. Assim, ao formular o conceito etsi Deus non daretur — viver como se Deus não existisse, no sentido de assumir responsabilidade ética plena e agir no mundo com maturidade de fé — Bonhoeffer propõe uma espiritualidade encarnada, comprometida com a justiça e com a verdade em meio às tensões do século XX, de seus dias, e que perduram no século XXI dos nossos dias.

Na época de sua publicação, as Cartas da Prisão causaram impacto imediato entre teólogos, filósofos e pensadores políticos, especialmente por sua crítica à religião como sistema e por sua defesa inegociável de uma igreja “que existe para os outros”.[2] A edição inglesa, Letters and Papers from Prison, editada por Eberhard Bethge — amigo e discípulo de Bonhoeffer — consolidou sua influência internacional (BONHOEFFER, 1971).

Nas décadas seguintes, a obra foi objeto de múltiplas interpretações — ora como testemunho espiritual, ora como manifesto ético. No Brasil, a tradução Resistência e Submissão (BONHOEFFER, 2003) tornou-se referência entre teólogos e estudiosos da espiritualidade cristã. A redescoberta contemporânea de Bonhoeffer, especialmente em contextos de crise política e ética, reforça sua atualidade. Como destaca Felipe Eduardo Martins dos Santos, “vida e obra são inseparáveis em Bonhoeffer; suas cartas são expressão de uma espiritualidade encarnada” (SANTOS, 2014).

Hoje, suas reflexões sobre liberdade, responsabilidade, verdade e comunidade continuam a inspirar movimentos cristãos, acadêmicos e pensadores seculares. A publicação da Reader’s Edition em 2015 (BONHOEFFER, 2015) buscou tornar suas cartas mais acessíveis ao público contemporâneo, reafirmando seu lugar como um dos pensadores mais relevantes do século XX.

Nos próximos artigos desejo explorar um pouco destas cartas à luz da nossa própria realidade brasileira, pois entendo que nos aproximamos rapidamente do contexto vivido por Bonhoeffer na Alemanha nazista.

 

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
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Referências Bibliográficas

BONHOEFFER, Dietrich. Cartas e Papéis da Prisão. Editado por Eberhard Bethge. Traduzido por Reginald H. Fuller. Londres: SCM Press; Nova Iorque: Macmillan, 1971.

BONHOEFFER, Dietrich. Cartas e Papéis da Prisão: Edição para Leitores. Editado por Clifford J. Green. Minneapolis: Fortress Press, 2015.

BONHOEFFER, Dietrich. Resistência e Submissão: cartas e anotações escritas na prisão. Tradução de Nélio Schneider. São Leopoldo: Sinodal/EST, 2003.

SANTOS, Felipe Eduardo Martins dos. Vida e obra: chaves hermenêuticas para uma leitura das Cartas da Prisão de Dietrich Bonhoeffer. Diversidade Religiosa, v. 3, n. 1, 2014. Disponível em:        https://periodicos.ufpb.br/index.php/dr/article/download/31154/16691

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[1] O movimento conhecido como Precisionismo — especialmente entre os puritanos britânicos e coloniais — surgiu como uma resposta ao dogmatismo rígido dos séculos XVII e XVIII. Os “precisionistas” enfatizavam não apenas a ortodoxia doutrinária, mas a necessidade de uma fé cuidadosamente vivida, marcada por disciplina espiritual, moralidade prática e coerência entre confissão e comportamento. Em contraste com o mero assentimento intelectual, defendiam que a verdadeira teologia deveria produzir transformação concreta na vida diária. (ver texto deste ponto específico em Artigos Relacionados).

[2] A expressão “uma igreja que existe para os outros” está inserida em sua perspectiva de que uma igreja, para ser de fato uma comunidade de Cristo, não vive voltada para si mesma, para sua autopreservação ou para seus interesses internos, mas que se entrega voluntaria e integralmente ao serviço, ainda que sacrificial em favor do próximo. Trata-se de um desafio amoroso para que a igreja deixe de olhar apenas para si e volte suas ações para aqueles que Deus ama. Bonhoeffer nos lembra que a fé autêntica não se refugia em estruturas ou em discursos de uma ortodoxia alienante, mas se encarna na vida cotidiana, servindo com responsabilidade, compaixão e justiça — sobretudo onde há dor, sofrimento e opressão.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2025

Protestantismo Brasileiro e Seu Equívoco de Proposta Educacional (Parte 1)

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Quando lido isoladamente, este tema parece incoerente com a realidade da presença religiosa protestante no Brasil. É possível contar mais de uma dezena de colégios protestantes evangélicos no país, além de diversas universidades reconhecidas nacional e internacionalmente. Por esse prisma, o protestantismo foi um grande sucesso!

Todavia, quando deixamos de olhar pelo microscópio da história e passamos a observar pela luneta histórica, rapidamente percebemos indícios do enorme fracasso em que se constituíram as extraordinárias oportunidades que o protestantismo recebeu em seus primórdios, ao desembarcar, em meados do século XIX, neste país-continente da América do Sul.[1]

A proposta deste artigo é demonstrar a oportunidade recebida e o seu fracasso em utilizá-la em todas as suas possibilidades. Fracassar não é simplesmente deixar de fazer, mas não aproveitar plenamente as oportunidades disponíveis. O apóstolo Paulo, em outro contexto, faz uma declaração que pode ilustrar o que estou tentando expressar: “devemos remir o tempo”. Essa expressão idiomática grega implica aproveitar cada oportunidade que esteja sendo oferecida, em todo o seu potencial. Quando isso não ocorre, há desperdício de tempo e, consequentemente, fracasso em alcançar o objetivo proposto.

No caso paulino, tratava-se de não perder oportunidades de comunicar a mensagem da salvação por meio de Cristo Jesus; no caso deste artigo, trata-se da falta de aproveitamento da oportunidade de estabelecer um ensino de qualidade e excelência, capaz de permear as mentes de gerações de jovens contra ideologias nefastas[2] que viriam a invadir o ensino público e produzir gerações acríticas e facilmente induzidas a toda sorte de vícios e práticas destrutivas, prejudicando uma sociedade que deveria prezar por moral elevada, respeito e honestidade.

Percepção Correta dos Reformadores Sobre a Relevância da Educação  

Uma das primeiras ações dos reformadores do século XVI foi investir tempo, recursos e os melhores elementos humanos na educação de seus membros, principalmente no que tange à formação das crianças e jovens. Abaixo uma suscinta representatividade destas ações por parte de te dois reformadores – Lutero e Calvino e de um dos maiores educadores do século.... Comenius.

Martinho Lutero (1483–1546)

A percepção de Lutero sobre a educação foi decisiva para a superação do modelo elitista medieval: para ele, a instrução deveria ser acessível a todos — não apenas ao clero e à elite governante — a fim de que cada pessoa pudesse ler as Escrituras por si mesma e participar conscientemente da vida cristã e social. Defendendo que “o diabo não quer escolas”, ele via a educação como instrumento de formação espiritual genuína, incentivando a leitura da Bíblia, do catecismo e dos cânticos, estabelecendo assim o princípio da alfabetização universal. Lutero também atribuiu ao governo civil a responsabilidade de manter escolas como serviço público, criando as bases do ensino gratuito e obrigatório, incluindo meninas, então excluídas da instrução formal. Tal visão resultou em avanços significativos: maior alfabetização entre camponeses, o surgimento de um modelo educacional voltado à formação moral e cidadã e a consolidação de uma educação ampla — envolvendo línguas, música e ciências — que servisse à sociedade como um todo.

João Calvino (1509–1564)

A percepção educacional de João Calvino, principal representante da segunda geração da Reforma, levou-o a investir na formação integral de pastores, líderes civis e cidadãos capazes de compreender as Escrituras, administrar a sociedade com discernimento e estruturar famílias coerentes com os princípios de uma fé solidamente bíblica. Para ele, conhecimento e piedade se complementam como expressões da verdade de Deus, razão pela qual fundou o Collège de Genève — núcleo da futura e influente Universidade protestante de Genebra — e promoveu uma formação abrangente que incluía latim, lógica, retórica, teologia, direito e matemática. Calvino entendia que a educação molda o caráter e prepara para todas as vocações presentes na sociedade, não apenas para o ministério pastoral, incentivando a leitura, a disciplina intelectual e a difusão de livros, sendo ele mesmo um escritor prolífico. Seu modelo educacional tornou-se referência para escolas reformadas na Europa e posteriormente na América, fortalecendo uma teologia bíblica séria, instituições acadêmicas consistentes e a formação de líderes tanto eclesiásticos quanto civis, influenciando profundamente a ética, a política e a cultura do mundo ocidental.

João Amós Comenius (1592–1670)

Um dos mais notáveis expoentes do protestantismo educacional e amplamente reconhecido como o “Pai da Pedagogia Moderna”, concebia a educação como um processo integral — espiritual, intelectual, emocional e social — acessível a todas as pessoas, independentemente de sexo, condição social ou idade. Sua proposta pedagógica, profundamente cristã e surpreendentemente humanizadora para seu tempo, defendia o ensino universal para homens e mulheres, ricos e pobres, utilizando métodos ilustrados, graduais e adequados ao desenvolvimento do aluno, sempre orientados pelo princípio de “ensinar tudo a todos de modo suave”. Comenius também estruturou um sistema escolar progressivo, organizado em níveis como maternal, elementar, ginásio e universidade, deixando um legado que moldou os sistemas educacionais modernos, influenciando a seriação, o currículo contínuo e o uso de recursos ilustrados. Sua didática inovadora — com abundância de imagens, exemplos e livros ilustrados — tornou-se referência para movimentos pedagógicos protestantes na Europa e posteriormente na América, consolidando sua marca permanente na história da educação ocidental..

Dessa forma, podemos concluir, este ponto, afirmando que Lutero inaugura, de maneira decisiva, o princípio da alfabetização universal; Calvino consolida um modelo de formação intelectual ampla e rigorosa para a vida em sociedade; e Comenius amplia esse horizonte ao formular uma pedagogia integral, sistemática e surpreendentemente moderna. Em conjunto, esses três reformadores deixaram ao protestantismo — e ao Ocidente — o legado de que a educação não pode ser diminuída nem tratada como elemento secundário, mas constitui parte essencial de uma vocação cristã autêntica e um instrumento real de transformação social.

Obs.: Em razão da brevidade deste espaço, retomarei o tema no próximo artigo. Nele examinaremos, sem rodeios, como o protestantismo implantado no Brasil desperdiçou seu impulso inicial — amplo, público e realmente transformador — para então se acomodar em um projeto intramuros: restrito, autossuficiente, confortável para si mesmo e, assim, praticamente perdendo sua capacidade de salgar a sociedade brasileira, que há décadas passa por um evidente processo de putrefação moral e social. E a fatura histórica dessa escolha equivocada está chegando à conta da geração atual — não apenas para a sociedade em geral, mas, de forma ainda mais dura, para os próprios evangélicos brasileiros, cujas gerações mais jovens estão sendo facilmente cooptadas por ideologias abertamente anticristãs e antibíblicas.

 

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Guedes, Ivan Pereira
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Referência Bibliográfica (gerais em português)

LUTERO, Martinho. A todos os Conselhos.... São Leopoldo: Editora Sinodal, 1967. Obras Selecionadas.

LUTERO, Martinho. Da liberdade cristã. São Leopoldo: Editora Sinodal, 2011.

LEHMANN, Arno. Ação educativa de Lutero. São Leopoldo: Editora Sinodal, 1964.

CALVINO, João. Institutas da Religião Cristã. São Paulo: Cultura Cristã, 2006. 4 v.

CALVINO, João. Ordenanças eclesiásticas de Genebra. In: Documentos da Reforma. São Paulo: Cultura Cristã, 2002.

McGRATH, Alister. A vida de João Calvino. São Paulo: Cultura Cristã, 2004.

COMÊNIO, João Amós. Didática Magna. Tradução clássica. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

COMÊNIO, João Amós. Orbis Sensualium Pictus (O Mundo Ilustrado). Tradução. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

BRANDT, Edgard. Comênio e a pedagogia moderna. São Paulo: Editora Nacional, 1969.

OBS.: As bibliografias relacionadas ao tema serão indicadas no próximo artigo.

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[1] O protestantismo missionário de fato chega a partir de 1850, especialmente com presbiterianos norte-americanos (1840–1859), batistas (a partir de 1882) e metodistas (1867).

[2] A mais devastadora delas sem dúvida é o marxismo liberal (a partir dos anos 1960), que tem implantado nas mentes de jovens e adolescentes os conceitos contra o cristianismo e contra a bíblia.

sábado, 6 de dezembro de 2025

Credos e a Formulação do Pensamento Cristão

 


“A tradição é o fruto da atividade de ensino do Espírito ao longo das eras, enquanto o povo de Deus buscava compreender as Escrituras. Não é infalível, mas também não é desprezível, e empobrecemo-nos se a ignorarmos.”

— J. I. Packer, Upholding the Unity of Scripture Today

Ainda nas páginas neotestamentárias encontramos o alerta de Judas em sua epístola, escrita na segunda metade do primeiro século: “... batalhar pela fé que de uma vez por todas foi entregue aos santos” (Jd 1:3). Já em seus dias, um número crescente de falsos mestres — travestidos de cristãos — distorcia o evangelho. Sua exortação tinha o propósito de preservar o ensino evangélico já estabelecido de forma orgânica na comunidade apostólica (Stott, 1995; Bruce, 1982).

Essa preocupação inicial de Judas continuaria a ecoar nos séculos seguintes, especialmente quando movimentos como o gnosticismo, o arianismo e o modalismo ameaçaram a integralidade da fé bíblico cristã. Um dos exemplos mais marcantes desse processo foi o marcionismo, um desvio teológico profundamente sistemático: Marcião rejeitou o Antigo Testamento, rompeu a unidade entre o Deus Criador (Demiurgo — entendido como criador da matéria e da lei) e o Deus Redentor (revelado em Jesus, o Deus da graça e do amor, e portanto totalmente distinto do Demiurgo). Além disso, elaborou um “cânon” próprio, reduzido e distorcido.

Por se tratar de uma ameaça coerente e bem articulada, o marcionismo exigiu da Igreja uma resposta igualmente sistemática. Assim, os primeiros escritores cristãos passaram a formular, ordenar e explicitar de modo mais claro a fé já vivida e confessada historicamente — um processo que contribuiu diretamente para o surgimento dos primeiros credos (Richardson, Creeds in the Making; Kelly, Early Christian Doctrines).

Dessa forma, esse processo confirma que, inicialmente, os credos e as primeiras sínteses doutrinárias não foram criações arbitrárias, mas instrumentos necessários para guardar a verdade e promover a unidade da fé, dentro da moldura estabelecida por Judas em sua epístola, ainda que aqui utilizada de forma anacrônica.

Na esteira do desenvolvimento histórico, as grandes controvérsias cristológicas e trinitárias desembocaram nos grandes concílios eclesiásticos:

Niceia (325) — ratificou a consubstancialidade do Filho com o Pai.

Constantinopla (381) — enfatizou o papel divino do Espírito Santo.

Éfeso (431) e Calcedônia (451) — desenvolveram a doutrina da união hipostática em Cristo.

Certamente, essas formulações e definições doutrinárias, sistematizadas nos diversos credos, expressam uma maturação da fé apostólica. Seus propósitos iniciais foram legítimos, ao buscar preservá-la das interpretações teológicas e filosóficas externas que poderiam obscurecer a revelação bíblica em sua inteireza. Dessa forma, nesse momento histórico, os credos funcionaram como barreiras de proteção, delimitando a identidade cristã e servindo como critério para o ensino, o culto e a vida comunitária.

Entendo ser relevante, nesta introdução geral, discernir os quatro principais termos que se relacionam ao tema que estamos abordando. Cada um deles possui sua própria origem e peculiaridade, mas o propósito é comum: servir de bússola para orientar a Igreja em tudo o que se refere à fé de forma clara e fiel, distinguindo o cristianismo autêntico das inovações, heresias e falsos ensinos contra os quais o Novo Testamento já advertia. Embora distintos em seus objetivos, todos foram elaborados para comunicar doutrinas e conceitos teológicos complexos a pessoas sem formação acadêmica em teologia — em alguns casos, até mesmo a crianças e pessoas não alfabetizadas, como ocorre nos catecismos.

Os quatro termos são: “credos”, “confissões,” “catecismos” e “concílios”.

Credos – A palavra credo, do latim credo (“eu creio”), indica as primeiras formulações que sintetizam os principais artigos da fé cristã e que foram recebidas como autoritativas pela Igreja (Kelly, 1958). Não se trata apenas de enunciados formais, mas de expressões da fé transmitida “de uma vez por todas aos santos” (Stott, 1995), reafirmando-a quando questionada.

Embora não haja credos completos nas Escrituras, é possível encontrar declarações confessionais embrionárias. No Antigo Testamento, destaca-se o Shema: “Ouve, ó Israel: o Senhor nosso Deus é o único Senhor” (Dt 6:4). No Novo Testamento surgem fórmulas como “Jesus é Senhor” (1Co 12:3) e a fórmula batismal trinitária (Mt 28:19). Paulo, em 1Co 15:3–7, escreve ou transcreve o que muitos consideram um credo primitivo.

Confissões – As confissões de fé representam o desenvolvimento histórico e teológico dos credos, ampliando sua função inicial de síntese doutrinária e de material catequético. Cada segmento protestante buscou articular sistematicamente sua compreensão das Escrituras. Destacam-se a Confissão de Augsburgo (1530), a Confissão Belga (1561), os Trinta e Nove Artigos (1563) e a Confissão de Westminster (1647).

Catecismos – Os catecismos (katēchismos, do grego) significam “instruir oralmente”, “ensinar pela repetição” e “memorização”. Após a sistematização dos credos e confissões, passaram a ser instrumentos didático pedagógicos. Exemplos clássicos incluem o Catecismo de Heidelberg (1563) e o Catecismo de Westminster (1647).

Concílios – Os concílios eclesiásticos compõem parte essencial desse arco de elaboração e sistematização doutrinária. A partir do século IV, especialmente após Niceia (325), os concílios ecumênicos assumiram papel determinante na formulação da ortodoxia³. Apenas os quatro primeiros são universalmente reconhecidos como ecumênicos: Niceia (325), Constantinopla (381), Éfeso (431) e Calcedônia (451). Tais concílios eram convocados pelo imperador, e não por figuras eclesiásticas como o papa.

Conclusão

Em resumo, os credos cristãos foram criados como instrumentos necessários para preservar a integridade da fé apostólica e promover a unidade da Igreja. Eles surgiram inicialmente como resposta às heresias e desvios teológicos que ameaçavam a identidade cristã, e foram formulados para comunicar a doutrina bíblica de forma clara e fiel. Os credos, confissões, catecismos e concílios são expressões da maturação da fé apostólica e continuam a ser relevantes para a Igreja hoje, servindo como bússola para orientar a fé e a prática cristã.

Mas como todo remédio esse também produziu seus efeitos colaterais - o enrijecimento da ortodoxia doutrinária, especialmente após os séculos XVII e XVIII. Ao transformar a fé em um sistema teológico rígido e excessivamente normativo, produziu-se uma vida cristã desconectada da realidade concreta e ancorada mais em fórmulas abstratas do que em uma vivência autêntica com Cristo. A ortodoxia, que deveria servir como bússola para orientar a Igreja, em alguns contextos passou a funcionar como um muro, separando a experiência comunitária e espiritual da prática cotidiana da fé. Esse alerta histórico evidencia que a fidelidade doutrinária não pode ser reduzida a esquemas intelectuais, mas deve permanecer enraizada na comunhão viva com Cristo, capaz de dialogar com os desafios de cada tempo sem perder sua essência.

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Referências Bibliográficas

BRUCE, F. F. The Canon of Scripture. Downers Grove: InterVarsity Press, 1982.

DENNISON, James T. Dennison, Jr. (org.). Reformed Confessions of the 16th and 17th Centuries in English Translation – 1523-1552 (Grand Rapids, Reformation Heritage Books, 2008), vol. 1, págs. 40-42

GONZALEZ, Justo L. Historia del pensamiento cristiano. Buenos Aires: Methopress, 1965 [v. 1]; La Aurora, 1972 [v. 2]. 2 v. (Biblioteca de Estudios Teologicos).

KELLY, J. N. D. Early Christian Doctrines. London: Adam & Charles Black, 1958.

PACKER, J. I. Upholding the Unity of Scripture Today. Journal of the Evangelical Theological Society, v. 25, n. 4, p. 409-414, 1982.

RICHARDSON, Cyril C. Creeds in the Making: A Short Introduction to the History of Christian Doctrine. London: SCM Press, 1963.

STOTT, John R. W. A fé cristã diante dos desafios contemporâneos. São Paulo: ABU Editora, 1995.

TILLICH, Paul. História do pensamento cristão. Trad. de Jaci C. Maraschin. São Paulo: ASTE, 1988.

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