Durante o século XVI, o analfabetismo era uma realidade comum em
grande parte da Europa, inclusive em centros urbanos como Genebra. Embora a
Reforma Protestante tenha incentivado a leitura da Bíblia e promovido avanços
na educação, muitos ainda não tinham acesso à instrução formal. Consciente
desse cenário, João Calvino adotou estratégias pedagógicas para tornar a
doutrina cristã reformada mais acessível. Entre essas iniciativas, elaborou o Catecismo de
Genebra, uma síntese dos pontos essenciais da teologia reformada,
anteriormente desenvolvidos de forma mais abrangente em sua obra seminal, as Institutas da
Religião Cristã. 
Em sua primeira versão o catecismo elaborado por João Calvino em
Genebra, por volta de 1537, recebeu o título “Instrução na Fé”, evidenciando
seu caráter introdutório e pedagógico. No entanto, em 1542, Calvino revisou e ampliou
esse material, dando origem ao “Catecismo da Igreja de Genebra” com um subtítulo
ampliado [um plano para instruir as crianças na doutrina de Cristo]. Não se
trata apenas de uma mudança editorial ou acadêmica, mas o indicativo de uma mudança de escopo e função, conforme
abaixo:
·       
Ao incluir “da Igreja de Genebra”, estava
indicando que não era apenas uma obra pessoal dele, mas um documento oficial da
igreja reformada genebrina.
·       
Ao complementar o título com a expressão “um
plano para instruir as crianças” revela seu objetivo educacional de formar uma
geração enraizada na fé reformada, desde a infância.
·       Apesar
de mais longo (373 questões) o formato de perguntas e respostas permitia
uma linguagem mais acessível e estruturada na forma dialogal, facilitando o
ensino oral e a memorização.
A principal intenção de Calvino, ao elaborar este catecismo e suas
demais obras, era recuperar os fundamentos bíblicos do Cristianismo em Genebra,
reafirmá-lo como expressão de Fé, recriá-lo como estilo de Vida e
restabelecê-lo como comunidade de Igreja. Por isso, este catecismo constitui
uma chave preciosa para a compreensão da fé protestante primitiva em geral e do
pensamento de Calvino em particular. Essa chave nos permite, ainda hoje,
penetrar no núcleo inicial da teologia reformada e contemplar sua beleza
simples e seu grande poder.
Essa obra, embora breve em extensão, é profunda em conteúdo:
condensa verdades bíblicas essenciais com precisão e acessibilidade. Philip
Schaff, em History of the Christian Church (vol. 8), observa: “O catecismo
de Calvino é um modelo de simplicidade e precisão doutrinária. Suas perguntas
curtas e respostas diretas tornaram-no um instrumento poderoso de instrução
popular, superando em clareza muitos catecismos medievais”. Já B. B.
Warfield, em Calvin and Calvinism, destaca: “Em poucas páginas, Calvino
condensou o essencial da fé reformada com uma lógica que instrui a mente e
aquece o coração”. Herman J. Selderhuis, em John Calvin: A Pilgrim’s Life,
complementa: “O catecismo não era apenas um manual escolar, mas uma
ferramenta pastoral, usado nas escolas e cultos de Genebra para formar uma
geração que soubesse o que cria e por quê”.
Infelizmente, a prática salutar da memorização de catecismos
praticamente desapareceu da dinâmica das igrejas oriundas da herança reformada.
Creio ser esta uma das razões pelas quais seus membros — principalmente
crianças e jovens — possuem uma fé superficial, carente de conteúdo
substancial. Raríssimos são os que estão capacitados a responder com convicção
sobre a razão da fé que lhes foi transmitida como legado reformado. Essa
subnutrição bíblico-teológica gerou uma geração com baixíssima imunidade espiritual,
facilmente contaminada pelas inúmeras ideologias anticristãs e antibíblicas que
se multiplicam nestes últimos tempos. Recuperar o catecismo não é saudosismo —
é estratégia de formação para uma fé com raiz profunda, fruto visível e
resistência duradoura.
Considerando o formato deste blog, torna-se pouco viável tratar
todas as questões propostas pelo teólogo de Genebra em um único artigo. Por
isso, esta série se propõe a explorar, na medida do possível, cada pergunta do
catecismo de forma individual, acompanhada de comentários que buscam iluminar
seu significado e destacar sua relevância para os nossos dias. Que este
trabalho seja guiado pelo Espírito Santo, com o propósito de instruir, edificar
e fortalecer os leitores em uma fé solidamente enraizada na Escritura.
I. Fé
1. Qual é o principal objetivo da vida humana?
Conhecer a
Deus.
O principal objetivo da vida humana, segundo João Calvino, é
conhecer a Deus — uma verdade que fundamenta todo o seu pensamento teológico,
desde o Catecismo de Genebra, as suas Institutas da Religião Cristã,
perpassando por seus comentários dos livros da bíblia.
Ele inicia seu Catecismo de Genebra com uma afirmação profunda e
direta: o ser humano existe para conhecer seu Criador. Calvino não começa com
moralidade, religião ou comportamento — ele começa com relacionamento e revelação.
Esse conhecimento não é meramente intelectual, mas relacional,
reverente e transformador. Conhecer a Deus é viver diante Dele, em fé,
obediência e adoração.
Esta pergunta está conectada diretamente com suas Institutas da
Religião Cristã, onde em seu primeiro capítulo ele declara sem subterfugio:
“Quase toda a soma de nossa sabedoria, que deve ser tida como verdadeira e
sólida sabedoria, consiste em duas partes: o conhecimento de Deus e o conhecimento de
nós mesmos.”
Para Calvin não há genuíno conhecimento humano, sem um genuíno
conhecimento de Deus. Para ele o ser humano só entende sua real condição — sua
fraqueza, pecado e necessidade de redenção — à luz da santidade e majestade de
Deus. É perfeitamente possível traçar uma analogia entre o pensamento de João
Calvino sobre o conhecimento de Deus e a famosa cena das pílulas vermelha e
azul do filme Matrix. No filme, tomar a pílula vermelha significa
despertar para a verdade, abandonar a ilusão e enxergar o mundo como ele
realmente é — por mais desconfortável que seja. Para Calvino, conhecer a Deus é
esse momento de ruptura. É quando o ser humano deixa de viver na ilusão de sua
autossuficiência e passa a enxergar sua verdadeira condição: caído, dependente,
necessitado de redenção. Ele declara: “O homem [ser humano] nunca chega ao
conhecimento verdadeiro de si mesmo, até que tenha contemplado a face de Deus.”
— Institutas, I.1.2.
Por outro lado, a pílula azul representa a escolha de continuar na
ignorância confortável, dentro de uma realidade fabricada e ilusória. Sem o
genuíno conhecimento de Deus, o ser humano vive alienado de sua verdadeira natureza,
acreditando que pode se justificar por si mesmo, que é moralmente autônomo, ou
que não precisa de redenção. Para Calvino essa é a condição natural do ser
humano sem a revelação divina — cego para sua própria miséria espiritual.
Conhecer a Deus é mais do que saber sobre Ele — é enxergar a
realidade com clareza, inclusive sobre si mesmo. Esse conhecimento não se
limita a informações teológicas ou doutrinárias; trata-se de uma revelação que
transforma a maneira como vemos o mundo, os outros e a nós mesmos. A revelação
de Deus, embora desconfortável por expor nossa fraqueza, pecado e necessidade
de redenção, é profundamente libertadora, pois nos conduz à verdade que salva.
É nesse encontro com a santidade e majestade divina que nasce o verdadeiro
conhecimento humano — um saber que começa com humildade, reconhecendo que só à
luz de Deus podemos compreender quem realmente somos.
E Calvino conclui seu pensamento teológico: “O fim principal da
vida humana é que sejamos dedicados à glória de Deus.” Ou seja, conhecer a Deus é
inseparável de glorificá-Lo. Somente o conhecimento verdadeiro leva à
adoração verdadeira.
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livre desde que citando a fonteGuedes,
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em Ciências da Religião.Universidade
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Referências Bibliográficas
CALVINO, João. Catecismo da
Igreja de Genebra: um plano para instruir as crianças na doutrina de Cristo. Genebra, 1542.
CALVINO, João. Institutas da Religião Cristã.
Trad. de Odair Olivetti. São Paulo: Cultura Cristã, 2006. 2 v.
HESSELINK, I. John. Calvin’s First Catechism: A Commentary. Featuring Ford Lewis Battles’s translation of the 1538 Catechism. Louisville, KY: Westminster John Knox Press, 1997. (Columbia Series in Reformed Theology).
SCHAFF, Philip. History of the Christian Church. v. 8: Modern Christianity: The Swiss Reformation. New York: Charles Scribner’s Sons, 1893. Disponível em: Internet Archive. Acesso em: 3 nov. 2025.
SELDERHUIS, Herman J. John
Calvin: A Pilgrim’s Life. Downers Grove, IL: IVP Academic, 2009. Disponível
em: Archive.org. Acesso em: 3 nov. 2025.
WARFIELD, Benjamin B. Calvin and Calvinism. New York: Oxford University Press, 1931. Disponível em: Monergism. Acesso em: 3 nov. 2025.
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