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segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

Protestantismo no Brasil: Características da Igreja Americana no Século XIX


A grande maioria dos missionários protestantes que atuaram no Brasil veio dos Estados Unidos da América, país preponderantemente protestante. Quais as características da igreja americana no século XIX, especialmente na segunda metade?
v  A separação de igreja e estado convivia com uma religião civil. A própria diversidade confessional nas treze colônias fez com que estas, ao se confederaram após a Revolução (1775-83), se recu­sassem a estabelecer uma igreja oficial. De fato, a primeira emenda à Constituição reza: “O Congresso não fará nenhuma lei com referência a um estabelecimento de religião nem proibindo seu livre exercício." Esta separação legal, porém, não excluiu o “estabelecimento” de uma religião civil, cujas evidências são numerosas: o lema In God we trust (Confiamos em Deus) na moeda; o capelão do Senado Federal, que diariamente dirige orações ao Deus dos cristãos, quando o Senado se encontra reunido; os capelães das forças armadas, que são os seus oficiais e por elas são sustentados; os templos e outras propriedades religiosas isentos de impostos, e assim por diante.
Mais importante ainda é o fato do que o estabelecimento civil se estriba na autoimagem religiosa do povo americano. Como Deus, por Moisés, libertou os israelitas da escravidão no Egito, pela travessia maravilhosa do Mar Vermelho, os puritanos se libertaram da opressão dos soberanos ingleses Tiago I e Carlos I, atravessando o Atlântico no pequeno navio Mayflower. Deus estabelecera seu pacto com o povo liberto, no Sinai; paralelamente, os puritanos, antes de pôr os pés em terra seca na América, firmaram o Mayflower Compact. Explicitaram que haviam encetado sua viagem de colonização “para a glória de Deus, avanço da fé cristã e honra do nosso rei e país... solene o mutuamente, na presença de Deus, e cada um na presença dos demais, compactuamos e nos combinamos em um corpo político civil.” Finalmente, como Josué havia conquistado a terra da promissão, os ameri­canos viam como seu “destino manifesto” conquistar o continente de Oceano a Oceano, espalhando os benefícios de uma civilização repu­blicana e protestante por toda a parte. Assim, os americanos do norte observaram, jubilosos, o início do processo da libertação da América Latina, com a revolução liderada por José San Martin, no Sul, e por Simón Bolívar, no Norte, que resultou na criação de repúblicas em lugar das velhas colônias espanholas. Ficaram menos entusiasmados com a independência do Brasil, pois lhes parecia apenas “meia-revolução” porque o país permanecia império e não república.
Logo que possível, após o processo da libertação, começaram a chegar os primeiros missionários norte-americanos à América Latina. Não apenas trouxeram, como parte da bagagem cultural, a religião civil, mas esta forneceu uma parcela considerável da motivação missionária, a de fazer com que os menos afortunados compartilhassem dos benefícios da civilização protestante-bíblica-americana.
v  A estrutura denominacional da Igreja Americana. É  pressuposição do presente livro que a célebre tipologia de Ernst Troeltsch [1] de “igreja” e “seita” muito pouco ajuda a compreender a estrutura eclesiástica norte-americana, a qual era (e é) essencialmente denominacional. Os estudiosos da religião norte-americana, ao analisarem sua estrutura, detectaram diversas características essenciais que mencionamos a seguir. Robert Baird detectou, nos idos de 1844, o principio do voluntarismo. Este, sugeriu Baird, despertava nos norte americanos “energia”, autoconfiança e esforço na causa da religião.”11 Este princípio, mais do que adequado ao desestabelecimento da Igreja na América (após a Revolução) e à rápida expansão do país, tornou evidente o gênio da livre empresa do povo anglo-saxônico e da religião americana, e ainda da disposição dos americanos para fazer funciona a liberdade religiosa em prol do Reino de Deus.
v  A denominação também se caracteriza por propósito ou intenção. Sidney E. Mead define a denominação como uma associação voluntária de indivíduos com sentimentos e pensamentos em comum, unidos na base de crenças comuns para o propósito de alcançar objetivos tan­gíveis e definidos. Um dos objetivos primários é a propagação do seu ponto de vista. Frequentemente, a denominação via o seu pro­pósito, a razão da própria existência, como divino. Por exemplo, na conferência constituinte da Igreja Metodista Episcopal (1784), a deno­minação declarou entender que Deus levantara os metodistas para “reformar o continente, e espalhar a santidade bíblica por estas terras.”
v  Em terceiro lugar, no entender de Winthrop Hudson, a denomi­nação pretendia ser unitiva ou ecumênica, concepções diametralmente opostas à de seita.
A palavra “denominação” sugere que o grupo referido é apenas membro de um grupo maior, chamado ou denominado por um nome particular. A afirmação básica da teoria denominacional da igreja é que a igreja verdadeira não deve ser identificada em nenhum senso exclusivo com qualquer instituição eclesiástica particular... Nenhuma denominação afirma representar toda a igreja de Cristo. Nenhuma denominação afirma que todas as outras igrejas são falsas... Nenhuma denominação insiste que a totalidade da sociedade e igreja deve submeter-se aos seus regulamentos eclesiásticos. Assim, a denominação indicava a unidade subjacente à desunião observável (a existência das próprias denominações), enquanto, pelo princípio voluntário, repudiava a união exterior imposta por meio de coerção. Aliás, ela reconhecia que, por causa da fragilidade humana, nenhuma instituição humana poderia refletir perfeitamente a essencial unidade da verdadeira Igreja de Cristo. “O denominacionalismo era testemunha da verdadeira igreja por indicar, além das divisões das estruturas humanas da igreja, a unidade compartilhada por todas.”
v  Em quarto lugar, a denominação era um meio para um fim: “A denominação era instrumental à cristianização da sociedade — à cristianização da nova República e também do mundo.” Não raro, o serviço da missão comum se expressava em esforço comum como, por exemplo, no “império benevolente” — a vasta rede de organizações voluntárias como as Sociedades Bíblicas, as de tratados [outras literaturas evangelísticas], as de reforma social (sociedades contra o duelo, contra a escravidão, contra a profanação do domingo, etc.) e mesmo sociedades missionárias adenominacionais. Outras vezes, consoante a própria sociedade norte-americana, surgiram competições entre as denominações.
Após um sucinto resumo dos pontos acima mencionados, Richey acrescenta: “A denominação era então uma estrutura missionária e por intenção nacional nas aspirações.” O aspecto missionário, que Richey entendeu ser inato no sentido da denominação, não se esgotou, é claro, na América do Norte, pois as principais confissões enviaram missões ao estrangeiro, muitas das quais se estabeleceram no Brasil
Não ofereceram nenhum produto rotulado “denominacionalismo" e nem “cristianismo norte-americano,” mas vieram como emissárias da Igreja Presbiteriana, Metodista, Batista ou outra denominação, e tra­zendo a bagagem acima descrita. Seu propósito central era levar outras a compartilharem os benefícios da Bíblia, da reforma e da civilização cristã; mas não puderam esquecer-se das ênfases peculiares e, como entendiam, das vantagens que a sua denominação particular oferecia.
O alvo comum propiciou larga faixa de cooperação, da qual segue-se um exemplo. Os primeiros dois missionários da Igreja Pro­testante Episcopal no Brasil foram James Watson Morris e Lucien Leu Kinsolving, este posteriormente bispo no Brasil. 1) Os dois foram morar na residência do Rev. Benedito Ferraz, ministro presbiteriano, em Cruzeiro, província de São Paulo, para ali aprender o português. 2) Quando se julgaram aptos para comunicar o evangelho aos brasi­leiros na sua própria língua, escolheram o Rio Grande do Sul, propositadamente buscando um campo pouco “ocupado” por outras denominações que trabalhavam no meio brasileiro. 3) Descobriram que mesmo nessa Província havia uma pequena congregação presbiteriana, na cidade do Rio Grande. O pastor desta, o ministro presbiteriano Emanuel Vanorden, resolveu passar sua congregação inteira, de trinta membros, aos episcopais! Claro que ilustrações contrárias não faltam, como o caso do metodista Justus Nelson, em Belém do Pará, que, irritado com o monopólio calvinista na hinologia, representado por Salmos e Hinos, resolveu beneficiar os brasileiros com os hinos arminianos dos irmãos Wesley.
Copilado: História Documental do Protestantismo no Brasil [REILY, Duncan Alexander].

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Reflexão Bíblica
http://reflexaobiblica.spaceblog.com.br/


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Referências Bibliográficas
CARLA VIVIANE PAULINO. A Etnologia norte-americana e o ideal de progresso: representações sobre o Brasil e os brasileiros nos escritos de Thomas Ewbank (1846). Revista Eletrônica da ANPHLAC - Associação Nacional de Pesquisadores e Professores de História das Américas: N. 21, Jul./Dez. de 2016.
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GUEDES, Ivan Pereira. O protestantismo na cidade de São Paulo – presbiterianismo: primórdios e desenvolvimento do presbiterianismo. Alemanha: Ed. Novas Edições Acadêmicas, 2013.
KIDDER, D. P. e FLETCHER, J. C. O Brasil e os brasileiros – esboço histórico e descritivo, v. 1.Brasiliana – Biblioteca Pedagógica Brasileira. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1941 [Tradução da 7ª. edição em inglês - Elias Dolianiti e Revisão e Notas de Edgard Sussekind de Mendonça].
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MATOS, Alderi Souza de. Os pioneiros presbiterianos do Brasil. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2004.
______________________ Uma Igreja Peregrina – história da Igreja presbiteriana do Brasil de 1959 a 2009. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2009.
MENDONÇA, Antônio G. e VELÁSQUEZ FILHO, Prócoro. Introdução ao Protestantismo no BrasilSão Paulo; Ed. Loyola, 2002 [1990].
READ, William R. Fermento religioso nas massas do Brasil. São Bernardo Campo (SP): Imprensa Metodista, 1967.
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VIEIRA, David Gueiros. O protestantismo, a maçonaria e a questão religiosa no Brasil. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1980.





[1] Ernst Troeltsch foi um escritor e teólogo alemão que ao lado de Max Weber elaborou alguns conceitos relacionados à religião. 

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