Assim como o Rev. Ashbel Green Simonton e seus
colegas pioneiros utilizaram os meios de comunicação disponíveis de sua época
para comunicar a mensagem protestante evangélica, fazendo uso dos jornais,
revistas e outros impressos, nos primórdios do presbiterianismo brasileiro,[1]
o Rev. José Borges dos Santos Junior foi um dos pioneiros na utilização do
rádio[2]
como instrumento de divulgação desta mesma mensagem.
A partir de 1954 até 1980, praticamente
em seus últimos anos de vida, ele manteve atividades radiofônicas com diversos
programas em algumas das mais importantes rádios de São Paulo, e que eram
retransmitidos para inúmeras outras rádios alcançando as mais remotas cidades e
vilarejos do território brasileiro, como pode ser visto através de seus
Relatórios Pastorais. O próprio Rev. Olivetti (2000, p. 66) oferece seu
testemunho pessoal sobre o alcance e impacto destas mensagens radiofônicas do
Rev. Borges:
O
autor deste livro teve ocasião de ouvir várias vezes o programa da noite em
Ponta d’Areia, distrito de Caravelas, Bahia, Congregação pertencente a Nanuque,
MG, onde residia, sendo ele então licenciado ao ministério. Ele não possuía
aparelho de rádio naquele tempo. Era uma sensação muito agradável ouvir tão
longe da Unida [Helvétia] o pregador que não muito tempo antes eu ouvira “ao
vivo” em S. Paulo e noutras localidades.
Mas seu interesse e posterior entusiasmo e
permanente envolvimento com este importante meio de comunicação de massa, que
na época referida era o que se tinha de mais importante a nível nacional,
inicia-se com a chegada ao Brasil do Centro
Áudio Visual Evangélico (CAVE)[3]
em meados de 1951,[4]
através dos esforços de um missionário presbiteriano norte americano, o
reverendo Robert Leonard McIntire,[5]
e um jovem pastor brasileiro recém-formado, o reverendo Celso Wolf, então responsável
pela parte de mídias visuais, e por atuarem nesta área ganharam a alcunha carinhosa
de "Rev. Áudio" e "Rev. Visual.[6]
Os objetivos, definidos em seus estatutos, eram: “produzir material audiovisual para a obra de evangelização e educação
religiosa das igrejas evangélicas; promover a distribuição desse material e
exercer as funções de publicidade para as organizações evangélicas” (REVISTA
MOSAICO, n° 47, 2010).
O Rev. Borges não perde tempo e tomando
conhecimento de que o CAVE procura um lugar para iniciar suas atividades
oferece imediatamente uma sala na Alameda Jaú, onde estava iniciando as
atividades do que veria a ser a Igreja Presbiteriana Jardim das Oliveiras (IPJO),
para que eles montassem seu estúdio de gravações de rádio e o escritório e em
seu relatório de 1951 constam duas reuniões relacionadas ao “Áudio Visual.” [7]
O CAVE é originalmente um trabalho
presbiteriano, mas a IPB, apesar de tomar conhecimento das suas atividades
desde 1952 (DIGESTO, CE-52B-012), e mesmo reconhecendo em diversas ocasiões a
importância das atividades por ela desenvolvida nos setores da educação cristã
e principalmente na evangelização (DIGESTO, SC-54-102; CE-53-018; SC-54-102)
com sua morosidade costumeira em tomar decisões, vai assumir efetivamente sua
participação oficial no CAVE somente em 1957, pela iniciativa direta do Rev.
Borges, então Presidente do SC: “Quanto à parte do relatório do Presidente do
SC comunicando haver efetivado a filiação da IPB ao Centro Áudio (Visual
Evangélico CAVE), a CE-SC/IPB resolve
homologar, [...]”, não sem uma ressalva quanto a iniciativa do seu
presidente: “[...] registrando que o
estudo da matéria deveria ter subido a esta CE-SC/IPB, determinando ao
nosso representante que promova a reforma dos estatutos nos pontos assinalados
pelo Rev. Dr. Benjamin Moraes”. (DIGESTO, CE-57-036 – Itálico meu). Nesta mesma
reunião da CE o Rev. Borges é eleito representante
da IPB junto ao CAVE (DIGESTO, CE-57-039 – Itálico meu).
Diante do envolvimento pessoal de Borges com
esta questão e na comprovação incontestável da importância e resultados obtidos
pela utilização dos meios de comunicação audiovisuais nas mais diversas
atividades da igreja e seus campos missionários, a IPB resolve criar uma
Secretaria de Comunicação: “Quanto ao relatório da CE-SC/IPB, na parte que
trata do plano referente à rádio -
evangelismo, o SC resolve criar uma secretaria de radiodifusão e comunicar o fato à Missão do Norte do Brasil pedindo-lhe que permita ao Secretário usar os serviços do seu técnico de rádio, Sr. Bill Brandt da comunicação” (DIGESTO, SC-54-101- Itálico meu).
evangelismo, o SC resolve criar uma secretaria de radiodifusão e comunicar o fato à Missão do Norte do Brasil pedindo-lhe que permita ao Secretário usar os serviços do seu técnico de rádio, Sr. Bill Brandt da comunicação” (DIGESTO, SC-54-101- Itálico meu).
Em
relação às comemorações do Centenário da IPB, da qual Borges era o Presidente
da Comissão Presbiteriana Unida do Centenário, há uma recomendação explicita
para que se utilizem todos os meios possíveis de divulgação dos eventos
programados, inclusive o rádio:
[...]
4) recomendar às Igrejas e aos pastores, em todo o território nacional, que
veiculem todas as informações relacionadas com a celebração do centenário do
presbiterianismo brasileiro; que intensifiquem as reuniões de oração afim de
que as igrejas ofereçam ambiente propício à obra de avivamento e expansão do
Reino de Cristo em nossa Pátria; que acentuem o trabalho de evangelização,
devendo ser empregados o púlpito, a imprensa e o rádio, sempre que as circunstâncias o permitirem; [...]”
(DIGESTO, SC-54-047 – Itálico meu).
E ele mesmo dá o exemplo e no seu Relatório
Pastoral de 1954 registra: “Como contribuição da Igreja Unida [IPUSP] para as
comemorações do IV Centenário da cidade
de São Paulo, iniciei e mantive durante o ano um trabalho de evangelização
pelo rádio, com um programa diário de cinco minutos e um programa dominical de
quinze minutos. Mantive, a partir de agosto, um programa de meditações diárias
pela Rádio 9 de Julho.” [Itálico meu][8]
Apesar da aparente brevidade do tempo,[9]
na Rádio Tupí o primeiro de apenas
cinco minutos (Meditações Matinais – 317 programas) e o segundo, dominical de
apenas dez minutos (Meditações Dominicais – 46 programas), e na Rádio 9 de Julho (Meditações noturnas – [132]
e Meditações Matinais – [54]) suas mensagens alcançavam grande audiência e um
público amplo e diversificado.
Em 1956 ele amplia sua participação no rádio em
mais dois programas: “Pelos Caminhos da Vida” na Rádio Difusora de São Paulo e para a “Voz do Santuário”[10]
que também eram retransmitidos por outras rádios: Alfenas (Minas); Joaçaba
(Santa Catarina); Goiânia (Goiás); Recife (Pernambuco); todos eram programas
diários. (Relatório Pastoral). Em 1957 o programa a “Voz do Santuário” alcança
mais uma cidade – Nepomuceno e um novo programa “Suave Convite” é transmitido para as cidades de Joaçaba,
Cuiabá, Florianópolis e Lavras. Em 1958 ele participa dos seguintes programas:
Meditações Matinais, A Hora Presbiteriana (retransmitida em 15 estações)[11],
Voz do Santuário (04 estações), Suave Convite (04 estações). Os demais
Relatórios continuam demonstrando o mesmo empenho e disposição de comunicar a
mensagem evangélica através deste importante meio de comunicação de massa.
Seus programas eram interativos, pois através
de cartas recebidas e com base nas dúvidas ou perguntas de seus ouvintes, que
em muitas ocasiões eram citados nominalmente, ele elaborava suas mensagens, com
um conteúdo bíblico coerente e profundo, mas também permeado por seu vasto
conhecimento cultural, que lhe permitia oferecer não apenas uma reflexão para
um segmento específico evangélico protestante, mas também proporcionava a todos
os demais ouvintes, dos mais simples aos mais intelectualizados, a oportunidade
de uma mensagem de boa qualidade.
Sendo ele uma pessoa sempre
contemporânea aproveitava todos os acontecimentos mediáticos para deles
comunicar sua mensagem cristão-evangélica, de maneira que seus ouvintes não eram
alienados do cotidiano, mas ao contrário, podia fazer tranquilamente o link da
mensagem ouvida com a sua própria realidade cotidiana.
Quero inserir aqui dois
acontecimentos interessantes relacionados à atuação de Borges no rádio. O primeiro é que a Rádio Bandeirantes certa
vez tentou tirar o programa de sua grade, mas a rápida intervenção de Amador Aguiar,
que ordenou a suspensão imediata de toda a publicidade do grupo Bradesco na Rede
Bandeirantes, fez com que a emissora suspendesse a decisão tomada, de maneira
que o “programa do rev. Borges”, como era conhecido, continuou a ser
transmitido às 6h55, antes dos noticiários matinais daquela emissora, até o
envelhecimento e morte de seu apresentador e de seu protetor (CAMPOS, 2004)[12];
o segundo destaque é que em 1974
quando Borges esteve impossibilitado de gravar, por estar com hepatite, ditou
as mensagens e enviou ao radialista José Paulo de Andrade, que as\transmitia
todas as manhãs pela Rádio Bandeirantes.(Relatório Pastoral).
Muito ainda poderia ser colocado
aqui a respeito deste amplo ministério radiofônico desenvolvido por Borges ao
longo de mais de duas décadas, mas o espaço desta pesquisa é limitado.[13]
Mas creio que as palavras transcritas por Castro, de uma homenagem feita a
Borges, oito meses após o encerramento de seu último programa (novembro de 1980),
revela um pouco do impacto que seus programas tiveram na vida de seus ouvintes:
[...]
No meio de todos esses astros, temos um ser tão luminoso que há dezenas de anos
vem orientando o caminho a milhares de pessoas que as vezes se perdem, devido
talvez à incompreensão humana, que quase sempre tem suas falhas hereditárias.
Este iluminado Comunicador, que todas as manhãs enchia-nos de esperanças para
começarmos o nosso trabalho, já não pode nos oferecer essas mensagens, ao
iniciarmos o nosso dia de trabalho. A este ser humano que é o REVERENDO BORGES,
as humildes, mas sinceras homenagens dos Artistas, do Povo e das Autoridades de
Embu. (2011, p. 101)
Referências Bibliográficas
BELLOTTI. Karina Kosicki. Entre a cruz e a cultura pop: mídia
evangélica no Brasil. IN: LEONEL, João. Novas perspectivas sobre o protestantismo brasileiro. São Paulo: Fonte Editorial/Paulinas, 2009.
FAJARDO,
Alexander. A atuação dos evangélicos no
rádio brasileiro – origem e expansão. Dissertação (Mestrado em Ciências da
Religião) Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2011.
OLIVETTI, Odair. Igreja Presbiteriana de São Paulo (1900-2000) – na esteira dos passos
de Deus. São Paulo: IPUSP/Editora Cultura Cristã, 2000.
[1] “No Brasil, junto com os
missionários americanos chegaram os jornais. Uma das primeiras providências do
missionário presbiteriano Ashbel G. Simonton foi fundar, em 1865, o jornal semanal Imprensa
Evangélica, e os metodistas, no final do século, o Cathólico Metodista,
que depois muda de nome para O Expositor Cristão. A distribuição de
livros entre os protestantes foi tão intensa que, no final do século XIX, já circulavam
no Brasil jornais dos presbiterianos, batistas, metodistas e de outros grupos
religiosos”. (CAMPOS, REVISTA USP, 2004). A própria
Reforma Protestante do século XVI é devedora à invenção da imprensa, que foi o
instrumento para divulgação de suas ideias e propostas reformistas.
[2] Bellotti
destaca: “Introduzido no Brasil em 1922, o rádio foi o primeiro veículo de
massas a predominar em nosso país no século XX, fazendo parte do cotidiano
doméstico. Na década de 1950, o rádio era o grande meio de informação e
entretenimento brasileiro, período áureo dos cantores do rádio, as primeiras
grandes celebridades brasileiras de massas, [...]”. E a mesma autora registra o
que pode ser o primeiro programa de rádio evangélico no Brasil: “No Brasil,
registros do jornal presbiteriano O Puritano apontam para o que pode ter sido a
primeira iniciativa evangélica no rádio, datada de 15 de maio de 1938, quando
ocorreu a primeira irradiação do programa “A voz evangélica do Brasil”,
transmitido das 22h00 às 22h30, aos domingos, pela Rádio Transmissora
Brasileira, PRE 2 Rio de Janeiro”. (2010, p. 287)
[3] Segundo
Bellotti (2009) o CAVE teve sua manutenção financeira bancada pelo Radio
Audiovisual Education and Mass Communication Commission Overseas (RAVEMCCO)
este por sua vez era um projeto da National Council of Churches in Christ of
USA (NCCCUSA) que naquela época pós-guerra, estava financiando projetos
audiovisuais em diversos países. Sendo assim “CAVEs” foram abertos no Japão,
Índia, Paquistão, Líbano, México, Coréia do Sul entre outros. (2003, p. 294)
[4] Vários objetos
do CAVE já podem ser vistos em exposição no museu histórico do Centro de
Memória [Metodista]: saudosas máquinas de escrever, jurássico mimeógrafo,
máquinas fotográficas mecânicas, projetores de slides, filmadoras.... essas
peças lembram que o CAVE, nascido em 1951, atuou por 20 anos na produção de
material audiovisual para igrejas evangélicas do país com uma infraestrutura
completa. Teve laboratório fotográfico, estúdios de rádio e TV e até mesmo seu
próprio parque gráfico. (REVISTA MOSAICO, número 47, 2010)
[5] Não confundir
este McIntire com Carl
Mclntire. o fundamentalista norte americano que fundara o Conselho Internacional de
Igrejas Cristãs (CIIC).
[6] Conforme
registrado na revista: “Reporto of the General Secretary of the CAVE, February
28, 1961, p. 1”(Apud BELLOTTI, 2009, p. 295).
[7] A Confederação
Evangélica do Brasil (CEB), da qual Borges fazia parte, apoiaram o CAVE desde o
inicio, inclusive participando do primeiro programa por eles produzido
denominado de “A Voz Evangélica”, custeada pelas igrejas filiadas. Em 1956 ela
se transfere para sede própria na cidade de Campinas, onde permanece até o
encerramento de suas atividades na década de 1970. A causa deste encerramento
esta relacionada conforme Campos a uma série de fatores: “Há denúncias de que naquele período se
chegaram a usar recursos humanos
e materiais do Cave para gravar propagandas encomendadas pelo regime militar. Com a crescente
combinação de
má administração com interferências da política secular e
eclesiástica das igrejas membros e a diminuição de recursos
financeiros norte-americanos,
o projeto encerrou as suas atividades.” (REVISTA USP, 2004).
[8] Em seu
Relatório anterior (1953) ele menciona: “Mantive, durante algum tempo, um
trabalho de evangelização pelo rádio” e depois especifica: “Pregações pelo
rádio: São Paulo (20)”. A partir desta experiência Borges só deixara o rádio em
1980, quando produz seus últimos programas matutinos.
[9] Este formato
não foi por simples questão econômica, visto que os programas eram muito caros,
ou por uma questão aleatória, mas por uma questão de estratégia do CAVE:
“Segundo Garrido Aldama, um dos fundadores de “A Voz dos Andes” e colaborador
do CAVE na década de 1950, cindo minutos diários fariam mais diferença do que
meia hora semanal: [...]” (BELLOTTI, 2010, p. 297).
[10] Em Recife, na
Rádio Clube de Pernambuco, o reverendo João Campos de Oliveira da Igreja
Presbiteriana do Brasil iniciou, em 1956, o programa "Voz do Santuário", que posteriormente veio a se chamar "Meditação do Santuário". O programa
foi um dos mais longevos do meio evangélico tradicional. Permaneceu no ar por
41 anos. Seu encerramento se deve ao fato de seu locutor com idade de quase 80
anos estar com problemas de saúde. Seu falecimento ocorreu em 2004 aos 84
anos25. (FARJADO, 2011, p. 78)
[11] Este programa
foi criado pela Comissão do Centenário da Igreja que seria comemorado em 1959.
Passou a funcionar a Secretaria de Rádio-evangelização da Igreja. [...] A união
da Igreja com o rádio vingou e no ano do centenário o programa estava sendo
transmitido por 38 emissoras em 15 estados e no Distrito Federal. Após o
centenário. Enos Ribeiro de Barros (1959:109) registrou que o programa chegou a
ser irradiado por 47 emissoras em 17 estados e o Distrito Federal. (FAJARDO,
2011, p. 77)
[12] Fajardo
menciona uma informação da Revista Ultimato (ano XIV,n 139. jul/ago 1981, p. 21). Que após 28 anos no ar, o programa "Meditação
Matinal" encerra
em fevereiro de 1981, tendo seu apresentador então 83 anos. (2011, p.
71). Entretanto, em seu relatório referente a 1981 não consta estes programas,
somente no Relatório anterior, 1980, consta a gravação de 84 programas, mas que
somente 38 foram ao ar.
[13] Ainda que
esteja fora do recorte histórico proposto, creio ser importante registrar que o
Rev. Borges foi um dos primeiros lideres protestante (evangélicos) a ser
convidado a participar de Entrevistas e outras atividades em canais de
televisão brasileira o Relatório de 1971 registra entrevistas para Canal 13
(Bandeirantes) e Canal 5 (Globo); em 1972 o IPSE juntamente com outras
confissões religiosas promoveram o Dia de Oração e o Dia de Ação de Graças, com
transmissões simultâneas de rádios e canais de televisão para todo o território
brasileiro.
Tenho um CD com mensagens radiofônicas do Rev. Borges
ResponderExcluirTem como você digitalizar e enviar online?
ExcluirBacana ver nosso trabalho sendo lido e citado. abs Ivan
ResponderExcluirSim, muito bacana mesmo! Agradeço pela citação!
ResponderExcluirSou Eliamar Vidal tenho a honra de divulgar as relíquias dos lps produzidos pelo Cave na rádio Barra fm 106,9 de segunda a sexta das 13 as 14 horas na cidade de Barra de São Francisco ES no programa Cristo é a única esperança
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