Para a grande maioria dos evangélicos brasileiros, o nome Dietrich
Bonhoeffer não apenas soa estranho — por ser alemão — como também não
significa absolutamente nada. Para a minoria que já ouviu falar dele —
abrangendo todos os segmentos protestantes evangélicos — o nome costuma ser
simplesmente ignorado, quando não abertamente hostilizado. Resta, portanto, uma
minoria dentro da minoria que consegue enxergar em Bonhoeffer um modelo e um
convite para pensar e agir para além da caixa eclesiástica ortodoxa,
frequentemente enrijecida por um dogmatismo exacerbado desenvolvido
entre os séculos XVII e XVIII e que, de diferentes maneiras, acabou sendo
perpetuado nos séculos XX e XXI.
Para a grande maioria dos evangélicos brasileiros, o nome Dietrich
Bonhoeffer não apenas soa estranho (por ser alemão), como também não significa
absolutamente nada. Já para a minoria — que inclui todos os segmentos
protestantes evangélicos — o nome é simplesmente ignorado, quando não
hostilizado. Resta, portanto, uma minoria dentro da minoria que consegue ver em
Bonhoeffer um modelo e um estímulo para pensar e agir fora da caixa
eclesiástica ortodoxa, enrijecida pelo dogmatismo exacerbado desenvolvido a partir
dos séculos XVII e XVIII, e que foi implementado e permanece, com toda sua
força, nos séculos XX e XXI.[1]
Embora, em seus primórdios, esse dogmatismo tivesse como intenção
defender a fé bíblico-cristã contra o avanço do ceticismo e do racionalismo —
evocando, de certa forma, a exortação de Judas a “batalhar pela fé que uma
vez foi dada”, com o tempo esse processo histórico solidificou práticas e
mentalidades que se afastaram da vivência cotidiana das pessoas. Assim, muitos
protestantes acabaram se acomodando numa práxis meramente teológica,
dicotomizando-a das práticas concretas da vida diária — trabalho, família,
relacionamentos e a própria experiência real da fé cristã. O importante passou
a ser a teologia correta, e não sua aplicabilidade às demais áreas da
existência humana.
Embora tenha se mantido teologicamente conservador em sua
perspectiva doutrinária, Bonhoeffer compreendia que a práxis teológica é tão
relevante quanto a fides bíblica. Essa ênfase na vivência concreta da fé
levou, posteriormente, a que seu pensamento fosse apropriado por correntes como
o existencialismo e a teologia da libertação. No entanto, tal apropriação é
unilateral e não coerente com o núcleo de seu pensamento teológico, o que
explica, em parte, a rejeição de Bonhoeffer no Brasil por setores evangélicos
de linha reformada, que veem nessas leituras uma distorção de sua fidelidade
bíblica.
Bonhoeffer, embora permanecesse teologicamente conservador em suas
convicções essenciais, compreendia que a práxis da fé é tão relevante
quanto a fides bíblica. Essa sua ênfase na vivência concreta da fé
levou, mais tarde, alguns movimentos — como correntes existencialistas e parte
da teologia da libertação — a tentarem apropriar-se seletivamente de sua obra.
Contudo, tais apropriações são parciais e, muitas vezes, desalinhadas do núcleo
de seu pensamento teológico. Isso ajuda a explicar, em parte, a rejeição a
Bonhoeffer em setores evangélicos brasileiros de orientação reformada, que
percebem nessas leituras uma distorção de sua fidelidade às Escrituras.
Outro aspecto negativo dessa rigidez teológica é que ela se fixou
apenas nos aspectos doutrinários dos grandes reformadores do século XVI,
desconectando-os de todas as suas implicações sociológicas e políticas. Com
isso, transformou o extraordinário movimento reformista em um nicho de uma
dogmática eclesiástica fria, insensível e implacável, onde o que deve ser
combatido é “o outro” — aquele que ousa pensar diferentemente deste ou daquele
ponto teológico — e não o pecado, nem as ações malignas travestidas de
ideologias corruptas e corruptoras, que corroem a justiça e mantêm os
desvalidos e fragilizados em um círculo de miserabilidade sem esperança.
Essa síntese demonstra os motivos pelos quais o teólogo luterano
alemão Dietrich Bonhoeffer (1906–1945) se tornou uma das vozes mais
contundentes e significativas da resistência cristã — não apenas ao terrível e
abominável regime nazista, mas também a toda ideologia dele derivada,
especialmente em seus métodos de esvaziar a justiça de seus princípios
elementares e de desproteger a sociedade, entregando-a aos seus corruptos e
corruptores de plantão.
Preso em abril de 1943 por envolvimento na conspiração contra Adolf
Hitler, Bonhoeffer passou cerca de dois anos na prisão militar de Tegel, em
Berlim, onde escreveu uma série de cartas, poemas e reflexões teológicas que
seriam posteriormente reunidas sob o título Widerstand und Ergebung
(Resistência e Submissão), publicado postumamente em 1951.
A leitura de suas cartas revela uma maturidade teológica e
espiritual que permeia sua crítica à religiosidade institucional e sua busca
por aquilo que chama de uma fé “adulta”, capaz de enfrentar tanto o silêncio de
Deus quanto a brutalidade da história. É nesse contexto que Bonhoeffer afirma:
“chegou o tempo em que devemos falar de Deus não a partir da religião, mas da
vida” (BONHOEFFER, 1971). Com essa declaração — frequentemente mal interpretada
— ele não defende a rejeição da fé cristã nem o abandono da teologia, mas
denuncia formas de religiosidade vazias, formais, incapazes de dialogar com a
realidade concreta do sofrimento humano. Assim, ao formular o conceito etsi
Deus non daretur — viver como se Deus não existisse, no sentido de
assumir responsabilidade ética plena e agir no mundo com maturidade de fé —
Bonhoeffer propõe uma espiritualidade encarnada, comprometida com a justiça e
com a verdade em meio às tensões do século XX, de seus dias, e que perduram no
século XXI dos nossos dias.
Na época de sua publicação, as Cartas da Prisão causaram
impacto imediato entre teólogos, filósofos e pensadores políticos,
especialmente por sua crítica à religião como sistema e por sua defesa
inegociável de uma igreja “que existe para os outros”.[2] A
edição inglesa, Letters and Papers from Prison, editada por Eberhard
Bethge — amigo e discípulo de Bonhoeffer — consolidou sua influência
internacional (BONHOEFFER, 1971).
Nas décadas seguintes, a obra foi objeto de múltiplas
interpretações — ora como testemunho espiritual, ora como manifesto ético. No
Brasil, a tradução Resistência e Submissão (BONHOEFFER, 2003) tornou-se
referência entre teólogos e estudiosos da espiritualidade cristã. A
redescoberta contemporânea de Bonhoeffer, especialmente em contextos de crise
política e ética, reforça sua atualidade. Como destaca Felipe Eduardo Martins dos
Santos, “vida e obra são inseparáveis em Bonhoeffer; suas cartas são expressão
de uma espiritualidade encarnada” (SANTOS, 2014).
Hoje, suas reflexões sobre liberdade, responsabilidade, verdade e
comunidade continuam a inspirar movimentos cristãos, acadêmicos e pensadores
seculares. A publicação da Reader’s Edition em 2015 (BONHOEFFER, 2015)
buscou tornar suas cartas mais acessíveis ao público contemporâneo, reafirmando
seu lugar como um dos pensadores mais relevantes do século XX.
Nos próximos artigos desejo explorar um pouco destas cartas à luz
da nossa própria realidade brasileira, pois entendo que nos aproximamos
rapidamente do contexto vivido por Bonhoeffer na Alemanha nazista.
Utilização
livre desde que citando a fonteGuedes,
Ivan PereiraMestre
em Ciências da Religião.Universidade
Presbiteriana Mackenzieme.ivanguedes@gmail.comOutro
BlogReflexão
BíblicaApoio à
continuidade deste blog
Referências Bibliográficas
BONHOEFFER, Dietrich. Cartas e Papéis da Prisão. Editado por
Eberhard Bethge. Traduzido por Reginald H. Fuller. Londres: SCM Press; Nova
Iorque: Macmillan, 1971.
BONHOEFFER, Dietrich. Cartas e Papéis da Prisão: Edição para
Leitores. Editado por Clifford J. Green. Minneapolis: Fortress Press, 2015.
BONHOEFFER, Dietrich. Resistência e Submissão: cartas e
anotações escritas na prisão. Tradução de Nélio Schneider. São Leopoldo:
Sinodal/EST, 2003.
SANTOS, Felipe Eduardo Martins dos. Vida e obra: chaves hermenêuticas para uma leitura das Cartas
da Prisão de Dietrich Bonhoeffer. Diversidade Religiosa, v. 3, n. 1,
2014. Disponível em: https://periodicos.ufpb.br/index.php/dr/article/download/31154/16691
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[1]
O movimento conhecido como Precisionismo — especialmente entre os
puritanos britânicos e coloniais — surgiu como uma resposta ao dogmatismo
rígido dos séculos XVII e XVIII. Os “precisionistas” enfatizavam não apenas a
ortodoxia doutrinária, mas a necessidade de uma fé cuidadosamente vivida, marcada
por disciplina espiritual, moralidade prática e coerência entre confissão e
comportamento. Em contraste com o mero assentimento intelectual, defendiam que
a verdadeira teologia deveria produzir transformação concreta na vida diária. (ver texto
deste ponto específico em Artigos Relacionados).
[2]
A expressão “uma igreja que existe para os outros” está inserida em sua
perspectiva de que uma igreja, para ser de fato uma comunidade de Cristo, não
vive voltada para si mesma, para sua autopreservação ou para seus interesses
internos, mas que se entrega voluntaria e integralmente ao serviço, ainda que sacrificial
em favor do próximo. Trata-se de um desafio amoroso para que a igreja deixe de
olhar apenas para si e volte suas ações para aqueles que Deus ama. Bonhoeffer
nos lembra que a fé autêntica não se refugia em estruturas ou em discursos de
uma ortodoxia alienante, mas se encarna na vida cotidiana, servindo com
responsabilidade, compaixão e justiça — sobretudo onde há dor, sofrimento e
opressão.

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