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segunda-feira, 8 de dezembro de 2025

Protestantismo Brasileiro e Seu Equívoco de Proposta Educacional (Parte 1)

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Quando lido isoladamente, este tema parece incoerente com a realidade da presença religiosa protestante no Brasil. É possível contar mais de uma dezena de colégios protestantes evangélicos no país, além de diversas universidades reconhecidas nacional e internacionalmente. Por esse prisma, o protestantismo foi um grande sucesso!

Todavia, quando deixamos de olhar pelo microscópio da história e passamos a observar pela luneta histórica, rapidamente percebemos indícios do enorme fracasso em que se constituíram as extraordinárias oportunidades que o protestantismo recebeu em seus primórdios, ao desembarcar, em meados do século XIX, neste país-continente da América do Sul.[1]

A proposta deste artigo é demonstrar a oportunidade recebida e o seu fracasso em utilizá-la em todas as suas possibilidades. Fracassar não é simplesmente deixar de fazer, mas não aproveitar plenamente as oportunidades disponíveis. O apóstolo Paulo, em outro contexto, faz uma declaração que pode ilustrar o que estou tentando expressar: “devemos remir o tempo”. Essa expressão idiomática grega implica aproveitar cada oportunidade que esteja sendo oferecida, em todo o seu potencial. Quando isso não ocorre, há desperdício de tempo e, consequentemente, fracasso em alcançar o objetivo proposto.

No caso paulino, tratava-se de não perder oportunidades de comunicar a mensagem da salvação por meio de Cristo Jesus; no caso deste artigo, trata-se da falta de aproveitamento da oportunidade de estabelecer um ensino de qualidade e excelência, capaz de permear as mentes de gerações de jovens contra ideologias nefastas[2] que viriam a invadir o ensino público e produzir gerações acríticas e facilmente induzidas a toda sorte de vícios e práticas destrutivas, prejudicando uma sociedade que deveria prezar por moral elevada, respeito e honestidade.

Percepção Correta dos Reformadores Sobre a Relevância da Educação  

Uma das primeiras ações dos reformadores do século XVI foi investir tempo, recursos e os melhores elementos humanos na educação de seus membros, principalmente no que tange à formação das crianças e jovens. Abaixo uma suscinta representatividade destas ações por parte de te dois reformadores – Lutero e Calvino e de um dos maiores educadores do século.... Comenius.

Martinho Lutero (1483–1546)

A percepção de Lutero sobre a educação foi decisiva para a superação do modelo elitista medieval: para ele, a instrução deveria ser acessível a todos — não apenas ao clero e à elite governante — a fim de que cada pessoa pudesse ler as Escrituras por si mesma e participar conscientemente da vida cristã e social. Defendendo que “o diabo não quer escolas”, ele via a educação como instrumento de formação espiritual genuína, incentivando a leitura da Bíblia, do catecismo e dos cânticos, estabelecendo assim o princípio da alfabetização universal. Lutero também atribuiu ao governo civil a responsabilidade de manter escolas como serviço público, criando as bases do ensino gratuito e obrigatório, incluindo meninas, então excluídas da instrução formal. Tal visão resultou em avanços significativos: maior alfabetização entre camponeses, o surgimento de um modelo educacional voltado à formação moral e cidadã e a consolidação de uma educação ampla — envolvendo línguas, música e ciências — que servisse à sociedade como um todo.

João Calvino (1509–1564)

A percepção educacional de João Calvino, principal representante da segunda geração da Reforma, levou-o a investir na formação integral de pastores, líderes civis e cidadãos capazes de compreender as Escrituras, administrar a sociedade com discernimento e estruturar famílias coerentes com os princípios de uma fé solidamente bíblica. Para ele, conhecimento e piedade se complementam como expressões da verdade de Deus, razão pela qual fundou o Collège de Genève — núcleo da futura e influente Universidade protestante de Genebra — e promoveu uma formação abrangente que incluía latim, lógica, retórica, teologia, direito e matemática. Calvino entendia que a educação molda o caráter e prepara para todas as vocações presentes na sociedade, não apenas para o ministério pastoral, incentivando a leitura, a disciplina intelectual e a difusão de livros, sendo ele mesmo um escritor prolífico. Seu modelo educacional tornou-se referência para escolas reformadas na Europa e posteriormente na América, fortalecendo uma teologia bíblica séria, instituições acadêmicas consistentes e a formação de líderes tanto eclesiásticos quanto civis, influenciando profundamente a ética, a política e a cultura do mundo ocidental.

João Amós Comenius (1592–1670)

Um dos mais notáveis expoentes do protestantismo educacional e amplamente reconhecido como o “Pai da Pedagogia Moderna”, concebia a educação como um processo integral — espiritual, intelectual, emocional e social — acessível a todas as pessoas, independentemente de sexo, condição social ou idade. Sua proposta pedagógica, profundamente cristã e surpreendentemente humanizadora para seu tempo, defendia o ensino universal para homens e mulheres, ricos e pobres, utilizando métodos ilustrados, graduais e adequados ao desenvolvimento do aluno, sempre orientados pelo princípio de “ensinar tudo a todos de modo suave”. Comenius também estruturou um sistema escolar progressivo, organizado em níveis como maternal, elementar, ginásio e universidade, deixando um legado que moldou os sistemas educacionais modernos, influenciando a seriação, o currículo contínuo e o uso de recursos ilustrados. Sua didática inovadora — com abundância de imagens, exemplos e livros ilustrados — tornou-se referência para movimentos pedagógicos protestantes na Europa e posteriormente na América, consolidando sua marca permanente na história da educação ocidental..

Dessa forma, podemos concluir, este ponto, afirmando que Lutero inaugura, de maneira decisiva, o princípio da alfabetização universal; Calvino consolida um modelo de formação intelectual ampla e rigorosa para a vida em sociedade; e Comenius amplia esse horizonte ao formular uma pedagogia integral, sistemática e surpreendentemente moderna. Em conjunto, esses três reformadores deixaram ao protestantismo — e ao Ocidente — o legado de que a educação não pode ser diminuída nem tratada como elemento secundário, mas constitui parte essencial de uma vocação cristã autêntica e um instrumento real de transformação social.

Obs.: Em razão da brevidade deste espaço, retomarei o tema no próximo artigo. Nele examinaremos, sem rodeios, como o protestantismo implantado no Brasil desperdiçou seu impulso inicial — amplo, público e realmente transformador — para então se acomodar em um projeto intramuros: restrito, autossuficiente, confortável para si mesmo e, assim, praticamente perdendo sua capacidade de salgar a sociedade brasileira, que há décadas passa por um evidente processo de putrefação moral e social. E a fatura histórica dessa escolha equivocada está chegando à conta da geração atual — não apenas para a sociedade em geral, mas, de forma ainda mais dura, para os próprios evangélicos brasileiros, cujas gerações mais jovens estão sendo facilmente cooptadas por ideologias abertamente anticristãs e antibíblicas.

 

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
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Referência Bibliográfica (gerais em português)

LUTERO, Martinho. A todos os Conselhos.... São Leopoldo: Editora Sinodal, 1967. Obras Selecionadas.

LUTERO, Martinho. Da liberdade cristã. São Leopoldo: Editora Sinodal, 2011.

LEHMANN, Arno. Ação educativa de Lutero. São Leopoldo: Editora Sinodal, 1964.

CALVINO, João. Institutas da Religião Cristã. São Paulo: Cultura Cristã, 2006. 4 v.

CALVINO, João. Ordenanças eclesiásticas de Genebra. In: Documentos da Reforma. São Paulo: Cultura Cristã, 2002.

McGRATH, Alister. A vida de João Calvino. São Paulo: Cultura Cristã, 2004.

COMÊNIO, João Amós. Didática Magna. Tradução clássica. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

COMÊNIO, João Amós. Orbis Sensualium Pictus (O Mundo Ilustrado). Tradução. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

BRANDT, Edgard. Comênio e a pedagogia moderna. São Paulo: Editora Nacional, 1969.

OBS.: As bibliografias relacionadas ao tema serão indicadas no próximo artigo.

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[1] O protestantismo missionário de fato chega a partir de 1850, especialmente com presbiterianos norte-americanos (1840–1859), batistas (a partir de 1882) e metodistas (1867).

[2] A mais devastadora delas sem dúvida é o marxismo liberal (a partir dos anos 1960), que tem implantado nas mentes de jovens e adolescentes os conceitos contra o cristianismo e contra a bíblia.

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