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sábado, 11 de maio de 2024

Calvino: Comentários Bíblicos em Ordem Cronológica - 1 e 2 Coríntios

 


O artigo em que os comentários bíblicos de João Calvino são colocados em ordem de suas respectivas impressões é apenas um pequeno e singelo esforço de resgatar o trabalho desse incansável reformador do século XVI (ver artigos relacionados).  

Seus Comentários influenciaram profundamente as igrejas não somente da tradição reformada; e um interesse renovado por eles e seu estudo não só contribui para uma melhor compreensão de Calvino e sua Teologia, mas também produz um profundo impacto na mentalidade e na vivência da igreja evangélica e cristã desse século XXI.

Concordamos de que Calvino foi, por várias razões, um comentarista único e extremamente esclarecedor. Sua educação acadêmica humanista, seu amplo conhecimento criterioso do trabalho de outros intérpretes da Bíblia que o antecederam, e sua competência exegética e compreensão da mentalidade bíblica – tudo isso o tornava um intérprete apropriado dos escritos bíblicos.

Nos 101 volumes do “Corpus Reformatorum” (série que reúne as composições literárias dos principais reformadores do século XVI), os escritos de João Calvino totalizam 59 obras volumosas. O Dr. Rev. Martin Lloyd-Jones, prolífico escritor calvinista, disse acerca do trabalho literário de Calvino: “Como um só homem pôde fazer tudo isso, e em acréscimo pregar com regularidade, é-nos espantoso contemplar[1]

          E ainda temos um agravante que é o fato de Calvino ter uma saúde bastante debilitada, cujas enfermidades o afligiam continuamente. O Rev. Wilson Castro Ferreira, um de seus biógrafos brasileiros registra: “escreveu doente, escreveu em meio às mais acirradas lutas, escreveu no leito, ditando aos seus secretários, escreveu até altas horas da noite, mesmo enfermo e, segundo testemunho do seu primeiro biógrafo, Theodoro Beza, ele escreveu até oito horas antes da sua morte” [2]. Seu trabalho somente foi interrompido por sua morte prematura antes mesmo de completar cinquenta e cinco anos de vida.

Sua obra Magnum opus as Institutas, ou Tratado da Religião Cristã (ver artigos relacionados), teve sua primeira edição publicada em 1536, o ano seguinte após ser escrita. Começou como um pequeno livro de 516 páginas e apenas seis capítulos. Todavia, em sua edição de 1539 já estava com 17 capítulos, mas que em continua revisão e acréscimos pelo reformador genebrino transformou-se em quatro livros com um total de oitenta capítulos. Teve ao menos nove edições de próprio punho, escritas em latim e francês em uma época em que as condições de trabalho eram mínimas à luz de vela e lampião, pena e tinteiro. As Institutas consumiram cerca de 25 anos seguidos de árduo trabalho de Calvino.

Seus comentários bíblicos dos livros das Escrituras foram produzidos para complementar suas Institutas. Ele escreveu comentários de 24 livros do Antigo Testamento, e do Novo Testamento deixou de comentar apenas a 2ª e a 3ª epístolas de João e o Apocalipse. No formato online e PDF é possível encontrá-los. Das editoras a mais popular é a coleção produzida pela editora Baker Book House que os reúnem em 22 volumes que totalizam mais de 11.000 páginas! Infelizmente pessoas que não leram nem ao menos 10% de suas obras estufam o peito e se autodenominam de calvinistas.

O primeiro comentário bíblico de João Calvino foi sobre a epístola aos Romanos, preparado quando o reformador ainda se encontrava em Estrasburgo, em 1539. O livro está dedicado a Simão Grinée, reformador em Basiléia e mestre de Calvino no grego e teologia. Os últimos comentários escritos por João Calvino foram os de Josué e Ezequiel, que compreende apenas os vinte primeiros capítulos. A edição escocesa de 1850 traz a seguinte nota ao Comentário de Ezequiel: “Depois de terminar esta última preleção (sobre o cap. 20), o ilustre João Calvino – o Teólogo – que havia estado previamente enfermo, começou a sentir-se tão fraco, que foi compelido a buscar o leito e não pôde mais prosseguir na explicação de Ezequiel. Esta foi a razão de parar no cap. 20º e não terminar uma obra tão auspiciosamente começada”.

Um número extraordinário de comentaristas posteriores atesta positivamente a excelência dos comentários de João Calvino, incluído o professor Tiago Arminius (1560-1609), que se opôs tenazmente à teologia calvinista da predestinação/eleição incondicional, mas que recomendava aos seus alunos a leitura dos comentários de Calvino que na sua opinião não havia melhores [3]. Seus comentários representam uma ruptura com o método alegórico e complicado de exposição dos eruditos escolásticos. Para ele um bom comentário bíblico tinha que ser fiel à ideia central do texto, sem subterfugio e extraindo o seu sentido natural. Em seu comentário de 2Coríntios 3.6, Calvino faz questão de explicar a razão pela qual efetivou a mudança do método alegórico de interpretação, até então comumente utilizada, em favor da ênfase no sentido literal, gramático-histórico do texto.

Seguindo uma ordem cronológica o primeiro comentário bíblico de João Calvino foi sobre a epístola aos Romanos. Para ele, assim como tantos outros antes e depois dele, visto que foi escrita após mais de vinte anos de vida cristã, de maneira que nela se reflete a maturidade e aprendizado maturado do velho apostolo, se constituindo então na principal porta de entrada para uma ampla exposição das Escrituras que era o objetivo maior de Calvino. De maneira que, ele tem plena consciência que está diante de um texto que lhe apresenta as doutrinas fundamentais do ensino cristão genuíno que está sendo resgatado pelos reformadores.

O comentário da Primeira aos Coríntios chegou a Estrasburgo em novembro de 1545 e sua impressão é anunciada para a feira da primavera em 1546, o que de fato ocorreu. A Segunda Epístola aos Coríntios foi publicada por ele apenas alguns meses depois de seu Comentário sobre a Primeira Epístola, sua dedicatória da Segunda Epístola, data de 1º de agosto de 1546, enquanto a dedicatória da Primeira Epístola data de 24 de janeiro de 1546. Nesse período Calvino enfrentava muitas lutas e dificuldades, teve que lidar com o desanimo dos genebrinos, por causa das ameaças do Imperador Carlos V, a reação negativa às pregações e direcionamentos dados por ele e as falsas acusações sobre seu ensino doutrinário. Mas, ele encontrou nestas duas epístolas paulinas o consolo e animo para continuar seu ministério pastoral.

Ao enviar o trabalho de Segunda Coríntio para ser impresso em Estrasburgo e devido a longa espera de confirmação que o documento havia chegado, ele resolveu que sempre haveria de fazer uma cópia antes de enviá-los. Mas devido a guerra entre o imperador Carlos V e os príncipes alemães (1546-1547) esta e as demais acabaram sendo impressas em Genebra.

          Certamente uma das razões de Calvino investir seu precioso tempo com as correspondências paulinas aos crentes em Corinto é que o seu contexto eclesiástico conturbado e até mesmo pecaminoso tinham relações muito próximas do contexto histórico eclesiástico que Calvino estava enfrentando em Genebra. Todavia, ao lermos seus comentários, não transparece toda essa convulsão eclesiástica social-política, mas parecem terem sido preparados em um momento tranquilo e em pastos verdejantes.

          Na comunidade de Corinto proliferavam os falsos mestres que traziam suas novidades e incendiavam as mentes e corações daqueles cristãos, o que estava ocorrendo continuamente na comunidade genebrina. Portanto, enquanto Calvino se debruçava nas literaturas de Paulo aos Corintos ele estava armazenando munição para rebater seus próprios invasores em sua comunidade. E como professor e mestre nas escolas e seminário os argumentos exortativos de Paulo aos Corintos se constituíam em preciosas ferramentas para colocar às mãos de alunos, professores e mestres que vinham de todas as partes da Europa e retornavam adequadamente preparados para responder as demandas de suas próprias comunidades locais.

          Dois fatores externos produziam apreensão ao coração pastoral de Calvino que encontra paralelo no contexto histórico de Paulo aos Corintos. Como pastor ele tinha que acalmar e animar constantemente os membros de sua igreja pois o imperador Carlos V ameaçava constantemente perseguir as igrejas reformadas; mas assim como Paulo nada afligia mais o coração pastoral do que o contexto depravado da sociedade de seus dias. Constantemente se levantavam falsas acusações contra Calvino, mormente apresentadas por pessoas desgostosas de seu ensino e pregações que confrontava abertamente a vivência desconectada do ensino bíblico da vida delas. Assim como em Corinto muitas vezes Paulo foi questionado sobre suas credenciais apostólicas, sua capacidade pedagógica (oratória fraca) e até mesmo sua aparência física, em Genebra Calvino era alvo constante de toda sorte de críticas sem quaisquer critérios ou fundamentos. Infelizmente ainda hoje os adversários de Paulo e Calvino continuam a utilizar tais artifícios covardes contra ambas as figuras históricas. Os inimigos da verdade nunca tiveram caráter.

          As dedicatórias que antecedem seus comentários são sempre preciosas. Mas tudo indica que nesta primeira epístola aos Corintos houve um lamentável episódio. Originalmente Calvino havia feito uma dedicatória à Tiago da Borgonha, senhor de Falais e Bredam, de sangue da França, descendente de São Luís, bisneto de Filipe, o Bom, duque da Borgonha, que rompendo com a igreja romana, por muitos anos frequentou a igreja reformada em Genebra e mantinha uma amizade pessoal com Calvino. Mas após os embates entre o reformador e o frade carmelita, parisiense e médico, Jérôme-Hermès Bolsec, no ano de 1551, ele e sua família se afastaram de Genebra. Esse afastamento pode ou não implicar em igual comportamento em relação aos princípios de fé reformada, mas tudo indica que tenha pesado a sua discordância da forma contundente com que Calvino propôs punir o comportamento de Bolsec, que era também o médico do nobre e da sua família. Essa dissensão tornou-se crescente quando Tiago defendeu abertamente o comportamento opositor de Bolsec em Genebra, interrompendo o processo que corria contra ele, bem como igualmente o defendeu no judiciário de Berna que acolheu calorosamente a solicitação, a ponto de Farel, reformador de primeira ordem e amigo de Calvino, não ter dúvidas em apontar essa intervenção a causa da relutância das igrejas suíças em endossar a teologia calvinista. De maneira que, não apenas recusaram abrir processo judicial contra Bolsec, como exortaram tolerância e moderação aos genebrinos.

Esse seria um entre tantos embates que Calvino enfrentou no transcorrer de sua vida eclesiástica, mas um dos desdobramentos desta questão foi a grande decepção do reformador genebrino em relação ao comportamento antagônico de Tiago, o qual levou a um rompimento definitivo da amizade, de maneira que Calvino suprimiu a Dedicação que havia feito a ele e a substituiu por outra dirigida a Galliazus Caracciolus, descendente e filho único e herdeiro do Marquês de Vico. Ele menciona essa substituição na sua segunda dedicatória:

Quem dera que, quando este Comentário viu a luz pela primeira vez, eu não tivesse conhecido de todo, ou então tivesse conhecido profundamente o indivíduo cujo nome, até então inscrito nesta página, agora estou sob a necessidade de apagar! Não tenho, é verdade, medo de que ele me tranquilize com inconstância, ou reclame que eu lhe tirei o que eu havia dado anteriormente, por ter intencionalmente feito dele seu objetivo, não apenas para se afastar o máximo possível de mim pessoalmente, mas também para não ter nenhuma ligação com nossa Igreja, ele não deixou a si mesmo um justo motivo de queixa. É, porém, com relutância que me desvio do meu costume, de modo a apagar o nome de qualquer um dos meus escritos, e entristece-me que esse indivíduo tenha abandonado a elevada eminência que lhe eu lhe tinha atribuído, 19 para não estender uma luz aos outros, como era meu desejo que ele o fizesse. 20º Como, no entanto, não está em meu poder remediar esse mal, que ele, no que me diz respeito, permaneça sepultado, pois desejo ainda agora poupar seu crédito ao não mencionar seu nome.                                       

Por sua vez, Galliazus Caracciolus, era um nobre que havia abandonado a Itália, após sua conversão, e passou a morar em Genebra. Ali permaneceu até sua morte e estabeleceu uma longa amizade com Calvino até a morte desse. Sempre deu um testemunho digno de uma fé e prática reformada. Atestada pela dedicatória que o reformador genebrino lhe faz nas edições posteriores e definitiva de seu trabalho da primeira epístola ao Corintos.

 

Utilização livre desde que citando a fonte

Guedes, Ivan Pereira

Mestre em Ciências da Religião.

me.ivanguedes@gmail.com

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Notas

[1] Lloyd-Jones D. M. Os puritanos: suas origens e seus sucessores. São Paulo: PES, 1993, p. 114.

[2] Wilson C. Ferreira. Calvino: vida, influência e teologia. Campinas: LPC, 1985, p. 140.

[3] The works of James Arminius. Vol. I. Grand Rapids: Baker Book House, 1996, p. 295.

Referências Bibliográficas Citadas

[1] Lloyd-Jones, D. M. Os puritanos: suas origens e seus sucessores. São Paulo: PES, 1993, p. 114.

[2] Gonzalez, Justo L. A era dos reformadores. Vol. 6. São Paulo: Vida Nova, 1989, p. 111.

Referências Bíblicas Geral

CALVIN, Jean. As Institutas ou Instituição da Religião Cristã (da edição original francesa de 1541). Tradução e leitura de provas Odayr Olivetti; revisão e notas de estudo e pesquisa Herminsen Maia Pereira da Costa. 1ª edição. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2002.

D'AUBIGNÉ, J. H. Merle. The Reformation in Europe in the time of Calvin. Vol. VIII. Translated William L. R. Cates. New York: Robert Carter and Brothers, 1879.

FERREIRA, Wilson Castro. Calvino: vida, influência e teologia. Campinas, SP: Edição de Luz Para o Caminho, 1985.

GREEF, Wulfert. The Writings of John Calvino: An Introductory Guide. Trans. L. D. Bierma. Grand Rapids: Baker, 1989.

HALSEMA, Thea B. Van. João Calvino era assim. Editora Os Puritanos/Clire, 2009/2011.

PARKER, Thomas Hnry Louis. Calvino's New Testament Commentaries. Westminster John Knox Press, 1993.

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