As mulheres atuaram concomitantemente nos
esforços da implantação da Reforma Protestante. Suas atuações ainda que muito
mais nos bastidores do que nos holofotes são fundamentais nas transformações
implementadas pelo movimento reformado.
O que teria sido Lutero sem sua Katherine? E de
Zwínglio sem o apoio e cuidado de Anna? As mulheres no desenvolvimento da
Igreja Reformada foram (e continuam sendo) um elemento relevante na sua
trajetória histórica. Assim como haviam sido Débora e Ester e as mulheres que
apoiaram o ministério de Jesus no Novo Testamento e as cooperadoras na obra
missionária de Paulo. Deus jamais deixou as mulheres de fora seja da História
Bíblica ou da História da Igreja.
A Reforma tornou-se um marco no resgate da cidadania
feminina. A partir do movimento da Reforma Protestante as mulheres emergem de
casas e conventos, transcendem status concedidos por nascimento, e tornam-se figuras
inextricavelmente ligadas com a obra do evangelho, impactando as estruturas
eclesiais e sociais de sua época.
Alemanha
Katherine von Bora (1499-1552)
Foi criada desde a
infância em conventos, mas aos vinte anos aproximadamente ela tomou
conhecimento das teses reformadoras de Martinho Lutero. Estudo juntamente com
outras reclusas e tomaram a decisão de seguir as teses do reformador. Sem apoio
das famílias para saírem da clausura coube a Lutero através de um amigo Leonhard
Koppe, que utilizando seus barris de peixes, as resgatou. Posteriormente veio a
se casar com o próprio Lutero. Tomou contas das finanças da família; estabeleceu
um pensionato para estudantes; tratava com os editores das obras de Lutero;
manteve uma farmácia natural para atender familiares e hospedes, bem como a
população mais carente de Wittemberg. Recebia em sua casa muitos refugiados que
fugiam das perseguições religiosas. Após a morte de Lutero teve que lutar
muito, primeiro para que o testamento dele fosse reconhecido, depois pela
guarda dos filhos. As diversas guerras e pestes a empobreceu, mas ela jamais
desistiu de seus ideias reformadas.
Ursula de Munsterberg (1491-1534)
Era neta do rei Jorge
Prodiebrad da Boêmia, mas foi colocada em um mosteiro quando criança. Nunca
aceitou passivamente essa condição e tomando conhecimento das teses de Lutero,
juntamente com outras duas freiras (6 de outubro de 1528), fugiram à noite, e
nunca mais voltaram. Sem poder retornar para sua família, que a repudiou,
permanece por um tempo com a família Lutero.
Acusada de todas as
formas Úrsula defendeu suas ações em um tratado ousado que mostrava claramente
sua plena compreensão da diferença entre suas antigas crenças e sua nova
compreensão das crenças reformadas. Declara: “A única esperança está na fé.
Pelo batismo fomos recebidos no Reino de Cristo. E afirmar que o voto monástico
é um segundo batismo e lava os pecados, como ouvimos do púlpito, é blasfêmia
contra Deus, como se o sangue de Cristo não fosse suficiente para lavar todos
os pecados. Somos casados com Cristo, e buscar ser salvo através de outro é adultério.
Os três votos monásticos são obra das mãos dos homens”.
Katherine Schutz Zell (1497-1562)
Esta Katherine ficou
conhecida por seu amor e conhecimento das Escrituras. Também foi esposa de um reformador, o que só
fez aumentar o seu ávido interesse pelas questões espirituais. Antecedendo as
grandes teses do reformador alemão Lutero ela declarava:
“Desde
que eu tinha 10 anos tenho sido uma estudante e uma espécie de mãe da igreja,
muito dada a assistir aos sermões. E tenho amado e frequentado a companhia de
homens instruídos e conversado muito com eles, não sobre dança, máscaras e
prazeres mundanos, mas sobre o Reino de Deus”.
O nível de sua
conversão sobre os aspectos da teologia estava em um nível acadêmico que a
colocava acima de muitos mestres. Ao mesmo tempo, contra rumores de que
pretendia usurpar uma cátedra sempre deixou muito bem claro que seu
conhecimento derivava unicamente de seu intenso amor pelas Escrituras e nunca
teve quaisquer pretensões de desafiar ou usurpar os ofícios estabelecidos por
Deus para os homens:
“Eu não
estou usurpando o ofício de pregador ou apóstolo [...] Eu sou como a querida
Maria Madalena, que sem intenções de ser apóstolo, foi contar aos discípulos
que ela havia encontrado o Senhor ressurreto”
Katherine Zell, além de
amar intensamente as Escrituras, era também uma adoradora do Deus vivo. Ela
escreveu muitos hinos nos quais seu amor a Palavra de Deus transpirava em todas
as suas letrasse, assim como o salmista manifesta todo seu amor às Escrituras ao
compor o Salmo 119 em forma acrostica utilizando cada letra do alfabeto hebraico.
Wibrandis Rosenblatt (1504 -1564)
A história dela é plena
de acontecimentos inusitados. Ela ficou viúva quatro vezes, por isso recebeu a
alcunha de “a noiva da Reforma”. É preciso deixar claro que no início do
movimento da Reforma os clérigos e freiras que até então eram proibidos de se
casarem ficaram livres de seus votos de celibato. Desta forma o casamento dos ministros
reformados tornou-se uma extensão de suas atividades ministeriais.
Seus respectivos
esposos foram: Ludwig Keller (1 filha); Johannes Oecolampadius (1
menino, 2 meninas), ele se referindo a ela: “O Senhor me deu uma irmã e uma
esposa ... uma viúva com vários anos de experiência em carregar uma cruz”; o
terceiro marido foi Wolfang Capito [pastor em Estrasburgo] (2 meninos e três
meninas); o último esposo foi o reformador Martin Bucer, cuja primeira esposa
morrera de câncer, mas ele escreve a respeito de Wibrandis: “Não há nada que
falte à minha nova esposa, ela é solicita e atenciosa. Ela não é tão livre em
suas críticas quanto minha primeira esposa ... Só espero poder ser tão terno
com ela quanto ela é comigo”.
Wibrandis e outras
esposas de pastores reformados do século 16 se apoiavam e consolavam por meio
de cartas, determinando e forjando seu novo papel à medida que vivenciavam suas
lutas e desafios.
Em 1564 a peste dizimou
7.000 pessoas, entre elas Wibrandis Rosenblatt. Como reconhecimento por tudo
que ela fez e representou, na cidade rural de Bad Säckingen, na Alemanha, uma
pequena rua que leva à margem do rio Reno recebeu seu nome - Wibrandis-Rosenblatt-Weg.
E não menos significativo ao lado da rua fica a torre do sino do Evangelische
Kirchengemeinde, uma igreja protestante.
Argula von Grumbach (1492-1563)
A relevância da vida de
Argula extrapola os padrões rígidos da época. Ela foi a primeira mulher a
produzir e editar material de cunho reformado. Indignada com a prisão de um
jovem estudante, por se posicionar em favor das teses de Lutero, Argula empreende
uma luta contra tal arbitrariedade. Suas cartas não apenas defende o jovem, mas
acima de tudo expõe com toda clareza bíblico-teológica seus posicionamentos
reformados.
Argula não foi
martirizada, nem ameaçada de morte, mas perseguida de outras maneiras, talvez
igualmente dolorosas, incluindo o próprio marido, já que a maior parte de sua
cidade e grande parte da Alemanha se voltaram contra ela. Com toda razão ela
foi comparada a Débora, Judite e às mulheres que acompanhavam Jesus.
Elisabeth of Brandenburg (1485-1545)
Muitas mulheres pertencentes
à nobreza não apenas adotaram os princípios da Reforma, mas se empenharam
apesar do risco permanente de morte na defesa e implantação destes princípios
dentro de suas respectivas esferas de poder. Com toda certeza Isabel de
Brandemburgo foi uma duquesa consorte de Brunsvique-Göttingen-Calenberg por
casamento com Érico I, Duque de Brunsvique-Luneburgo, e regente do Ducado de
Brunsvique-Göttingen-Calenberg durante a menoridade de seu filho, Érico II. É
denominada "princesa da Reforma", pelo seu apoio firme e
contundente na implantação da na atual Baixa Saxônia do Sul.
Elisabeth [Isabel] de Braunschweig (1510-1558)
A história dessa mulher
daria um maravilhoso filme sobre o contexto da Reforma Protestante. O jogo político
acirrou ainda mais dentro do Império Alemão após o início
da Reforma Protestante. Alguns por convicção e outros pelos interesses pessoais
abraçavam ou repudiavam as teses de Lutero. Eram tempos em que alianças era
muito tênues e foi dentro deste contexto que nasceu e viveu Elisabeth. Ela
abraça a fé reformada já como mãe, através da instrumentalidade de sua mãe
Isabel de Brandenberg que fora convencida da veracidade das teses de Lutero.
Com a morte do marido
ela passou a reinar como regente por cinco anos, pois o filho Eric tinha apenas
12 anos. Fez de um pastor Lutero o mestre de seus filhos. Duas de suas filhas
se casaram com homens que adotaram os princípios reformados. Ela mesmo veio a
se casar novamente com o duque Poppo de Henneberg, que abraçara a Reforma.
Mas o filho após assumir
o trono abandona o ensino reformado da mãe e patrocina com violência um retorno
ao catolicismo. Elisabeth escreve ao filho, mas a resposta é direta, ou
concordava com a religião católica ou seria exilada. Ela permaneceu lá por três
anos em total pobreza. Durante esse tempo, ela escreveu hinos e encontrou
conforto em seu Senhor.
Ela escreveu: "Ninguém
sem a experiência sabe a angústia que as crianças podem causar e, no entanto,
serem amadas".
Apesar do retrocesso do
filho, os esforços desta mulher determinada não foram vão. Os cidadãos de Braunschweig abraçaram a fé da
Reforma como resultado de pastores fiéis e do fervor de Elisabeth, comprovando
de que uma pessoa pode fazer uma grande diferença.
Com ela aprendemos que nossos
filhos não são nossos. Ela fez o possível para criá-los para saber a verdade. Mas
como diz um ditado: "Deus não tem netos, somente filhos". Não
podemos fazer nossos filhos crerem. Só podemos levá-los à verdade. O resto está
nas mãos de Deus.
Mulheres Anabatistas
Mais complexa é a
história destas mulheres visto que o movimento Anabatista dentro do movimento
da Reforma sempre foi visto como anárquico. Todavia, essas mulheres estiveram imbuídas
de uma fé e compromisso com Cristo que se constitui em um desafio perene à fé
insonsa de grande parte do evangelicalismo atual. Margret Hottinger, Helene
von Freyberg e Elisabeth Dirks são três nomes que representam a diversidade
do movimento Anabatista em seus primórdios.
As esferas de atuação
das mulheres são múltiplas e nem todas exerceram posições de autoridade dentro
dos movimentos reformados. Mas o mais relevante é o conhecimento delas das
Escrituras e como elas utilizaram para infundir a genuína fé nas mentes e
corações dos filhos e de todos aqueles que compartilhavam de seus espaços
vivenciais.
Suíça
Anna Zwínglio (1487-1538)
Ficou viúva ainda muito
jovem com três filhos. Veio a se casar com o reformador Ulric Zwínglio quando
ele veio pastorear a igreja reformada em Zurique. Ela adquiriu amplo
conhecimento bíblico e participava das discussões dos temas propostos. Ouvia
atentamente as leituras que Zwínglio fazia da sua tradução do Novo Testamento para
a língua vernácula e foi uma das primeiras a divulgar a nova tradução, muitas
vezes distribuindo alguns exemplares gratuitamente, visto que o preço não era
acessível as pessoas mais humildes. Sua percepção e atuação na área social lhe
deu a alcunha de “Dorcas Protestante” tornando-a um modelo para as mulheres
reformadas.
Idelette de Bure (1505-1549)
Apesar de ser quase
desconhecida se constitui em uma das personagens mais interessante dentre as
mulheres da Reforma. Além de ter sido um balsamo na vida João Calvino ela
participou intensamente dos movimentos reformado em Genebra. As palavras de
Calvino após a morte de Idelette expressão a relevância dela: “Eu perdi
aquela que nunca teria me abandonado, fosse em exílio, ou na miséria, ou na
morte. Ela foi uma preciosa ajuda para mim, e nunca se ocupava demais consigo
mesma. A melhor das minhas companhias foi tirada de mim.”
Anna Bullinger (1504-64)
Cultivou um lar que serviu
de modelo para todas as famílias reformadas. Com onze filhos sob seus cuidados,
ela ainda hospedava um vasto número de visitantes protestantes e refugiados –
algumas vezes dezenas ao mesmo tempo. Quando não estava em casa ou na igreja,
ela visitava os pobres de Zurique trazendo conforto e apoio às famílias,
principalmente em períodos de pandemias que assolavam toda a Europa.
Utilização livre desde que citando a fonteGuedes, Ivan PereiraMestre em Ciências da Religiãome.ivanguedes@gmail.comOutro BlogReflexão Bíblicahttp://reflexaobiblica.spaceblog.com.br/
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