A Boêmia
pode ser chamada de a terra mais fértil da Reforma. Nenhum outro local
geográfico específico produziu tantos reformadores quanto ela – que merece ser
até mesmo tratada como um personagem e não apenas como um local da Reforma. O
mais conhecido destes reformadores foi John Huss, mas não foi o primeiro, mas
um entre muitos, dos quais se sobressai igualmente a figura de Jerônimo de
Praga, que manteve acesa a tocha da Reforma Boemia.
O Reino
de Boemia foi estabelecido no século XIII. Consistia na Boêmia e na Morávia e
pertencia ao Sacro Império Romano-Germânico.[1] Seu apogeu foi durante o
reinado de Carlos V (1345-1378), que foi eleito Imperador do Sacro Império. Poucas
regiões desenvolve um sentimento tão arraigado de nacionalidade quanto este
povo e será na cidade de Praga, capital da Boêmia, que se institui a primeira
universidade nacional nos modelos da universidade medieval (1348). O objetivo primário era
estancar a saída dos jovens para estudarem em outros países, de modo que, agora
teria em seu próprio país uma Universidade que lhes proporcionaria o melhor em
termos acadêmicos. Será nessa instituição acadêmica que se fecundarão os ideais
reformistas antes da grande Reforma iniciada pelo alemão Lutero.
Um fator
histórico relevante foi que durante o governo de Carlos IV [Karel IV em
tcheco], no século XIV, Praga tornou-se capital do Sacro Império
Romano-Germânico, e foi palco de um conjunto de intervenções urbanísticas,
econômicas, legais e culturais pela ótica internacional. Simultaneamente o
Imperador havia emitido a chamada Bula de Ouro (1536), fortalecendo o papel do
rei da Boêmia dentro da estrutura do Sacro Império; as terras tchecas somente
podem ser administradas por tchecos e seus cidadãos somente podem ser julgados
nos tribunais tchecos; e por fim o arcebispo de Praga tem a incumbência de
coroar o rei da Boêmia. Esse conjunto de fatores fez da Boêmia o ambiente mais
propicio para o surgimento dos questionamentos sobre os excessos facilmente
perceptíveis nas mais diversas instâncias da poderosa Igreja Católica Romana.
O
cristianismo chegou à região da Boêmia pelo viés da Igreja Ortodoxa Grega. Dois
missionários gregos, Cirilo e Metódio, vieram de Constantinopla (Istambul) no
ano de 863 para a Boêmia e fizeram dessa terra seu campo de trabalho. Aqui eles
utilizaram um método totalmente inovador, pois suas liturgias, pregação e
ensino eram realizados na língua popular e traduziram a bíblia para a linguagem
vernácula, contrariando todo um sistema que exigia que fosse feito utilizando
somente o latim. Essa evangelização primária e distintiva permaneceu na mente e
corações do povo morávio para sempre.
Jerônimo
de Praga (1378? - 30 de maio de 1416)
Há pouco
tempo ocorreu à comemoração dos 600 anos de seu martírio. É lamentável que
Jerônimo de Praga permaneça no ostracismo histórico da igreja protestante,
visto que ele foi um grande propulsor do movimento reformado na fecunda terra
da Boêmia.[2] Coube ao humanista
italiano Poggio Bracciolini, que foi testemunha ocular do processo e da
sentença condenatória dele no transcorrer do Concílio de Constança, emitir um
reconhecimento de suas aptidões – “um
homem para ser lembrado”. Mas lamentavelmente Jerônimo foi colocado sempre
à sombra de seu amigo João Huss, e sua obra e participação no processo
reformado na Boêmia foram sempre minimizadas. Esse sucinto artigo visa trazer à
luz esse personagem tão relevante e assim confirmar as palavras de Poggio,
escrita seiscentos anos atrás, estimulando a curiosidade do leitor a procurar
mais informações sobre Jerônimo de Praga.
Jerônimo
de Praga e João Huss
Duas pessoas com histórias e
características tão distintas, mas que compartilharam uma amizade profunda e
profícua e que enfrentaram igualmente o martírio, unicamente por que desejavam
resgatar a pureza e simplicidade da Igreja Cristã de sua época. Jerônimo nasceu
em Praga, capital da República Checa, advindo de família nobre, obteve seu
título de bacharel na Universidade de Praga em 1398 e no ano seguinte iniciou
excursão pelas maiores Universidades da Europa Oxford [1402], (Paris [1405],
Colônia e Heidelberg [1406]) onde alcança o grau de Mestre; Huss nasceu no
interior e seus pais eram de poucos recursos, praticamente não saiu da Boêmia.
Enquanto Huss foi ordenado sacerdote, Jerônimo mesmo tendo a formação teológica
optou por permanecer um leigo e dedicou-se às atividades acadêmicas.
Jerônimo
de Praga, que morreu queimado em uma estaca em Constança em 1416, mesmo antes
de sua morte havia se tornado um símbolo para os seguidores do movimento de
reforma na Boêmia. No entanto, apesar de serem contemporâneos e companheiros no
esforço para resgatar uma igreja nos moldes bíblicos, ele sempre foi visto à
sombra de João Huss, que o precedeu cronologicamente no martírio.
Todavia,
no transcurso do movimento reformista Jerônimo desempenha um papel muito
relevante para a construção da identidade do movimento quanto da argumentação
nas discussões com os oponentes. Por esta razão foi que o seu martírio expressou
a força da ideologia reformista que impulsionava este extraordinário movimento
o qual nem a toda poderosa Igreja Romana conseguiu dominar, apesar de todo seu
poderio político-econômico-bélico.
Oxford
e as Teses Críticas de João Wycliffe
Ainda
que não tenha alcançado nenhum título acadêmico em sua passagem na Universidade
de Oxford, ele obteve algo muito mais valioso e que nortearia toda a trajetória
do restante de sua vida, incluindo o terrível martírio. Em Oxford ele teve
acesso às obras de João Wycliffe, as Dialogus
e Trialogus, que imediatamente
cativou sua mente prodigiosa pelas bases e pensamentos do eminente Doutor
Wycliffe do século anterior. De imediato inicia a tradução destas obras para
sua língua materna. Completado seu percurso acadêmico e retornando a Boêmia ele
começa a divulgar os artigos críticos de Wycliffe, que encontra forte
ressonância na voz potente de Huss, de maneira que suas histórias caminham
paralelamente, inclusive o desfecho final.
Assim
como seu compatriota Jerônimo tornou-se um crítico contumaz da Igreja Romana e
seus desvios e aberrações teológicas e éticas. Toca na menina dos olhos do
catolicismo romano – a infalibilidade
papal – em que se ensinava que todas as deliberações e documentos papais
eram autoridade máxima da igreja, pois os papas gozavam da assistência
sobrenatural do Espírito Santo, que o preservava de todo e quaisquer erros
(equivalendo-se aos escritores bíblicos). Tal doutrina feria e contrariava
todos os ensinos bíblicos e o testemunho histórico dos erros grassos
encontrados em muitas das bulas papais apenas depunham contra tal absurdo, sem
mencionar que naquele exato momento havia três Papas se digladiando pela
primazia – qual deles era “infalível”?
Jerônimo
era teólogo, filósofo e professor. Quando se pronunciava era brilhante,
articulado e incisivo, assim como seus escritos. Seus opositores o temiam, pois
era extremamente difícil manter um debate com ele e sair vencedor. Quando as
pregações e propostas reformistas de Huss atraíram a ira papal e conciliar
romana, Jerônimo colocou todo seu talento e saber em defesa do compatriota e
suas críticas ao sistema religioso romano.
Quando
as perseguições se tornaram concretas e frequentes, Jerônimo permaneceu firme e
resoluto. Mas sua trajetória, como de tantos outros reformadores, seria marcada
pela prisão, tortura e martírio nas mãos de seus algozes. Em determinado
momento fraquejou, mas logo se refez e morreu defendendo seus princípios
reformistas até o acender da fogueira inquisitória.
Chegada
em Constança
Quando João Huss em outubro de 1414,
portando um salvo-conduto emitido pelo próprio Imperador Sigismundo, rei da
Hungria e chefe do Sacro Império Romano, preocupado com o avanço dos turcos e
do islamismo, viaja para o Concílio de Constança, assegurando que ele teria voz
no Concílio e que poderia retornar em segurança para a Boêmia. Jerônimo lhe
assegura que o seguiria para ajudá-lo, o que aconteceu em 4 de abril de 1415.
Ele chega cerca de poucos
meses antes que João Huss fosse condenado e morto, após longo e terrível período
de aprisionamento e torturas. Jerônimo entra na cidade discretamente visto que
o clima era tenso e os conciliares romanos estavam sedentos de sangue. Após
consultar alguns nobres e amigos tchecos, que haviam vindo com Huss, foi
convencido de que ele não poderia ser útil para seu amigo.
Na medida em que sua chegada
a Constança tornou-se conhecida publicamente, e sendo informado de que o
Concílio pretendia prendê-lo, ele achou mais prudente sair da cidade. Assim, no
dia seguinte ele foi para Iberling, uma cidade imperial, a cerca de uma milha
de Constança. Deste lugar ele escreveu ao imperador, e propôs sua prontidão
para comparecer perante o Concílio, se lhe fosse dado um salvo conduto
imperial, mas o imperador não se deu ao trabalho de responder, ainda que tal
documento tivesse pouca valia como ficou evidente no caso do próprio Huss,
portador de tal documento oficial. Ele então se reportou ao próprio Concílio,
mas recebeu uma resposta negativa e enfática.
Depois disso, ele partiu em
retorno à Boêmia. Ele teve a precaução de levar com ele um certificado,
assinado por vários dos nobres boêmios, então em Constança, testemunhando que
ele tinha usado todos os meios prudentes em seu poder para obter uma audiência
e assim poder defender o compatriota e amigo.
Prisão
Arbitrária de Jerônimo
Jerônimo, no entanto, não
escapou dos efeitos nefastos da tirania político-eclesiástica. Ainda em
território alemão ele foi arbitrariamente preso a mando do Duque de Sulzbach,
que, embora não autorizado a agir, tinha o propósito de ganhar os favores do
Concílio. Em troca de correspondências o duque de Sulzbach é orientado a enviar
o prisioneiro imediatamente para Constança. Acorrentado ao pescoço e mãos, ele
foi conduzido de volta como se fosse um perigoso bandido. Entra na cidade
cercado por homens a cavalo e um número excessivo de guardas, sendo
imediatamente lançado a uma masmorra úmida e repugnante, as mesmas condições
deploráveis em que seu contemporâneo Huss havia sido aprisionado.
Antes da sentença final do
amigo, o Concílio de Constança ainda se recusou a deixar Jerônimo falar. Eles
sabiam que ele era um estudioso persuasivo e inteligente, e tinham medo de sua
habilidade de defender a fé cristã, e persuadir os conciliares a mudar a
sentença final. Com a repercussão negativa da prisão e decorrente morte de Huss
as autoridades temendo uma rebelião popular, mudava constantemente Jerônimo de
uma prisão para outra.
Passou um ano confinado nas
piores condições possíveis, acorrentado em posições desconfortáveis e
doloridas. Adoeceu e úlceras apareceram em seu corpo. Em algum momento o
espírito de Jerônimo foi quebrado e nesse momento de extrema fragilidade
concorda em assinar documento declarando submissão aos ensinamentos da Igreja
Romana e que repudiava as teses “heréticas” de Wycliffe e Huss. Mas a história
deste grande homem não termina de forma tão lamentável, ainda que muitos que
jamais sofreram qualquer pressão ou sofrimento semelhante aos que ele
enfrentou, queiram emitir juízo e menosprezo histórico sobre ele.
Mesmo após assinar tal
documento sob as condições mais adversas possíveis, ele foi mantido preso. Mas
isso não lhe foi prejudicial, ao contrário, nesse tempo de aprisionamento ele
pode refletir, repensar e orar – então encontra o caminho de volta à verdade
infalível provinda unicamente das Escrituras.
Em seu momento de fraqueza
Jerônimo não está sozinho na história, Thomas Cranmer (1489–1556) e alguns
outros que, em seu primeiro terror, ofereceram trocar princípios pela vida,
tornaram-se depois, e quase imediatamente depois, mais confiantes na verdade de
sua causa, e mais dispostos a sofrer em defesa dele.
Esse retorno ficara evidente
nas suas palavras ao ser novamente levado diante do Concilio, em maio de 1416,
para sua última audiência:
Confesso
e tremo quando penso nisso. Por medo do castigo do fogo, consenti vilmente e
contra minha consciência em condenar a doutrina de Wycliffe e Huss. Retrato-me
agora completamente deste ato pecaminoso, e estou resolvido a manter os dogmas
destes homens até a morte, crendo que eles são a verdadeira e pura doutrina do
evangelho, assim como creio que a vida desses santos foram irrepreensíveis
(ALMEIDA, 2017).
E em
outro momento ele declara em alto e bom som:
Estou
pronto para morrer. Não recuarei diante dos tormentos que me estão preparados
por meus inimigos e suas falsas testemunhas, que um dia terão que prestar
contas de suas imposturas diante do grande Deus, a quem nada pode enganar
(PRAGA, 2021).
Finalmente foi conduzido à
presença do Concílio, e ainda mantinha alguma esperança de que pudesse pleitear
sua própria causa, mas como acontecera com seu antecessor lhe foi proibido
defender-se, então ele eclodiu na seguinte exclamação:
"Que barbaridade
é essa! Por trezentos e quarenta dias estive confinado em várias prisões. Não
há miséria, não há dor, que eu não tenha experimentado. Aos meus inimigos, foi
permitido que se expusesse todas as acusações, mas para mim vocês negam a menor
oportunidade de defesa. Nem uma hora me foi dado para me preparar para o meu
julgamento. Vocês engoliram as calunias mais vis contra mim. Vocês me expuseram
como um herege, sem conhecer a minha doutrina; como inimigo da fé, antes que
soubessem que fé eu professo: como perseguidor de padres antes que você pudesse
ter uma oportunidade de esclarecer minhas críticas contra eles. Este é um
Concílio Geral: em seu centro todo este mundo pode se comunicar de gravidade,
sabedoria e santidade: mas ainda assim vocês são homens, e os homens são
seduzíveis pelas aparências. Quanto maior for o seu caráter para a sabedoria,
maior deve-se não se desviar para a loucura. A causa que agora eu imploro não é
a minha própria causa: é a causa dos homens, é a causa dos cristãos; é uma
causa que é afetar os direitos da posteridade, no entanto, o experimento deve
ser feito em minha pessoa."
Uma vez mais lhe é oferecido
uma oportunidade de perdão se ratificasse o documento assinado anteriormente, o
qual agora ele responde com uma postura serena e convicção: “O único favor que exijo é ser convencido
pelas Escrituras”. Seus acusadores reagem imediatamente: “Acaso crês ser mais sábio que todo o
concílio?” Ao contrario, responde Jerônimo, “estou ansioso por ser instruído pela Santa Escritura, que é a tocha que
nos ilumina”. Impossível não ouvir o ressoar das palavras de Martinho
Lutero, 100 anos depois, diante de um Concílio semelhante.
Finalmente, quando ameaçado
de ser lançado à fogueira, Jerônimo responde agora com a segurança de um
apóstolo Paulo e de um Policarpo: “Seria
minha vida tão preciosa para mim que me recusaria a entrega-la... por Aquele
que deu sua vida por mim?”.
Suas palavras não tiveram
efeito algum sobre as decisões do Concílio e Jerônimo ouve as acusações contra
ele e a consequente sentença de morte: 1) Que ele era um ridicularizador da
dignidade papal; 2) Um opositor do Papa; 3) Um inimigo dos cardeais; 4) Um perseguidor
dos prelados; 5) Alguém que odeia a religião cristã.
Declarado a sentença de
morte pelo fogo Jerônimo foi entregue ao poder civil: mas como ele era leigo,
ele não tinha que passar pela cerimônia de degradação, como foi o caso de Huss.
Todavia, seus algozes haviam preparado um chapéu em cone de papel e pintado com
demônios vermelhos, que foi colocado em sua cabeça, então ele disse: "Nosso Senhor Jesus Cristo, quando Ele sofreu
a morte por mim um pecador miserável, usou uma coroa de espinhos sobre Sua
cabeça, e por Deus vou usar este chapéu."
Ainda lhe foi dado mais dois
dias na expectativa de que ele se retratasse e o cardeal de Florença usou seus
esforços máximos para convencê-lo. Mas Jerome não fraquejou uma segunda vez,
resoluto sela suas teses reformistas com seu sangue; e ele enfrenta a morte com
magnanimidade distinta.
Ao ir para o local da
execução, ele cantou vários hinos, e quando ele veio ao local, que era o mesmo
onde seu amigo e compatriota João Huss houvera um ano atrás sido queimado, ele
se ajoelhou, e orou fervorosamente. Ele abraçou a estaca sem qualquer temor e
quando eles se aproximaram por trás para atear o fogo nos gravetos ressequidos
e encharcados de óleo, ele disse: "Venham
aqui, e acende-o diante dos meus olhos; pois se eu tivesse medo destas chamas,
eu não teria vindo para este lugar”. E no dia 30 de maio de 1416, enquanto
o fogo estava sendo aceso, ele cantou um hino, mas logo foi interrompido pelas
chamas; e as últimas palavras que dele pode ser ouvido foram: "Esta alma em chamas eu ofereço a ti, oh
Cristo". Como era mais robusto do que seu compatriota os gritos de
agonia de Jerônimo foram ouvidos por um tempo ainda maior.
Depois que Jerônimo morreu
suas cinzas, assim como ocorrera como as de Huss e de Wycliffe, foram lançadas
no rio Reno, como esforço para apagar qualquer vestígio destes homens. Mas como
declara o escritor de Hebreus: mesmo
depois de mortos ainda falam – esses homens permaneceram vivos na mente e
no coração de milhares boêmios e milhares de cristãos espalhados em toda a
Europa medieval e até os dias de hoje no século XXI. Os ensinos e verdade que
emanam da Bíblia e somente da Bíblia são inegociáveis e jamais poderão ser
silenciadas.
Talvez o mais interessante
seja a visão daqueles "homens eruditos" que, segundo um observador,
"estavam tristes por Jerome ter que
morrer, pois ele era um estudioso muito maior do que Hus". As opiniões
dessas pessoas, cuja principal preocupação aparentemente não era política nem
teológica, foram registradas para a posteridade por Poggio Bracciolini, um
humanista esteta de Florença, secretário de dois papas, e católico zeloso. Em
uma correspondência dirigida a Leonard Bruni, logo após os eventos em 23 de
maio de 1416, escrita ainda em Constança, deu amplo testemunho das
extraordinárias virtudes de Jerônimo a quem ele enfaticamente declara como
sendo um homem prodigioso! Em determinado trecho da correspondência ele
declara:
Devo confessar que
nunca vi alguém que, na defesa de uma causa, especialmente uma causa da qual
sua própria vida dependesse, chegasse tão perto daquele padrão de eloquência
antiga que tanto admiramos.
Foi impressionante
testemunhar com que palavras escolhidas, com que argumentos coesos, com que
confiança no semblante ele replicava a seus adversários. Tão marcante foi sua
peroração, que é motivo de grane preocupação que homem de tão nobre e excelente
gênio tenha se desviado para a heresia. Quanto a isso, contudo, não posso
deixar de ter minhas dúvidas. Mas longe de mim ousar decidir questão
sobremaneira importante. Aquiescerei com a opinião dos que são mais sábios que
eu..., mas ele se defendeu, com tanta graça, discrição e inteligência, que me
faltam palavras para descrever-te...Seu nome é digno de glória imortal...” [3]
Evidente
que as palavras elogiosas de Pogge se referem apenas aos aspectos oratórios e
argumentativos de Jerônimo e não há vestígio de qualquer concordância dele com
as teses do acusado, ainda que ele declare ter suas dúvidas sobre o processo. O
que torna ainda mais isenta suas opiniões pessoais sobre Jerônimo.
Assim
como o sangue dos primeiros mártires cristãos foi a sementeira do Evangelho no
primeiro século. A cinza ainda quente de Jerônimo e Huss incendiaram o coração
dos cristãos boêmios no século XV e como um abalo sísmico vai produzir
rachaduras irreparáveis nas estruturas politico-religiosa da Europa,
possibilitando o eclodir da grande Reforma Protestante no século XVI. É o próprio
Lutero que dá testemunho da importância dos eventos boêmios ao declarar “somos todos hussitas” em referência direta
da influência do movimento religioso produzidos a partir dos martírios de Huss
e Jerônimo.
ALMEIDA, Abraão de. A
Reforma Protestante: Edição Ampliada Comemorativa aos 500 Anos da Reforma
Protestante. Rio de Janeiro: CPAD, 2017.
ALMEIDA, JORGE. Panorama
da história do cristianismo. Clube de Autores, 2021.
AGUIAR, Thiago Borges de. Jan Hus: as cartas de um educador e seu legado imortal. (Tese Doutorado).
Programa de Pós-Graduação em Educação. Área de Concentração: História da
Educação e Historiografia. São Paulo Faculdade de Educação da Universidade de
São Paulo, 2010. [Orientadora: Profª
Drª Maria Lúcia Spedo Hilsdorf].
AGUIAR, Thiago Borge de e SILVA, Davi Costa da. - Identidade nacional na Boêmia do século XV
e a formação de uma paideia tcheca. Educ. Pesqui., São Paulo, v. 41, n. 02,
p. 309-324, abr./jun. 2015.
ARMESTO-FERNÁNDES, Felipe e WILSON, Derek. Reforma: o cristianismo e o mundo
1500-2000. Trad. Celina Cavalcante Falck. Rio de Janeiro: Record, 1997.
AZEVEDO, Leandro Villela de. As Obras Inglesas de John Wycliffe inseridas no contexto religioso de
sua época: Da Suma Teológica de Aquino ao Concilio de Constança, Dos
espirituais franciscanos a Guilherme de Ockham.(Tese Doutorado). São Paulo:
Universidade de São Paulo, 2010. [Orientador: Prof. Dr. Nachman Falbel].
DANIEL-ROPS. A
igreja da renascença e da reforma I: a reforma protestante. São Paulo: Ed.
Quadrante, 1996.
FOXE, John. O
livro dos mártires. Tradução de Almiro Pizetta. São Paulo: Mundo Cristão,
2005.
FUDGE, Thomas A. Jerome
of Prague and the foudations of the hussite movement. Oxford University
Press, 2016.
GONZALES, Justo L. Uma
história do pensamento cristão – de Agostinho às vésperas da Reforma.
Tradução Paulo Arantes, Vanuza Helena Freire de Mattos. São Paulo: Cultura
Cristã, 2004.
LOSERTH, Johann. Wiclif
and Hus. London: Hodder and Stoughton, 1883.
PESSOTTI, Isaias. Aqueles
cães malditos de Arquelau. Rio de Janeiro: Editora 34 ltda, 1993, [2005, 5ª
edição].
Artigos Relacionados
Protestantismo: Os Quatro João (John) da Reforma
REFORMA 500 ANOS – John Wycliffe
https://historiologiaprotestante.blogspot.com/2017/04/reforma-500-anos-john-wycliffe.html?spref=tw
Protestantismo - Boêmia a Terra Fecundadora das
Reformas... https://historiologiaprotestante.blogspot.com/2018/07/protestantismo-boemia-terra-fecundadora.html?spref=tw
John Wycliffe e a Crítica à Igreja Institucionalizada https://historiologiaprotestante.blogspot.com/2017/04/john-wycliffe-e-critica-igreja.html?spref=tw
REFORMA RELIGIOSA: Por que Ocorreu no Século XVI
[1] Após a Primeira Guerra Mundial formou
a então Tchecoslováquia composta pelas regiões da Boêmia, Morávia, Silésia e
Lusácia.
[2] Sua biografia pode ser reunida
principalmente a partir dos dois principais conjuntos de registros de
julgamentos, a que foi submetido, o de Viena entre 1410 e 1412 e de Constança
em 1415 e 1416.
[3] A integra desta carta longa pode ser
encontrada na obra de Thomas A. Fudge, no Anexo 12, conforme referência
bibliográfica abaixo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário