A cópia mais antiga ilustrada da Bíblia é conhecida como os “Evangelhos de Garima”, em um mosteiro no norte da Etiópia (aprox. 330 e 650 d.C.). |
O conhecimento que recebemos da História do Cristianismo é extremamente limitado e restritivo à perspectiva Ocidental e pouco sabemos sobre o Cristianismo Oriental, visto que houve a grande ruptura eclesiástica (1054 d.C). Mais lamentável ainda é a nossa total ignorância histórica do Cristianismo Africano, agravado pelo fato de que muitos dos grandes expoentes da ortodoxia cristã tem suas origens neste Continente (Orígenes, o alexandrino; Tertuliano, o norte africano, sem falar de Agostinho e Atanásio dois pilares do pensamento cristão) e onde nos dias atuais é simultaneamente a região global que mais cresce e que mais sofre o cristiani(cídio) cínica e covardemente ignorado pela mídia ideológica e convenientemente abandonado à própria sorte pelas lideranças cristãs do Ocidente e Oriente.
O motivo da escassez de informações
históricas canônicas e também seculares desta imensa região do globo terrestre
não são indicadas com clareza, como tão bem sintetiza Helmut Koester: “Não
se esclarece por que as notícias sobre a época primitiva do cristianismo no
Egito [amplio África] são tão escassas, enquanto que as tradições cristãs de
Síria, Ásia Menor e Grécia, ainda que incompletas, são o suficientemente ricas
e diversificadas...” (1988, pp. 742-744). Existem pelo menos três grupos
que contribuíram para o florescimento do cristianismo na África: os judeu-cristãos,
os cristãos-helenísticos e os cristãos-coptas (egípcios).
Percebe-se que há um esforço muito grande
para se esconder a rica história da vertente cristã africana. Os grandes
personagens mencionados acima são normalmente citados sem se fazer um link com
suas etnias africanas, de maneira que se passa a falsa impressão de que eles
são todos “europeus”.
Nas páginas do livro de
Atos composto pelo evangelista Lucas como a segunda parte do seu volume
inicial, encontramos um registro peculiar – a evangelização e subsequente
batismo de um oficial etíope (At 8.26-39). Todavia, no que tange a
interpretação e estudos neotestamentário, o registro lucano do encontro de
Filipe com esse graduado oficial etíope é um dos relatos mais esquecidos. Estudos
focados diretamente nesta passagem são escassos, de modo que, precisa ser
melhor estudado e mais valorizado, visto entendermos que nenhum registro nas
Escrituras é destituído de valor.
A narrativa em si já se
reveste de peculiaridade. Lucas faz um longo registro do debate do diácono
Estevão com as autoridades máxima do judaísmo e que produzira o primeiro mártir
cristão, tendo como consequência direta o primeiro êxodo cristão a partir de
Jerusalém, provocada, não pelas autoridades romanas, mas pelas autoridades
judaicas, representada em sua instância maior o Sinédrio.
Na sequência o historiador evangélico passa
a relatar o primeiro grande avivamento evangelístico que está ocorrendo na
região vizinha Samaria pela instrumentalidade de Felipe outro diácono (8.5-25),
de maneira que Lucas está seguindo o arcabouço por ele estabelecido no início
desta sua obra (1.8). Mas na sequência de sua narrativa Lucas faz um recorte e
passa ao registro do envio, pelo Espírito Santo, de Felipe para uma estrada
deserta em direção a Gaza e ali ele vai evangelizar e batizar um oficial
etíope, no período da regência de Candace, e que após ser batizado, tomado de
grande alegria “ continuou o seu caminho”, pois estava retornando ao seu
país – mas agora sendo portador das boas novas do Evangelho, lembrando que
antes de serem chamados “cristãos” os discípulos eram chamados os “do
caminho” – portanto, esse homem convertido se constitui no primeiro
evangelista cristão na Etiópia, que naquele período se constituía em um dos
países mais relevantes no Continente Africano.
A ênfase de Lucas nesse aspecto é reforçada
pelo fato de que a cena seguinte é a conversão de Saulo de Tarso, em sua marcha
para Damasco para prender cristãos, e que será constituído pelo próprio Senhor
Jesus, o missionário para os povos gentios, mas, Saulo/Paulo permanecerá dentro
das fronteiras do Império Romano, todavia, o Espírito Santo vai convertendo
seus missionários e os enviando à todas as nações, incluindo a Etiópia e por
consequente o Continente africano; o Espírito Santo é quem estabelece a agenda
missionária mundial de maneira que o Etíope e Paulo são igualmente seus
instrumentos.
Desta forma textualmente é possível
afirmarmos que o contexto mais amplo (6.1-11.9) se constituiu em um bloco
literário, uma vez que as narrativas se comunicam entre si estabelecendo uma
inter-relação textual, oferecendo aos leitores uma perspectiva além dos fatos
compartilhados unitariamente. O que também nos faz rejeitar as propostas
daqueles que transformam esse livro e todas os demais literaturas bíblicas, em
cochas de retalhos coladas e remendadas ao bel prazer dos escribas e amanuenses
no tramitar dos tempos. O escritor Lucas tem uma proposta muito clara esboçada
no início de sua obra e a segue com afinco, conectando os fatos históricos por
ele selecionados, e assim, constituindo um texto único bem elaborado.
O fato de que Lucas encerra a narrativa de
Atos de forma inconclusiva tem estimulado alguns comentaristas a pensar que ele
pretendia escrever um terceiro volume, onde haveria de continuar o seu registro
da expansão do cristianismo além fronteiras do Império Romano, o que poderia
incluir a Etiópia e demais nações africanas. A expressão com que Lucas conclui
a narrativa de Felipe-Etíope “continuou seu caminho” possibilita a
interpretação de que ele tem a expectativa e/ou conhecimento de que o Evangelho
chegara ou chegou efetivamente àquela região africana. Uma vez que ele conclui esse
segundo volume entre cinco ou mais anos depois dos fatos registrados é
plausível supor que ele tenha obtido informações orais e até mesmo documentais
dos desdobramentos dos fatos aqui compartilhados em Atos.
Qual a razão pela qual
Lucas registra em detalhes esse acontecimento pessoal e peculiar deste etíope?
Quais as implicações desse fato para a História do Cristianismo Africano? Que
subsídios históricos existem deste acontecimento no desenvolvimento do
cristianismo africano?
Análise da Narrativa Lucana
O livro de Atos tem um
valor intrínseco, pois é o único no cânon neotestamentário de cunho histórico.
Lucas tem a perspectiva de um historiador de maneira que seu propósito é oferecer
ao “excelentíssimo Teófilo” informações seguras a respeito do progresso do
cristianismo nos anos subsequentes à morte e ressurreição de Jesus Cristo, conforme
apresentado e concluído em seu primeiro volume evangélico.
Ele define seu esquema geográfico
narrativo já nas primeiras linhas: “Mas quando o Espírito Santo descer sobre vocês,
então receberão poder para testemunhar com grande efeito ao povo de Jerusalém,
de toda a Judéia, de Samaria, e até aos confins da terra,
a respeito da minha morte e ressurreição" (Atos 1.8 Bíblia Viva
– sublinhado meu). Todos os movimentos da narrativa lucana estão dentro desta
proposta conforme esboço simples abaixo:
- Propagação em Jerusalém (1-7)
- Propagação na Judéia e Samaria (8-12)
- Propagação aos extremos do Império (13-28).
A perícope do Etíope está dentro
desta visão geográfica progressiva da narrativa lucana, mais do que a capital
do Império Romano é a Etiópia que mais se ajusta “aos confins da terra”,
o que reforça a ideia de que ele pretendia escrever um terceiro volume.
Nesta passagem (8.26-39) os termos
predominantes são “caminho” (vs. 26, 36, 39), pelo “Espírito” (v. 29)
referindo-se ao Espírito Santo e o verbo “anunciar” (v. 35), mas podemos
incluir o termo “evangelizava” (vs 25 e 40) que fazem a função de moldura desta
perícope.
Ao destacar que Felipe foi comunicado por um anjo para ir
especificamente a um local “vai para a banda do sul, no caminho que desce de
Jerusalém a Gaza”,[1] o
historiador tem plena consciência de que este é o caminho[2]
que conduz à região africana. Nos dias de Lucas o centro de estudos geográficos
estava na Grécia:
Na antiguidade clássica, a terra
habitada era retratada como um disco rodeado pelo "Mar
Exterior"(ώκεανός). “Os confins da terra” (τά œσχατα τής γής) referidos,
como WC van Unnik tem mostrado, aos pontos mais distantes na borda do disco,
por exemplo, o Ártico ao Norte, Índia a leste, Etiópia a sul e Espanha a
oeste. 15 Uma pesquisa de computador que eu fiz da frase no Thesaurus Linguae
Grecae confirma totalmente as descobertas de van Unnik. A expressão tem esse
significado na Septuaginta e nos escritores patrísticos (muitas vezes citando a
Septuaginta), onde a frase aparece com mais frequência na literatura grega. Foi
usado da mesma forma nos escritores clássicos e, aparentemente, mantiveram esse
significado geográfico do século V aC até o sexto século DC (ELLIS, 1991,
pp. 123-132 [sublinhados meu] – o autor da citação opta pela Espanha
como alvo da narrativa lucana; mas neste texto especifico de Atos defendo a Etiópia
como a referência aos “confins da terra”, pela utilização na perícope da figura
central do Etíope).
Outro aspecto muito interessante é
que o contexto narrativo de Lucas entrelaça três acontecimentos tematicamente similares:
a “conversão” dos samaritanos, perícope antecedente; a “conversão” do etíope e
a “conversão” de Saulo/Paulo, perícope posterior, de maneira que neste arranjo
literário a narrativa do etíope é o ponto de convergência. Deste modo, podemos concluir que a narrativa
do Etíope não é apenas uma nota de rodapé, como é tratado pela maioria dos
comentaristas, ou incidental, mas um fato relevante para o historiador Lucas. O
avivamento evangelístico dos samaritanos e a conversão de Paulo são dois rios
cujas correntezas chegam à cidade de Antioquia, que se constitui na maior base
missionária do cristianismo aos povos não judeus dentro do Império Romano.
Mas dentro da providência divina, e o livro de Atos é denominado
por alguns comentaristas como “Atos do Espírito Santo” visto haver 59
referências à Terceira Pessoa da Trindade, escolheu esse oficial etíope para
levar a mensagem do “Servo de Yahweh” isaiano (40-55) cumprido em Jesus Cristo
(Messias) morto e ressurreto (Servo Sofredor 52.13-53.12) às terras mais
distantes como o Continente Africano, bem como os demais pontos cardeais do
planeta. Essas ações do Espírito Santo é a realização da ordem final de Jesus a
todos os seus discípulos em todas as épocas – ide e pregai esse evangelho a
todas as nações, povos e etnias da terra, que por sua vez é o cumprimento
literal da profecia de Isaías (49.6) “até as extremidades da terra”.[3]
O Etíope e as Origens do Cristianismo no Continente Africano
O texto didaticamente nos traz as
informações básicas de quem é esse Etíope eunuco,[4] o que ele estava fazendo
em Jerusalém e o que estava lendo.[5]
O texto deixa claro também que não se
tratava de um viajante comum e corriqueiro, mas de um alto funcionário[6] de Candace[7] da Etiópia, um reino
relevante naquele tempo para o escritor e seus leitores; este Etíope tinha
conhecimento da Torá e mais especificamente da literatura profética-messiânica
de Isaías, possuindo inclusive os pergaminhos (rolos) deste profeta,[8] que somado à informação de
que viajava em uma carruagem indica que era um homem de posses. O fato de ele
viajar para Jerusalém, para adorar, indica que ele era um judeu da diáspora, um
prosélito[9] ou um temente a Deus.[10]
Então a Felipe lhe é ordenado, a ação verbal
está no imperativo, que se aproxime e acompanhe, bem próximo, a carruagem, de
maneira que pudesse ter acesso ao viajante e este a ele, possibilitando o
início de um diálogo. A proximidade permitiu que Felipe ouvisse, a leitura em
voz audível era muito comum naqueles tempos, que o viajante estava lendo uma
passagem do profeta Isaias, o que proporciona a Felipe fazer-lhe a pergunta
inicial que produzira o diálogo: “você está compreendendo o que lê?” A
simples leitura de textos bíblicos não implica necessariamente que o leitor
esteja entendendo a mensagem neles contidas.
A resposta do Etíope abre a oportunidade
para que Felipe possa expor-lhe as escrituras (messiânicas) a partir de Isaías
(53) e conecta-lo com tudo que tinha acontecido em Jerusalém em relação a Jesus
Cristo que havia sido morto, mas ressuscitara ao terceiro dia e desta forma
cumprindo as prerrogativas do Messias sofredor ao qual se refere as profecias
de Isaías.[11]
Esse é o centro de toda a perícope – anunciou-lhe a Jesus a partir dos
sujeitos que a interpelam. É possível compararmos o modo como Filipe anuncia
Cristo ao Etíope com a abordagem com a qual Jesus se auto revelou através das
Escrituras aos discípulos de Emaús (Lc 24.27)[12]. Filipe já não lhe fala
do Messias, mas de Jesus; como uma alusão ao destino do “Filho do Homem” (Lc 9.22;
Mt 16.21; Mc 8,3).
Os versos seguintes completam a dinâmica
cristã – uma vez entendido e declarado a fé em Jesus Cristo – passa-se ao
batismo (vs 37,38)[13], pois todo novo
convertido participa efetivamente da morte e ressurreição de Jesus Cristo.
No verso 39 ambos retomam suas atividades,
Felipe retoma sua missão evangelística em Azoto e arredores, até chegar a
Cesaréia e o Etíope retoma seu caminho de volta à sua nação, mas além de suas
atividades oficiais, agora ele também tem as “boas novas” para compartilhar à
sua rainha e todos os moradores da Etiópia.
A Igreja Cristã na Etiópia
Esse artigo, por suas
próprias limitações, não têm a pretensão de abordar tema tão abrangente, mas
apenas fazer referências que possam contribuir e estimular uma melhor
compreensão e reflexão do desenvolvimento do cristianismo além das fronteiras
Europa e Ásia Menor que perfazem o entorno geográfico das literaturas
neotestamentária. E, como dito no início do texto, resgatar a relevância do
cristianismo no Continente Africano, que tem sido ignorado pelas vertentes
cristãs Ocidentais.
Início com a opinião abalizada de Maguckin:
O
cristianismo no continente africano começa sua história, principalmente, em
quatro locais distintos: Alexandria e Copta Egito, a região norte da África em
torno da cidade de Cartago, Núbia e as estepes da Etiópia (p. 30, 2011).
Etiópia o Segundo Éden
Uma das primeiras dificuldades para
tratarmos dos primórdios da igreja na Etiópia está na própria localização desta
nação que em períodos tardios chegou a ser confundida com a Índia, visto que
ambas as nações, no imaginário greco-romano era os “confins da terra”, o
último bastião da civilização, antes da barbaria.
Foram os gregos que a denominaram
pejorativamente “Etiópia” que significa “rostos queimados e/ou rostos em fogo”.
Todavia, sua cultura expressa a beleza e o encanto de sua geografia, de maneira
que se tornou conhecida como “uma terra de leite e mel”, uma espécie de
segundo Éden, não sem razão visto que juntamente com o Quênia, foram os
primeiros lugares em que os pés da primeira geração humana caminharam e
habitaram. Seus habitantes sempre se constituíram em um extraordinário mosaico
humano.
Uma grande maioria de estudiosos explicam as
origens da civilização etíope partindo da vinda dos imigrantes da Arábia do Sul
que inicialmente se estabelecem na cidade costeira de Adulis, no Mar Vermelho,
e na cidade de Aksum (Axum) ao norte em busca de comércio no século 5 a.C.,
entretanto a civilização etíope já era muito mais antiga e muito mais
estabelecida do que antes destes colonizadores a invadirem (como no caso do
Brasil que os portugueses “descobriram” e das civilizações Incas e
outras que foram dizimadas pelos invasores espanhóis em toda América Latina).
Outro aspecto relevante é que seu idioma comum
é chamado “cuxítica”,[14] de maneira que encontra
uma ligação forte com o personagem bíblico Cuxe em Gênesis.[15] É possível encontrar
elementos desta cultura cuxitas na arquitetura das primeiras igrejas ortodoxas
desta região, bem como em cerimônias e expressões artísticas religiosas. Sua
linguagem eclética e rítmica denominada Ge’ez (Etíope) exibem raízes cuxíticas,
que biblicamente conectam a Etiópia com o território de Cuxe.
Na História Hebraica (1200 - 500 a.C.) há
diversas referências a Etiópia na Torá (Bíblia Hebraica) em seu primeiro e mais
antigo livro, Gênesis (2.13), é colocada em um contexto geográfico a partir do
Éden; José
se casou com uma mulher etíope (Gênesis 41.50-52), e os seus dois filhos
(Manassés e Efraim, dupla nacionalidade) se tornaram líderes de tribos
judaicas. Moisés se casou com uma mulher etíope (Números 12.1) e o pai dela Jetro,
um etíope, foi um conselheiro de Moisés (Êxodo 18.1-12). Diferentemente dos
povos canaanitas, aos israelitas não foi proibido o se casarem com mulheres cuxitas/etíopes
(Êxodo 34.11,16). Jeudi (significa judeu), um secretário na corte do rei
durante o tempo de Jeremias, era um descendente de Cuxe/Etiópia (36.14, 21,
23). O nome do avô de Jeudi (Cuxe) literalmente significa “negro” se refere a
uma pessoa de descendência africana. O profeta Sofonias também possuía descendência
cuxita (1.1).
A Etiópia (Cuxe) é uma das terras às quais os
exilados judeus foram espalhados após a conquista babilônica de Judá e que
haveriam de serem trazidos de volta (Is 11.11,12). Portanto, não seria nenhum
absurdo que este oficial etíope tenha tido contato com pessoas de cultura e
religião judaicas na sua região, ou talvez no Egito, onde havia se formado as
maiores colônias fora da Palestina. Partindo destas primícias sua cópia do rolo
de Isaías provavelmente era da Septuaginta grega, originalmente feita em
Alexandria, no Egito. Visto que o reino etíope ficara parcialmente helenizado,
a partir do tempo de Ptolomeu II (308-246 AEC), não era incomum que este
oficial soubesse ler a língua grega. Vindo a ser um prosélito ou um temente a
Deus, e sua subsequente conversão ao cristianismo, se ajusta perfeitamente às
palavras do Salmo 68.31, cujo contexto é o reconhecimento de Yahweh por todos
povos da terra.
Esta ligação umbilical da Etiópia/Cuxe adentra as narrativas
neotestamentária. Por inferência temos Simão o Zelote, cananeu, portanto, descendente
de Cam (Mateus 10.4), que dará origem aos Cuxitas/Etíopes; Simão de Cirene, uma
cidade que ficava localizada no norte da África, ajudou Jesus a carregar a cruz
(Mateus 15.21). Foram alguns cireneus, que se converteram no dia de Pentecostes,
que chegando na cidade de Antioquia anunciaram o evangelho aos de língua grega
(Atos 11.20); Apolo, originário de Alexandria (África), foi tutelado pelo casal
judeu Priscila e Áquila e companheiro missionário de Paulo, tendo pregado nas
comunidades cristãs de Éfeso e Corinto. Simeão Níger (o Negro) e Lúcio de
Cirene (cf. acima) foram líderes na igreja de Antioquia da Síria (Atos 13.1),[16] onde
os discípulos foram, pela primeira vez, chamados cristãos. (Atos 11.26). Os
Sírios etnicamente eram negros. Foi na Antioquia da Síria que Lúcio e Simeão
ordenaram e comissionaram o apóstolo Paulo para o ministério do evangelho (Atos
13.2,3).
As relações entre a Etiópia e Jerusalém
compreendem uma das rotas mais antigas conhecidas pelos africanos por mar e
terra.[17] Um dos primeiros grandes
centros comerciais se formou na cidade de Axum (Aksum),[18] na mesma proporção que os
comerciantes da Arábia do Sul ali foram se estabelecendo.
Na história grega poucas nações ou povos são
tão mencionadas em seus registros como a Etiópia e de forma elogiosa. Nos textos
antigos de Homero (800 a.C.) Ilíada e Odisseia; Heródoto (490-425) chamado “pai
da história (europeia) cita com frequência a Etiópia (Histórias, Livro II,
aprox. 440 a.C.); no período romano (1-200 a.C.) o termo Etiópia começou a ser
relacionado em termos raciais englobando todos que tinham pele negra e cabelos
grossos e enrolados (Cláudio Ptolomeu [90-168 a.C.], Tetrabiblos (grego) ou o
Quadrapartitium (latim) que significa “Quatro Livros”).
O ge'ez (gueês), também chamado de etíope, é
uma antiga língua semítica que se desenvolveu na atual região da Eritreia e
norte da Etiópia no Chifre da África, como a língua dos camponeses.
Posteriormente a língua ge’ez veio a se tornar a língua oficial do Reino de
Axum e da corte imperial da Etiópia. Ainda nos dias atuais o ge'ez permanece
como língua litúrgica da Igreja Ortodoxa Tewahido da Etiópia, da Igreja
Ortodoxa Tewahido da Eritreia, da Igreja Católica Etíope, da Igreja Católica
Eritreia e também da Beta Israel (judeus etíopes).
Considerações Finais
A história de fundação do cristianismo na
Etiópia mais historicamente substancial é a dos irmãos sírios Frumentius e
Aedesius no século IV d.C., pois foram os primeiros a cristianizar uma corte
real da Etiópia. Uma estratégia que teve sucesso em muitos lugares, todavia, ao
não constituírem um cristianismo autóctone que pudesse perenizar o cristianismo
nas diversas camadas sociais, depois de 1.100 anos, a Igreja Ortodoxa Núbia, ao
sul, praticamente desapareceu quando a corte real substituiu o cristianismo
pelo islamismo como religião oficial.
Entretanto, à margem do registro
histórico-arqueológico, os fiéis cristãos ortodoxos etíopes têm uma variedade de
“histórias de fundação” próprias, sendo a mais conhecida a história do eunuco
etíope registrado por Lucas em Atos (8.26-40), conforme apresentado neste
artigo. O texto histórico lucano apenas atesta que a presença de “prosélitos
e/ou tementes a Deus” etíopes em Jerusalém já era um fato estabelecido no
cotidiano da época de Jesus, de maneira que as literaturas proféticas judaicas
relacionadas ao Messias eram conhecidas por essas pessoas.
O sucinto levantamento aqui apresentando corrobora
ao menos em tese de que existe fortes indícios e embasamentos para se buscar
uma origem primária para o desenvolvimento de comunidades cristãs autóctone Etíope,
evidentemente não dentro dos parâmetros estruturais revelados em Atos, nas
comunidades estabelecidas por Paulo e seus companheiros e sendo esta uma razão pela
qual tenha proliferado uma diversidade de correntes teológicas distintas das
vertentes advinda da Ásia-Europa-Palestina e que vai desembocar nos grandes
embates teológicos nos séculos posteriores, quando então haverá de se estabelecer uma
ortodoxia cristã dogmática.
Utilização livre desde que citando a fonteGuedes, Ivan PereiraMestre em Ciências da Religião.me.ivanguedes@gmail.comOutro BlogReflexão Bíblicahttp://reflexaobiblica.spaceblog.com.br/
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VV. AA. Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento. São
Paulo: Vida Nova, vol. 1,2a Edição. 2000.
VV. AA. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento. São
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[1] A expressão em direção “sul” é uma
palavra grega (kata mesēmbria) que pode indicar um marcador temporal “meio-dia”,
sendo o caso aqui significa que Felipe foi enviado para uma estrada vazia em um
momento improvável do dia. Gaza era o principal centro da rota das caravanas
para o Egito.
[2] Em grego “hodos” - que também poderia ser
traduzido como “estrada” e, também é a palavra que dá ao livro de Êxodo seu
nome: “ex-hodos”, a saída.
[3] Ao citar as palavras do Servo do Senhor Lucas faz uma alusão
consciente onde a frase tem uma conotação geográfica: “Eu vou te dar como
uma luz para os gentios Que minha salvação possa alcançar Até o fim da terra
(έσχάτου τής γής)”.
[4] Não tenho espaço para discutir nesse texto
a questão do termo “eunuco”, portanto, parto do pressuposto que aqui não se
trata de um homem castrado, ainda que seja um de seus significados, mas de um título designado,
conforme textos em ambos os testamentos, a altos funcionários de um reino e da
mais alta confiança de seus respectivos governantes. (cf. verbete: TDNT, v.2 p.
766-7).
[5] A passagem de Isaías citada nos vv. 32-33 é
Isaías 53.7-8; mas podemos relacioná-la com Isaías 40.3-5, citado nas
narrativas do batismo; e Isaías 56, que menciona especificamente os eunucos
como pessoas que estarão entre "todos os povos" para quem a casa de
Deus é uma casa de oração (um dos versículos para memória do próprio Jesus (Mc
11.17, somente ele registra o verso completo “para todas as nações”; Mt 21.13,
Lc 19.45).
[6] Os comentadores tendem cada vez mais a
traduzir a palavra eunuchos, usada em Atos, por "chanceler", que no
reino de Núbia significava administrador do tesouro. Guardando semelhança com a
posição de José em relação à Faraó como responsável por todos os tesouros
egípcios.
[7] No período greco-romano Etiópia (Meroe) era
conhecida por ter sido governada por uma linhagem de Candaces (Kandake), ou
rainhas-mães. Um clássico escritor romano (Calistenes) deixou registrada sua
admiração pelas Candaces, que de acordo com ele, eram mulheres fortes e de uma
sabedoria ímpar.
[8] É possível que ele houvesse adquirido uma
cópia dos manuscritos em Jerusalém e tenha começado a ler desde o início de sua
viagem, mas nada inviabiliza que ele já possuísse estes pergaminhos antes de viajar
a Jerusalém. O fato do texto citado em Atos corresponda à versão da Septuaginta
(grega) e não ao texto hebraico, implica em que ele de fato não seja um judeu
por nascimento, ainda que os judeus da diáspora preferissem a tradução grega
para suas leituras pessoais. Lembrando que a primeira versão da Septuaginta foi
produzida em Alexandria (África).
[9] Um gentio (não judeu) que adotava o
judaísmo, observavam toda a lei de Moisés, inclusive a circuncisão.
[10] Um não-judeu que partilhava a fé de Israel
sem a necessidade de se submeter a circuncisão. Se de fato o termo “eunuco” seja
uma referência à castração, ele não poderia ser um “prosélito”, pois as leis
levíticas o impediriam de vários exercícios cúlticos, incluindo a proibição de
sua entrada no templo, o que reforça a ideia de que fosse um “temente a Deus”
ou talvez um membro de uma lendária comunidade judaica na Etiópia.
[11] Muitos comentaristas
concordam que este texto especifico de Isaías (53) era dos mais conhecidos das
comunidades cristãs iniciantes e tornou-se o preferido nas pregações para
conectar as profecias veterotestamentária com os acontecimentos da Paixão (cf.: Mt 8.17; Lc 22.37; At 3.13-26; 4.27-30; Rm 10.16;
1Pe 2.21-24;).
[12] PERVO (2008, p. 219) coloca em paralelo as
duas perícopes, o que facilita em muito a comparação dos dois relatos (Lucas
24.15-32; Atos 8.30-39).
[13] O verso 37 não consta nos principais manuscritos.
[14] Existem oito grupos claramente reconhecidos
de idiomas que são ou costumam ser incluídos na família cuxítica, entre elas o sidamo, falado
na Etiópia, com cerca de 2 milhões de pessoas.
[15] Na tradição bíblica, Cuxe e/ou Cus, foi um dos
filhos de Cam que se estabeleceu no nordeste da África. Na Idade Antiga e na
Bíblia, uma grande região conhecida como Cuxe abrangia o norte do Sudão, o sul
do Egito e partes da Etiópia, Eritreia e Somália, e os termos Etiópia e Cuxe eram
usadas como sinônimas.
No período da antiguidade clássica os gregos passaram a
denominar de "Etiópia" e não "Cuxe (Cus)" toda essa região e
etnias nela contida.
[16]
Não confundir com a Antioquia da Pisídia (At 13.14)
[17] A distância entre Jerusalém e Etiópia de 4205 Km por
estrada.
[18] A cidade de Axum foi aparentemente fundada
por volta de 100 d.C., mas a região circundante é habitada há milênios.
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