O Nascimento e Crescimento
O cristianismo emerge lentamente do judaísmo. Os
primeiros cristãos são judeus, frequentam o Templo, pregam nas sinagogas e o
esforço inicialmente evangelizam os judeus. Somente posteriormente com
Saulo/Paulo de Tarso o foco da pregação cristã serão os gentios. Somente após a
queda de Jerusalém com a destruição do Templo é que será cada vez mais nítida a
distinção entre o judaísmo e o cristianismo, de maneira que ao adentrar o segundo
século o cristianismo sua trajetória histórica independente.
Por volta do ano 30/33, em abril, Jesus morre crucificado e ao terceiro
dia ressurge dentre os mortos na cidade de Jerusalém. Sua morte produziu um impacto violento na vida
de seus discípulos que com ele haviam andado por toda Palestina judaica
anunciando a mensagem evangélica do Reino de Deus e do arrependimento para a
salvação e a vida eterna. Toda esperança que os alimentara por três anos entra
em colapso. Tomados pelo pânico seus discípulos se escondem, com medo de serem
perseguidos pelas autoridades judaicas que viam em Jesus um grande perigo para sua
instituição religiosa ou presa pelos romanos, que não gostam de agitadores
judeus. Mas na medida em que sua ressurreição vai sendo aferida pelos seus discípulos
e demais testemunhas, sua confiança e esperança vão se manifestando em suas
pregações cada vez mais ousadas e intrépidas, cumprindo o que Jesus lhes havia
ordenado – que anunciassem o Evangelho!
Após a festa do Pentecostes conversões em massa começam acontecer em
Jerusalém e se estendem pela Judéia e Samaria. Os primeiros estrangeiros
(gentios) começam a serem inseridos nas comunidades cristãs, como o centurião
Cornélio e todos de sua casa. Entretanto, nem os mais otimistas dos
observadores daqueles primeiros anos poderia imaginar que o cristianismo
pudesse vir a ser a potência que se tornou ao longo dos séculos.
No entanto, a distinção
definitiva do cristianismo em relação ao judaísmo de onde havia inicialmente
surgido será um processo lento e doloroso. Ainda nos dias de Jesus, o judaísmo é
caracterizado por suas divergências e seitas - como os saduceus, os fariseus,
os essênios e zelotes – que interagem uns com os outros, muitas vezes
desprezando ou ignorando. O movimento de Jesus em pouco menos de três anos
atraiu uma multidão de seguidores para compartilharem de sua visão de Deus e da
Torá.
Além disso, a pregação (kerigma) apostólica é que Jesus veio para cumprir
todas as profecias escatológicas messiânicas anunciadas e preservadas nos
escritos dos profetas, que acalentou toda a esperança do coração dos oprimidos
judeus durante dois séculos, que viviam sob a tutela das potências
estrangeiras.
Em um primeiro momento os primeiros cristãos não tinham qualquer
preocupação em se distinguirem dos demais judeus e iam ao Templo para fazerem
suas orações, permaneceram na cidade de Jerusalém para anunciarem as boas novas
evangélicas. Reúnem-se nas casas para compartilharem seus ensinos e ritos
peculiares, como a ceia por exemplo. Pedro assume a liderança do grupo
apostólico e as comunidades cristãs se multiplicam por toda grande Jerusalém –
então surgem os primeiros conflitos com as autoridades judaicas.
O diácono Estevão, de origem helenista, que vivera fora da Palestina em
decorrência da Diáspora, trava um debate com as autoridades judaicas resultado
de sua condenação pelo Sinédrio e posterior apedrejamento às portas da cidade
(35 d.C.). Expulsos de Jerusalém, os cristãos, principalmente helenistas, não
vão ficar parados: eles fundaram comunidades em Antioquia, Chipre, Fenícia,
Damasco e serão os primeiros a anunciarem a mensagem evangélica aos povos
estrangeiros.
Enquanto isso, Saulo de Tarso, um judeu nascido na Cilícia (atual
Turquia), estudante da cultura helenística e com cidadania romana, se dispõe a
caçar esses hereges do judaísmo, pois ele é extremamente zeloso da Torá e do
Templo. Munido de autoridade e documentos ele inicia suas atividades em
Jerusalém e adjacências, logo percebe que precisa atingir os focos cristãos que
se espalham foram da Palestina judaica.
Um dia, quando ele empreende uma viagem para cidade de Damasco com o
propósito de dispersar uma comunidade cristã recentemente criada, o próprio Jesus
Cristo ressurreto lhe aparece (...) não sabemos muito sobre a conversão do
perseguidor, que inclusive havia sido a autoridade representante do Sinédrio no
apedrejamento do diácono Estevão. De qualquer forma esse Saulo haverá de
se constituir em o Apóstolo Paulo e que agora vai usar o seu zelo no serviço do
Evangelho.
Após um período na Arábia coube a Barnabé buscar Saulo e inseri-lo na
comunidade de Antioquia, que vai se constituir na base missionária do
cristianismo para alcançar a Ásia Menor nos anos 40. A estratégia deles é
adentrar primeiramente nas Sinagogas judaicas, mas o resultado normalmente é
frustrante e não poucas vezes foram hostilizados e perseguições pelos judeus. Ao
serem expulsos das Sinagogas pregavam então aos moradores das cidades onde
estavam e que recebem a mensagem cristã de forma positiva.
Ao retornarem da primeira viagem missionária, para a base em Antioquia,
e compartilharem a boa recepção por parte dos estrangeiros e da forte rejeição
dos judeus, Paulo e Barnabé são confrontados com a chegada a esta cidade de
cristãos advindos de Jerusalém (judaico-cristã) que proclamam a necessidade da
circuncisão para a salvação. O conflito gera a necessidade de se reunir as
lideranças cristãs na Igreja de Jerusalém, que goza de grande autoridade. Tiago,
irmão de Jesus, aparece neste momento como o líder carismático e indiscutível
desta Igreja. Durante este primeiro Concílio, realizado por volta do ano
49, respaldada por Tiago, Pedro e João sai a resolução apoiando a tese de Paulo
e Barnabé de que não há necessidade de colocar sobre os novos convertidos o
peso do judaísmo, estabelecendo alguns poucos pontos que serão comuns a todos. Esta
é a primeira ruptura com a comunidade judaica, o primeiro sinal de
independência da religião que está nascendo.
A década de 60 trás uma série de eventos que colocam em perigo o
Cristianismo nascente: Tiago é morto; em 64, Nero desencadeia perseguições contra
os cristãos na cidade de Roma; provavelmente nessa onda de violência
religiosa/racial Pedro e Paulo são mortos. Em 70, é o drama maior dos
judeus, mas também o marco da ruptura definitiva entre judaísmo/cristianismo: a
revolta judaica contra os ocupantes romanos, iniciada em 66, levou à queda de
Jerusalém e a destruição do Templo pelos exércitos do general romano Tito. A
Igreja de Jerusalém perde sua relevância.
Quanto aos judeus, eles cerram fileiras em torno da escola judaica de
Jâmnia. Impõe o judaísmo rabínico que sobrevive até hoje. Por volta
do ano 90, a escola rejeitou outros movimentos judaicos discordantes. Os
cristãos judeus são definitivamente eliminados do mapa do judaísmo. Não
temos muitos documentos que possam reconstruir os eventos que levaram os
cristãos a encontrar sua própria identidade após o drama do ano 70.
Segundo alguns pesquisadores a literatura cristã do primeiro século, no
entanto, sugere que no ano de 100, a consciência de uma identidade cristã já é
preeminente. No entanto, somente em meados do segundo século, com o florescimento
das primeiras obras teológicas cristãs é que o Cristianismo assume de fato sua
autonomia religiosa. Até então, o Cristianismo é mais um estilo de vida do que
uma religião no sentido estrito.
Sucinta Cronologia do Primeiro Século da Igreja Cristã
-6 a -4
|
Nascimento de Jesus
de Nazaré
|
-4
|
Morte do rei
Herodes, o Grande
|
Por volta de
27-30
|
Jesus pregando na Judéia e da Galileia
|
30 de abril ou
abril 33
|
Morte de Jesus
|
Por volta de
35-36
|
Martírio de Estêvão, a perseguição
contra os cristãos helenistas
|
Cerca de 37
|
A conversão de
Paulo
|
Por volta de
49-50
|
Primeiro Concílio de Jerusalém. A
circuncisão não é obrigatória para os estrangeiros convertidos
|
60
|
Prisão de Paulo
em Cesaréia
|
Entre 50 e 70
|
Edição e circulação dos evangelhos
segundo Marcos, Mateus e Lucas.
|
62
|
Martírio de Tiago,
irmão de Jesus e líder da igreja de Jerusalém
|
64
|
a perseguição de Nero contra os
cristãos
|
Entre 64 e 68
|
Morte de Pedro e
Paulo em Roma
|
66-70
|
Revolta judaica
contra os romanos
|
70
|
Queda de
Jerusalém, a destruição do Templo
|
90-100
|
Edição e circulação da literatura
joanina
|
Utilização
livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em
Ciências da Religião.
Universidade
Presbiteriana Mackenzie
Outro Blog
Reflexão Bíblica
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