O
presbiterianismo é um dos primeiros ramos evangélico protestante a se estabelecer
no Brasil. Desde a chegada do jovem missionário Rev. Ashbel Green Simonton (12
de agosto de 1859) até a virada do século, ou seja, pouco mais de quarenta anos
o presbiterianismo desenvolveu-se de forma extraordinária, levando em conta o
número limitado de missionários e pastores. Um dos fatores fundamentais para
essa expansão foi a ordenação do ex-sacerdote católico romano José Manoel da Conceição como primeiro pastor presbiteriano brasileiro. Com um trabalho itinerante
ininterrupto saindo pelo interior do estado de São Paulo e penetrando no estado
de Minas Gerais Conceição vai estabelecendo núcleos presbiterianos que serão
organizadas pelos missionários e pastores que vem em sua esteira. O
historiador William R. Read em sua excelente coletânea de estatística do
protestantismo no Brasil trás os números estatísticos do presbiterianismo
publicados em 1890:
47 presbíteros, 62 diáconos, 389
profissões de fé, 3.199 membros comungantes e 1.461 membros não comungantes e
contribuições, que atingiam US$13.856,00‖ (1967, p. 55).
Todas
as conjecturas – uma mensagem definida, um povo ávido e uma estratégia
apropriada - indicavam que presbiterianismo no Brasil continuaria firme e forte
em sua expansão no país. Mas a formação de nuvens escuras indicava que uma
tempestade aproximava-se rapidamente, de maneira que, ainda no seu nascedouro
ela vai experimentar o inicio do triste ciclo de pequenas e grandes divisões
eclesiásticas que haverão de minar o entusiasmo e a expansão crescente –
culminando na grande ruptura em 1903 que dividira pela primeira vez,
infelizmente não única, o presbiterianismo brasileiro em duas denominações: Igreja
Presbiteriana do Brasil (IPB) e Igreja Presbiteriana Independente (IPI).
Desde
esta primeira grande cisão ocorrida em 1903 não se teve uma oportunidade tão
grande de uma aproximação, cooperação e até mesmo um anseio de unificação entre
os dois maiores segmentos do presbiterianismo brasileiro, do que a comemoração
do Centenário do presbiterianismo no Brasil, que
aconteceria em 1958.
A Igreja
Presbiteriana do Brasil (IPB) vinha de um período de letargia preocupante, sua
proposta evangélica tão bem recebida na zona rural jamais foi igualmente aceita
nos grandes centros urbanos; se ―nas décadas de 1910 e 1920, apontavam um
crescimento de 78% por década da Igreja Presbiteriana, de 1931
a 1941, indicaram que o crescimento foi de apenas 31%
(PIERSON, 1974, p. 179), e continuava decrescente em sua expansão, agravada
cada vez mais por problemas econômicos com déficits contínuos.
Em
relação ao decréscimo da membresia da IPB Pierson faz a seguinte leitura:
[...] Batistas e pentecostais, com
organizações mais flexíveis e voltadas para as camadas mais baixa da população,
cresceram rapidamente, superando os presbiterianos e outros grupos evangélicos
tradicionais. Um culto mais informal e emocional se contrapôs às contidas
experiências litúrgicas dos presbiterianos. (1974, p. 179, Apud FARIA, 2002, p.
80)
Mas,
desde a reunião do SC em 1946, quando é lançada oficialmente a “Campanha
do Centenário” na presidência do Rev. Natanael Cortez, ressurgem um
entusiasmo contagiante nas possibilidades reais de uma retomada da expansão e
recolocação da IPB como referencial do protestantismo brasileiro, com objetivos
ambiciosos que Ferreira registra (1959, p. 432-433).
Para
alcançar os objetivos propostos foi criada a “Comissão
Central do Centenário” em 1948, cujo primeiro presidente foi o Rev.
Avelino Boamorte. Mas obstáculos foram surgindo, falta de recursos, meios de
comunicação ineficientes, somados a outras duas questões eclesiásticas sérias:
os debates acirrados em torno da reforma da Constituição e seu Código de
Disciplina, que somente foram resolvidas na reunião do Supremo Concílio em 1950,[1] e
a questão fundamentalista produzida pelo Rev. Israel Gueiros[2] a
partir do Seminário do Norte.
Um
novo impulso da Campanha do Centenário vai ocorrer após a eleição do Rev.
Benjamim Moraes Filho a partir de 1950. A Comissão agora tendo como Secretário
Executivo o Rev. Antonio Elias[3]
reúne-se em São Paulo em 1951, na Alameda Jaú, na recém-criada congregação
presbiteriana da IPUSP, com a presença ex oficio do Rev. José Borges dos Santos Jr, que já ocupava uma liderança expressiva na IPB.
Nesta ocasião, contando com representantes das agências missionárias
norte-americanas operando no Brasil (Brasil Central, Leste, Oeste, Sul e
Norte), resolve colocar dois missionários estrangeiros o Dr, Edwyn Orr e o Rev.
William Dunlap, evidentemente sustentados pelas missões, para divulgar em tempo
integral e por todo o país os objetivos da Campanha e assim contagiar e
envolver as igrejas, suas lideranças e membresia. (FERREIRA,1992, v.2, p. 446)
no que foram bem sucedidos.
A
partir deste momento o Rev. Borges vai participar intensamente de todos os
esforços da Campanha do Centenário, primeiramente envolvendo sua igreja em São
Paulo a Igreja Presbiteriana de São Paulo (IPUSSP) e depois, após sua primeira
eleição à presidência do Supremo concílio (SC) ele vai atraindo cada vez mais
apoio incluindo outros seguimentos do protestantismo no Brasil, de maneira que
a comissão recebe uma nova nomenclatura: “Comissão
Presbiteriana Unida do Centenário” (CPUC), da qual Borges assume a
presidência e a relatoria até o final. As mobilizações se multiplicam por todo
o país, em Recife, Rio de Janeiro, Londrina e cada uma das grandes capitais
estaduais.
Incansável
Borges vai agregando novos objetivos à Campanha, entre eles a criação do Museu
Presbiteriano e o lançamento de um selo
comemorativo pelos Correios, bem como vai ampliando cada vez mais o
roteiro de programações comemorativas, bem como o leque de organizações
cristãs, como a Aliança Mundial Presbiteriana e a Confederação
Evangélica do Brasil, bem como à Igreja Presbiteriana do Japão, que haveria de
comemorar seu Centenário no mesmo ano de 1959 e as de Portugal e
Chile onde
a IPB e particularmente Borges se empenhava arduamente em projetos de
implantação e cooperação. Informações mais detalhadas das propostas do
Centenário podem ser encontradas no Digesto Presbiteriano (SC-58-181 – Comissão
do Centenário - Quanto ao Doc. 64 – edição online).
Na
esteira das comemorações do centenário, Borges vai fomentar a criação de um
órgão gestor especifico de imprensa, através de um Relatório da SE
(janeiro/1958),[4] visando municiar a IPB de
adequados e eficientes meios de comunicação, o que vai ocorrer na reunião SC
1958, conforme resolução:
Plano Permanente: 1) Criar um órgão
nacional para administração de todas as publicações presbiterianas, que se
chamará Departamento Presbiteriano de
Imprensa; 2) Nomear uma Comissão Organizadora, de nove membros, sendo cinco
da IPB, dentre os quais constarão o Presidente e o Secretário Executivo do SC,
dois da Junta de Nova York e dois da Junta de Nashville, encaminhando ao CIP o
pedido para que cada Junta nomeie os seus respectivos representantes; (DIGESTO,
SC-58-213 - edição online - Itálico meu)
Nesta
mesma resolução é definido o nome do novo Jornal oficial da igreja “Brasil
Presbiteriano”, substituindo o oficial “O Puritano”
e o ex-oficial o “Norte Evangélico”, bem como sua primeira
diretoria: Diretor Redator: Pb. prof. José Maurício Wanderley; Redatores:
Reverendos: Domício Pereira de Mattos, Eudaldo Lima, Sabatini Lalli, Oswaldo
Soeiro Emerich e Pb. David Mendonça. (DIGESTO, 1951-1960, SC-58-213). A partir
deste momento a IPB tem seu instrumento de comunicação nacional, que funcionara
como caixa de ressonância das opiniões multiformes que compõem o mosaico
denominacional, até o ano de 1966, quando se tornara um instrumento unilateral
e representara apenas as opiniões favoráveis dos que assumem a liderança
eclesiástica da igreja e deste ranço jamais se libertou até hoje, como o famigerado
“A Voz do Brasil” continua no ar apesar dos mandatários da política nacional se
alternar no poder.
Mas
a menina dos olhos das comemorações e particularmente para Borges sem dúvida
era a criação do Seminário Presbiteriano do Centenário (SPC),
que erigido a um esforço hercúleo e fecundado das maiores expectativas e
sonhos, vai sofrer um infanticídio causado pelos movimentos intestinos que
convulsionariam a IPB, logo após este momento apoteótico, o qual será abordado
em artigo à parte.
Apesar
dos percalços e posteriores desdobramentos as comemorações do Centenário foram
realmente empolgantes, e praticamente todos os seus objetivos propostos foram
alcançados, ainda que alguns como mencionado não perdurassem por muito tempo.
O
momento culminante do Centenário foi o culto realizado no dia 12 de
agosto de 1959, na Catedral Presbiteriana da Rua Silva Jardim, 23, no
centro da cidade do Rio de Janeiro, o marco do inicio das atividades
presbiteriana com o seu pioneiro, o jovem missionário Ashbel Green Simonton, que
com sua morte tão precoce, acometido de doença tropical, tornou-se a sementeira
do presbiterianismo brasileiro.
Pela
primeira vez um Presidente da República, Juscelino Kubitschek, participou de uma
cerimônia religiosa protestante, permanecendo mais do que o tempo protocolar
previa e desta forma tendo a oportunidade de ouvir a pregação. O Supremo
Concílio reunido extraordinariamente em 10 de agosto formou uma comissão com
mais de 50 membros do plenário, compareceram à Câmara dos Deputados para
ouvirem discursos feitos pelos políticos evangélicos alusivos ao Centenário da
IPB. Este momento histórico marca o ápice da vida, liderança e ministério do
Rev. José Borges dos Santos Jr.
Diferentemente
da Igreja proposta por Jesus e esboçada na literatura do Segundo Testamento,
onde o amor, o perdão e o companheirismo devem sempre reger suas relações
interpessoais, na igreja institucional, predomina a frieza implacável dos
interesses pessoais e das intenções nem sempre claras, ainda que nas
entrelinhas e nas sutilezas dos fatos revelados se possam perceber algo
significativo e passível de ser analisado e interpretado, que se constitui na
árdua tarefa do pesquisador.
Utilização
livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em
Ciências da Religião.
Universidade
Presbiteriana Mackenzie
Outro Blog
Reflexão Bíblica
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Convertidos e as Primeiras Igrejas Protestantes Brasileiras
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Desenvolvido por Ashbel Green Simonton e Seus Companheiros
PAINEL: Rev. José Manoel da Conceição http://historiologiaprotestante.blogspot.com/2015/06/painel-jose-manoel-da-conceicao_30.html?spref=tw
Rev. José Borges dos Santos Jr. (O Velho Mestre)
Rev. Richard Shaull (O Jovem Mestre)
Referências Bibliográficas
CASTRO, Luís Alberto
de. A Trajetória do “Velho Mestre: Uma Biografia do Rev. José Borges dos
Santos Júnior – um recorte historiográfico da Igreja Presbiteriana do Brasil. Dissertação
(Mestre em Divindade) – Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper,
São Paulo, 2011.
FARIA, Eduardo
Galasso. Fé e Compromisso – Richard Shaull e teologia no Brasil. São
Paulo: ASTE, 2002.
FERREIRA, Júlio
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GUEDES, Ivan Pereira. O
protestantismo na capital de São Paulo – a Igreja Presbiteriana Jardim das
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FLETCHER, J. C. O Brasil e os
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LÉONARD, Émile G. O
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ed. Rio de Janeiro e São Paulo: JERP/ASTE, 1981.
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http://www.ipb.org.br/download/arquivos/digesto_ipb_1951-1960.pdf. Acesso em
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_________________________
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http://www.ipb.org.br/download/arquivos/digesto_ipb_1961-1970.pdf. Acesso em:
15/05/2013.
[1] Em 20/07/1950, na histórica Igreja
Presbiteriana Alto Jequitibá, na Zona da Mata mineira, deu-se a promulgação da Constituição
da Igreja Presbiteriana do Brasil, no interior do templo, contendo a
Constituição 152 capítulos que vigora até os dias de hoje. Assinaram a
Constituição os Revs. Adolpho Anders, Rev. Domício Mattos, Rev. Benjamim Morais
(Presidente do Supremo Concílio), Rev. Natanael Cortez, Rev. Jader Gomes
Coelho, Rev. Amantino Adorno Vassão, Rev. Cícero Siqueira e o Presbítero
Torquato Santos. CONSTITUIÇÃO E CÓDIGO
DE DISCIPLINA DA IPB. Disponível em:
http://www.ipb.org.br/download/manual_presbiteriano.pdf. Acesso em 15/05/2013.
[2] Cada vez mais sem espaço na IPB,
incluindo sua própria região norte, em 1956 ele lidera uma cisão na Igreja
Presbiteriana do Recife, tendo apenas três pastores como aliado, sendo um deles
seu aparentado e mais três pequenas congregações próximas, fundando a Igreja
Presbiteriana Fundamentalista.
[3] Antônio Elias nasceu em 11 de maio de
1910, em Aparecida do Monte Alto (SP), e faleceu no dia 21 de dezembro de 2007,
em Niterói (RJ). Formou-se em Teologia pelo Seminário Presbiteriano do Sul, em
Campinas (SP) em 1943 e foi ordenado ao sagrado ministério pelo Presbitério
Oeste de São Paulo, em janeiro de 1944.
[4] Em
seu trabalho Castro coloca na integra, em seus anexos, o Destaque 4 deste relatório
no qual Borges concluiu: “Aliás, não estaremos inovando, nem inventando, mas
apenas imitando o que as outras denominações de publicidade bem organizada no
Brasil já faziam. Não será nem o mérito da originalidade, mas, quando muito, o
mérito de usar o bom senso” (2011, Anexo n° 6).
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