As primeiras luzes da manhã do dia 12 de agosto de
1859 começam a se espalhar e a movimentação no navio aumenta – foram avisados
de que se aproximam da costa. Ele se levanta e troca de roupa; começa a arrumar
os poucos pertences pessoais que trouxera em sua mala de mão e enquanto o faz
lembra-se de sua mãe[1]
que com os olhos lagrimosos o fizera na noite anterior ao seu embarque – a saudade
bate forte!
O movimento e barulho aumentam na mesma proporção em
que o navio se aproxima da costa. Ainda que já houvesse um grande fluxo de
navios à vapor circulando pelos mares[2]
e apressando as viagens, ele utilizou para essa grande travessia um navio veleiro,[3]
chamado Banshee,[4] assemelhando-se
assim a Pedro Alvares Cabral que descortinou esse imenso e majestoso país para
o mundo europeu no longínquo ano do 1500; aos navios à velas que também trouxeram
o rei D. João VI e toda corte portuguesa, que fugindo da invasão e domínio francês
de Bonaparte, desembarcou no porto brasileiro no ano de 1808, transformando a Colônia
em Reino, iniciando a modernização do país, bem como preparando-o para que em
apenas 14 anos alcançasse sua Independência, quando o então príncipe D. Pedro I
rompendo os laços com Portugal em 1822 inicia o processo de autonomia
brasileira. Todos esses fatos da História do Brasil, alguns ainda recentes, lhe
vem à mente enquanto fecha a mala e verifica pela última vez se não estava
esquecendo nenhum pertence seu na cabine.
Acima dele o barulho agora é mais expressivo; toma o
corredor e começa a subir os degraus que lhe dá acesso ao convés e à brisa
fresca daquela manhã de agosto. Ele contempla as pessoas que entre um misto de
alegria e alivio pela chegada tão próxima se cumprimentam e se abraçam, pois, a
grande maioria nunca mais se encontraram após o desembarque. Mais uma vez sua
mente retrocede 56 dias atrás[5]
no momento em que se despedia de sua mãe acompanhada de John um de seus nove
irmãos[6]
no porto de Baltimore (Maryland).[7]
Também com um misto de alegria, pois não apenas sabiam quais eram seus
objetivos quando aqui chegasse, mas o apoiavam integralmente, todavia, também
havia um sentimento de tristeza pela separação momentânea ou perene que se
impunha agora entre eles, bem como as apreensões pela viagem tão perigosa que o
aguardava, não sem razão, pois apenas alguns anos depois, esse mesmo navio
haveria de naufragar, empurrado por fortes ventos de tempestade, para ser
destroçado entre rochas.[8]
Sua mãe ao abraça-lo sussurra em seus ouvidos, com voz tremula, palavras de incentivo
e afirmando uma vez mais que diariamente estaria orando por ele, pois sabia que
o mesmo Deus que o havia vocacionado para o ministério pastoral e que agora o
estava enviando para a obra missionária no Brasil, jamais o desampararia e
haveria de fazer prosperar sua obra naquele imenso país.[9]
Quando suas lembranças desvanecem seus olhos
contemplam a Baia da Guanabara e ele é tomado pelo êxtase das belezas naturais
incomparáveis que a formam. Ele havia lido diversos relatos produzidas pelos
viajantes que aqui desembarcaram antes deles. Um desses foi o Rev. James Cooley
Fletcher (pastor presbiteriano) que estivera no Brasil uns oito ou dez anos
antes dele e que registrou suas perspectivas do país e de sua população,
editando um livro que ficou muito popular com várias edições nos EUA e também no
Brasil em português,[10]
e que o motivara muito em vir para essa tão imensa e maravilhosa nação que dava
seus primeiros passos na independência. Mas nada se comparava ao que ele estava
contemplando com seus próprios olhos. A
entrada da baía é formada por um conjunto de montanhas, no qual se destaca um
morro grande e elevado, tendo um formato de pão de açúcar, e que ao seu pé
proporciona em caso de necessidade é possível lançar âncora. Certamente é uma
das baías mais amplas e cômodas do mundo e as montanhas ao seu redor
proporcionam segurança, protegendo as embarcações dos fortes ventos e agitações
marítimas. Em toda imensa extensão é possível aquartelar navios de quaisquer
dimensões, pois os barcos podem chegar tão próximos da terra, que uma barcaça
com facilidade se aproxima para transportar pessoas e mercadorias.
Finalmente o navio entra na Baia da Guanabara e ele
percebe a grande quantidade de outros navios com suas bandeiras hasteadas no mastro
principal, revelando as inúmeras nações que se fazem presentes na intensa e
diversificada relação comercial que o Brasil desenvolveu desde a Abertura dos
Portos assinada por D. João VI quando aqui chegou em 1808. O porto do Rio de
Janeiro é um dos maiores do país, portanto, o transito de pessoas e mercadorias
aumenta anualmente. Tinha conhecimento e fazia parte de suas novas atribuições
missionárias, dar assistência pastoral aos milhares de marinheiros americanos
que anualmente perpassavam por este imenso porto e também, como alguns colportores[11]
e missionários antes dele, fazer do porto uma oportunidade para distribuição de
bíblias protestantes, pois soube que uma das estratégias era “esquecer” no cais
caixas contendo bíblias, de maneira que muitos acabavam pegando um exemplar
para ler.
Sua respiração acelera, seu coração aumenta os
batimentos cardíacos, quando começa a desembarcar; quando finalmente seus pés
tocam o cais e ele dá seus primeiros passos, é arrebatado pelas grandes expectativas
e sonhos que tanto o motivaram a empreender tão grande e temerosa empreitada.
Enquanto caminha pela primeira vez no território brasileiro deslumbra em sua
mente as imensas possibilidades que tem diante dele: aprender a língua, iniciar
uma classe de estudos bíblicos como passo inicial para implantar a primeira
Igreja Presbiteriana na crescente cidade do Rio de Janeiro; distribuir e quem
sabe abri em outros centros urbanos do país depósitos de literaturas e bíblias
de cunho protestante; produzir um jornal onde pudesse expor os conceitos
cristão protestante; quem sabe ele não haveria de ver o desenvolvimento e
expansão do presbiterianismo no Brasil e seus olhos brilham quando pensa se não
seria maravilhoso ter o privilégio de ordenar o primeiro pastor protestante
brasileiro.
Tomado por todas essas enormes expectativas Ashbel
Green Simonton[12] continua
sua caminhada quando ao sair do porto e pisar na rua da cidade pela primeira
vez, levanta os olhos aos céus e ora: “Eis
me aqui Senhor! Usa a minha vida integralmente na Sua obra! ”
Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira Mestre em Ciências da Religião
me.ivanguedes@gmail.com
Blog
Historiologia
Protestante
http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/
Reflexão
Bíblica
http://reflexaobiblica.spaceblog.com.br/
Referências
Bibliográficas
ATAÍDES, Florêncio Moreira de. Simonton: o missionário que impactou o Brasil. Arapongas, PR:
Aleluia, 2008.
CÉSAR, Elben M. Lenz. Mochila nas costas e diário na mão: a fascinante história de Ashbel
Green Simonton. Viçosa (MG): Ultimato, 2009.
FERREIRA, Júlio Andrade. História da Igreja Presbiteriana do Brasil, vol. 1 e 2, 2ª ed. São
Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1992.
GUEDES, Ivan Pereira. O protestantismo na cidade de São Paulo – presbiterianismo: primórdios
e desenvolvimento do presbiterianismo. Alemanha: Ed. Novas Edições
Acadêmicas, 2013.
KIDDER, D. P. e FLETCHER, J. C. O Brasil e os brasileiros – esboço histórico e descritivo, v. 1.
Brasiliana – Biblioteca Pedagógica Brasileira. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1941 [Tradução da 6ª. edição em inglês - Elias Dolianiti e Revisão e
Notas de Edgard Sussekind de Mendonça].
MATOS, Aldery Souza (org.). O Diário de Simonton. São Paulo, SP: Cultura Cristã, 2002.
RIZZO, Maria Amélia. Simonton – inspirações de uma existência. São Paulo: Editora Rizzo,
1962.
SOARES, Caleb. 150
anos de paixão missionária – o presbiterianismo no Brasil. Santos (SP):
Instituto de Pedagogia Cristã – IPC, 2009
Artigos
Baía da Guanabara e Cidade do Rio
de Janeiro http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/2013/12/protestantismo-em-imagens-baia-da.html
James Cool Fletcher
O Trabalho Desenvolvido por Ashbel
Green Simonton e Seus Companheiros
[1]
Martha Davis (pai William Simonton)
[2]
O navio a motor Savannah havia atravessado o Atlântico 40 anos antes.
[3]
Esse tipo de navio tem um mastro principal mais alto do que um prédio de quinze
andares, contendo 31 velas e cerca de 18 quilômetros de cabos, sendo necessário
ao menos 52 marinheiros para manobra-lo em alto mar. Para os curiosos basta
conhecer o Cisne Branco, da Marinha Nacional, modelo dos veleiros do século
dezenove, utilizado para treinamento de aspirantes à navegação.
[4]
O nome não era um alerta para os marinheiros e passageiros, pois vem do
folclore irlandês (e celta), sobre uma figura de fada que avisa sobre a
proximidade da morte.
[5]
Ele embarcou no dia 18 de junho de 1859 e desembarcou no dia 12 de agosto,
perfazendo um longo período “entre o céu e o mar” de 56 dias.
[6]
Eram em nove irmãos, sendo cinco homens: Simonton, William, John, James Thomas
e quatro irmãs: Martha, Jane, Elizabeth (Lillie) e Anna Mary.
[7]
O porto somente tinha saída para o mar Atlântico pelo lado sul, portanto, tendo
que atravessar toda a baia de Chesapeake-Delaware, uma baia de 300 quilômetros
de comprimento. A nossa baia da Guanabara (RJ) tem 412 quilômetros quadrados.
[8]
O historiador Laurentino Gomes falando sobre as viagens transatlânticas resume:
“quem partia tinha o cuidado de organizar bem a vida e se despedir dos parentes
e amigos, pois a chance de nunca mais voltar era enorme”.
[9]
A sua mãe no diário dela na data de sua partida: “É difícil separar-se daqueles que talvez não vejamos mais na terra. Mas
quando penso no valor das almas imortais que se estão perdendo pela falta do
Evangelho puro... Recomendo você com
orações e lágrimas ao Senhor, que tudo faz para o bem”
(www.missiodei.com.br. In: 25/08/06; negrito meu).
[10]
Segundo Alfredo de Carvalho (em sua obra Escritores Exóticos no Brasil), Brazil and the Brazilians [O Brasil e
os Brasileiros] é, "ainda hoje, nos Estados Unidos, senão o livro
clássico, o mais vulgarizado (popular) sobre o nosso país". Também Marchant
(em Handbook of Latin American Studies, 1938) escreve que a obra de Kidder e
Fletcher "é, em sua época, certamente, a mais importante obra americana
sobre o Brasil".
[11]
Tradução do vocábulo anglo-gálico “colporteurs” protestantes que vendiam ou distribuíam
literatura evangélica e principalmente bíblias. Simonton nas anotações em seu
diário entre 22 de outubro de 1860 a 14 de fevereiro de 1861 menciona ao menos
oito referências relacionadas à importância de colocar a Bíblia nas mãos da
população brasileira.
[12]
Nasceu no dia 20 de janeiro de 1833, em West Hanover, na Pensilvânia,
descendente de presbiterianos escoceses-irlandeses que haviam migrado para os
Estados Unidos.
Linda história do Rev Simonton!
ResponderExcluirObrigada meu caro professor IvanGuedes!
Muito bela a história da chegada do Rev Simonton no Brasil. Emocionante!
Agradeçamos a Deus por ter nos mandado o Rev.Simonton !!
ResponderExcluirExcelente comentário a respeito desta história primorosa !!
Deus o abençoe meu irmão Ivan Guedes !! Graça e Paz !!!