English Presbyterian Church, Regent Square London |
O movimento de Reforma
Religiosa (Reforma Protestante) iniciada pelo monge alemão Martinho Lutero (1517) e
suas 95 teses, produziu desdobramentos inimagináveis e transformou
completamente o cristianismo europeu.
Um destes desdobramentos foi
a mudança ocorrida na Inglaterra, que sempre havia sido uma aliada fiel ao
catolicismo romano e ao Papa. Mas o rei Henrique VIII acaba por romper com o sistema
católico romano, motivado por questões unicamente pessoais e estabelece uma
igreja nacional – a Igreja da Inglaterra e/ou Anglicana. Henrique VIII não foi contagiado pelas
propostas teológicas reformadas, ao contrario, na sua perspectiva politica o
protestantismo continha elementos perigosos para o regime monárquico, portanto
na Igreja Anglicana o rei substituiu a função do Papa e os dogmas praticamente
permaneceram católicos romanos. Com sua morte assume seu filho ainda menor Eduardo VI que
influenciado por tutores de mentalidade reformada amplia as reformas religiosas
do pai e introduz algumas mudanças significativas no contexto
cúltico-teológico, mas sua morte precoce impedem que as mudanças sejam
aprofundadas e consolidadas. Assume o
trono inglês Maria I
que arraigada no catolicismo romano promove imediato retorno aos conceitos
católicos e submissão às orientações do Papa romano, o que acabou por gerar
inúmeras revoltas com suas subsequentes consequências com a morte de inúmeras
pessoas. Mas o reinado de Maria I também foi breve e coube à sua meio irmã Elizabete I a árdua
tarefa de encontrar uma forma religiosa que pudesse conciliar os diversos
segmentos da sociedade inglesa. Será em seu longo reinado que a Igreja
Anglicana haverá de estabelecer os dogmas teológicos e as estruturas
eclesiásticas que haverão de permanecerem até os dias atuais.
Todavia, uma unidade
religiosa ou mesmo eclesiástica harmoniosa estava longe de ser uma realidade na
Inglaterra elisabetana. Um forte movimento separatista estava em plena
ebulição, sendo liderados pelos defensores ferrenhos de uma reforma mais
profunda da igreja. Eles receberam a alcunha de “Puritanos”[1]
que veio a se constituir em um grande guarda-chuva para os diversos grupos
dissidentes congregacionais, presbiterianos, batistas e posteriormente os
metodistas que proliferava nas entranhas da Igreja Anglicana. Seus
líderes eram aqueles que durante o reinado de Maria I haviam se refugiado em
outros países, principalmente Genebra e que haviam respirado uma atmosfera de
reformas muito mais profundas do que a que Elisabete I estava realizando, entre
o quais se destaca os adeptos do sistema eclesiástico presbiteriano, que se
contrapunha ao sistema episcopal adotado pela Igreja Anglicana, que segundo
eles representava um forte e perigoso resquício do sistema católico romano e
por isso deveria ser abolido (GONZÁLES, 2004, p. 296).
A estrutura eclesiástica
episcopal fora mantida por Henrique VIII e definitivamente estabelecida por sua
filha Elizabete I, pois desejam manter uma igreja controlada pelo Estado, uma
vez que os bispos eram nomeados pela coroa, de maneira que, como destaca Matos (2000,
p. 51), o sistema presbiteriano “representava
uma proposta revolucionária, pois preconizava uma igreja governada por
presbíteros docentes e regentes, eleitos pelos fiéis e reunidos em concílios”,
alcançando assim uma autonomia em relação a interferência e controle do Estado.
Por esta causa, tanto Elizabete I quanto seus sucessores, Tiago I (1603-1625) e
Carlos I (1625-1649), que governaram tanto a Inglaterra quanto a Escócia,
combateram violentamente esta proposta eclesiástica.
Apenas em um pequeno
período, após a guerra civil em que o rei Carlos I foi morto, os Puritanos
assumiram o poder civil da Inglaterra e os presbiterianos conseguiram implantar
o seu sistema eclesiástico na Inglaterra, quando o Parlamento convocou a
Assembleia de Westminster (1643-1649) que estabeleceu os chamados “padrões
presbiterianos” de culto, governo e doutrina, através da elaboração da
Confissão de Fé de Westminster. Mas assim que Carlos II assumiu o trono, em
1660, o sistema episcopal foi restabelecido, e os presbiterianos e demais
grupos separatistas passaram a sofrer forte repressão. (MATOS, 2000, p. 53).
Todavia, dentro do movimento reformado separatista
(puritano) não se falava a mesma língua. Algumas lideranças chegaram à
conclusão que o sistema eclesiástico oriundo do Novo Testamento era
congregacionalista[2] e
que o presbiterianismo era apenas mais uma concessão. Outros foram mais longe e
defendiam uma igreja totalmente autônoma e cujos membros deveriam ser apenas os
adultos, rejeitando o batismo infantil, e concluindo que o batismo deveria ser
somente por imersão, de maneira que vieram a serem denominados de batistas,[3]
que por sua vez se subdividiam em dois grupos, os batistas gerais que
rejeitavam a doutrina calvinista da predestinação e os batistas particulares
que mantiveram esta doutrina conforme os argumentos desenvolvidos por João
Calvino (GONZÁLES, 2004, p. 298).
Uma questão teológica
fundamental que foi desenvolvida nas entranhas puritana foi o conceito Federal
ou do Pacto, que tinha no cerne a ideia de que a predestinação de Deus não era
um ato impessoal e mecânico, mas que a salvação deve ser apropriada pela fé, de
maneira que se torna irredutivelmente pessoal. Mendonça destaca este ponto:
Embora os
dispositivos do calvinismo continuassem presentes, como a iniciativa divina na
concessão da graça e a ênfase no ascetismo, havia um elemento novo: a
iniciativa humana e pessoal na apropriação dessa graça. Surge assim uma
valorização do homem e da pessoa. (1984, p. 36).
Este ingrediente teológico
do individualismo que inicialmente serviu para confrontar os sistemas
episcopais, tanto romanos como anglicanos, acabou com o tempo permeando todo o
pensamento protestante inglês. A confissão de Westminster tornou-se a promotora
deste conceito pactual. Os presbiterianos, principalmente de origem escocês e
posteriormente irlandês, tornaram-se um povo do Pacto. Quando de sua
transposição para América do Norte este conceito do Pacto extrapola as
fronteiras da religião e torna-se uma ideologia do povo americano e vai
estabelecer o fundamento do conceito ideológico do chamado “Destino Manifesto”
(MENDONÇA, 1984, p. 37, 54-57).
Desta forma, como afirmou
Collinson: “Em seu desenvolvimento
secundário e terciário a Reforma inglesa produziu uma variedade de
inconformismos divergentes e em longo prazo um futuro de pluralismo religioso”.
(2000, p.152).
É esse pluralismo protestante,
denominado posteriormente de denominações protestantes, que desembarcam no
Brasil oficialmente a partir do século XIX e rapidamente se espalharam por todo
o país.
Utilização
livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre
em Ciências da Religião.
Universidade
Presbiteriana Mackenzie
ivanpgds@gmail.com
Outro Blog
Reflexão
Bíblica
http://reflexaobiblica.spaceblog.com.br/
Referência Bibliográfica
ARMESTO-FERNÁNDES,
Felipe e WILSON, Derek. Reforma: o cristianismo e o mundo
1500-2000. Trad. Celina Cavalcante Falck. Rio
deJaneiro: Record, 1997.
AZEVEDO, Israel Belo de. A celebração
do indivíduo: a formação do pensamento batista brasileiro. Piracicaba;
Editora UNIMEP/Exodus, 1996, p.63).
BOISSET, J. História do
protestantismo. São Paulo: Difusão Européia, 1971.
COLLINSON, Patrick. A Reforma. Rio de
Janeiro: Editora Objetiva, 2006.
DANIEL-ROPS. A igreja da renascença e da
reforma I: a reforma protestante. São Paulo: Ed. Quadrante, 1996, p. 435.
DREHER, MARTIN N. A crise e a
renovação da igreja no período da Reforma. São Leopoldo: Sinodal,
1996. (Coleção História da Igreja, v.3).
FISHER, Jorge P. Historia de la
reforma Barcelona: Ed. CLIE, 1984.
FISHER, Joachim H. Reforma –
renovação da igreja pelo evangelho. São Leopoldo: Ed.
Sinodal e EST, 2006.
GONZALES, Justo L. Uma história do pensamento cristão, v.
3. São Paulo: Cultura Cristã, 2004.
LATOURETTE, Kenneth
Scott. Uma história do cristianismo - volume
II: 1500 a 1975 a.D. São
Paulo: Editora Hagnos, 2006.
LINDSAY, Tomas M. Historia de la
Reforma, v.2, ed. La Aurora e Casa unida de Publicaciones, 1959.
MATOS, Alderi Souza de. Simonton e as bases do presbiterianismo no Brasil, apud Série
Colóquios, v. 3, Simonton 140 anos de Brasil. São Paulo: Ed. Mackenzie, 2000.
MENDONÇA, Antonio Gouvêia. O celeste porvir - a inserção do
protestantismo no Brasil. São Paulo: Ed. Paulinas, 1984.
PEREIRA, João Baptista Borge. "Identidade
protestante no Brasil ontem e hoje". In BIANCO. Gloecir:
NICOLINI. Marcos (orgs.). Religare: identidade, sociedade e
espiritualidade. São Paulo: Ali Print Editora. 2005.
espiritualidade. São Paulo: Ali Print Editora. 2005.
POLLARD, Albert
Frederick. Thomas Cranmer and
the and the english reformation (1489-1556). London : G. P. Putnam’s Sons, 1906.
Zabriskie,
Alexander C. Anglican
Evangelicalism. Philadelphia,
1999.
[1]
Movimento Puritano - Separatistas:
termo aplicado ao puritano inglês Robert Browne (c.1550-1633) e seus
seguidores, que se separaram da Igreja da Inglaterra. Mais tarde foi aplicado
aos Congregacionais ingleses e outros grupos que formaram suas próprias
igrejas. Não-separatistas: os puritanos
anglicanos, aqueles que não queriam separar-se da igreja oficial, mas
procuravam reformá-la. Os fundadores de Salem e Boston (1629-1630) estavam
nessa categoria. Independentes: nos
séculos 17 e 18, os adeptos da forma de governo Congregacional, em contraste
com o governo episcopal da igreja estatal inglesa. Dissidentes: aqueles que se retiraram da igreja nacional da
Inglaterra (Anglicana) por motivos de consciência. O termo inclui
Congregacionais, Presbiterianos e Batistas.
[2] O
reformador polaco Jan Laski (†1560), ainda nos dias do rei Eduardo VI,
introduziu na Inglaterra o sistema de governo eclesiástico congregacional. O
Congregacionalismo é o regime de governo mais comum em denominações como
Anabatistas, Igreja Batista, Discípulos de Cristo, Igreja de Cristo no Brasil e
obviamente a própria denominação que deu nome ao termo: a Igreja
Congregacional.
[3] Surgidos
a partir de 1607 sob a liderança de John Smyth e Thomas Helwys que fundou em
1612 a primeira igreja batista geral.
Nenhum comentário:
Postar um comentário