Selo Comemorativo no Centenário do Presbiterianismo no Brasil |
O protestantismo foi desde seus primórdios e continua sendo hoje uma presença relevante no Brasil, mas foi e continua sendo tratada com enorme indiferença pelas Academias com exceção da Sociologia e da Ciências da Religião, mas assim mesmo de forma bastante reducionista. A culpa em maior parte é dos próprios protestantes, que somente recentemente como veremos, começou de fato a valorizar a sua própria História no país e tem empenhado esforços em estabelecer as interações com a sociedade em que foram inseridos.
Podemos facilmente perceber a enorme lacuna existente no que concerne a uma historiografia protestante no Brasil. Há pouco tempo começou-se a escrever de forma acadêmica e com maior grau de isenção os temas relacionados às denominações protestantes, como tão bem coloca Antônio G. Mendonça em sua importante palestra proferida no I Encontro de Historiadores em 2004, da Associação Brasileira de Instituições Educacionais Evangélicas (ABIEE), que entre outros temas trata sobre a historiografia protestante brasileira e elenca os três tipos de obstáculo que limitam este tipo de historiografia:
... primeiro, trazem, quase todas, as marcas do denominacionalismo triunfalista, assim como uma linguagem hermética de grupo porque são escritas para consumo interno; segundo, porque não dialogam com a cultura brasileira; terceiro, porque são publicadas por editoras domésticas e, por isso, não alcançam as áreas acadêmicas. Quando alcançam estas áreas, o fazem de maneira indireta ao servirem de material secundário para dissertações e teses que, no geral, são condenadas ao ostracismo das prateleiras daquilo que alguém chamou de “saber inútil”. (p. 03).
Todos os pesquisadores da religião são unanimes em afirmarem que o inicio dos anos 1970 é o grande marco da produção no Brasil dos estudos acadêmicos sobre o protestantismo nacional.
Ainda que haja diversos textos produzidos em períodos anteriores, estas obras possuíam um ranço eclesiástico, uma vez que seu alvo primário eram as próprias denominações, que as financiavam, e a defesa de suas respectivas posições histórico-teológicas. Outra característica desta literatura era enaltecer o esforço dos “heróis da fé”, ou seja, aqueles líderes ou pioneiros que implantaram trabalhos denominacionais em determinado lugar ou região do país[1].
Nas palavras de Júlio Andrade Ferreira, historiador oficial da Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB), a historiografia protestante brasileira ainda que a partir de 1950 fosse quantitativamente crescente, no que tangia a qualidade tornava-se angustiante para os que pretendiam um estudo mais acadêmico, pois segundo ele “a um simples exame se apercebem do caráter apologético e pouco cientifico, pueril às vezes, da maior parte dessa imensa produção literária” (1959, v.1, p. 35).
Isto não significa que esta abundante e diversificada produção denominacional (biografia, anais, epopeias, crônicas, historiografia) seja inócua e sem valor histórico, ao contrário, em todas elas encontram-se registro de fatos preciosos e indispensáveis à construção histórica, mas que em si mesmas não são capazes de produzirem uma compreensão da complexidade do protestantismo brasileiro.
Uma mudança por parte da academia em relação ao protestantismo brasileiro começa a ocorrer na medida em que o pentecostalismo expande-se geometricamente em todo território brasileiro, principalmente os chamados da “segunda onda” (Freston, 1995, p. 120).[2]
Outros dois aspectos importantes são o alinhamento das denominações evangélicas ao regime militar e a opção dos chamados progressistas ou liberais protestantes em se aproximarem e associarem aos movimentos católicos da libertação.
Ao menos uma razão que contribuiu para esta pobreza acadêmica dos estudos do protestantismo brasileiro antes de 1970 é o fato de quase inexistirem centros de pós-graduação no país até o começo dos anos 1980. Na medida em que estes polos foram se multiplicando no Brasil corroborando com os fatos acima mencionados, a produção acadêmica tomou um novo e continuo impulso, como tão bem identifica Capellari em sua importante pesquisa sobre o desenvolvimento das religiões não Católicas no país e mais particularmente sobre a produção literária acadêmica referente a elas:
A relação entre o crescimento do número de adeptos e o repertório simbólico de tais religiões vai chamar a atenção da comunidade científica justamente nos anos setenta, ou seja, quando se estruturam, nas universidades, os programas de pós-graduação. (2001, p. 170).
Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
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Referências Bibliográficas
CAPELLARI, Marcos Alexandre. Sob o olhar da razão: as religiões não
católicas e as ciências humanas no Brasil (1900-2000). Dissertação
(Mestrado em Historia Social) Universidade de São Paulo: São Paulo, 2001.
FRESTON, Paul. Breve história do pentecostalismo brasileiro. IN: ANTONIAZZI, Alberto et al. Nem
anjos nem demônios: interpretações sociológicas do pentecostalismo. 2ª ed. Petrópolis,
RJ: Vozes, 1994, p. 70.
LÉONARD, Émile G. O protestantismo brasileiro: estudo de eclesiologia e história social.
2ª ed. Rio de Janeiro e São Paulo: JERP/ASTE, 1981.
MENDONÇA, Antônio G. Palestra: Protestantismo no Brasil apontamentos
sobre sua contribuição para a cultura brasileira – I Encontro para
historiadores. São
Paulo: ABIEE, 2004.
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[1] Esta prática continua sendo amplamente utilizada por líderes religiosos evangélicos que desejam infundir na mente de seus “membros/seguidores” uma imagem deles próprios. Atualmente Edir Macedo tem abusado deste expediente e tem utilizado os milhares de membros de sua respectiva denominação religiosa, bem como a mídia da sua rede de televisão, para alardear que se vendeu mais de um milhão de exemplares da segunda parte de sua “auto biografia”. _____________________________________
[2] Ele divide a história pentecostal em três períodos ou “ondas” [i.e., waves] e outros estudiosos também seguiram sua terminologia e demarcações de tempo (ex., Mariano, 2005, p. 28-32; Kramer, 2005, p. 97; Oro & Semán, 2001, p. 182).
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