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segunda-feira, 4 de novembro de 2013

PROTESTANTISMO NO BRASIL: Primeiras Aberturas Legais (1)

Tratado de Livre Comércio

     Como visto no artigo anterior (http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/2013/10/reforma-religiosa-por-que-ocorreu-no.html) os primeiros contatos do Brasil com o protestantismo foi no formato de invasão e domínio, o que não contribuiu muito para que portugueses e brasileiros olhassem esta nova forma religiosa do cristianismo com simpatia. Somente cento e cinquenta anos depois é que ocorrera um momento histórico que se constituirá em um marco importante para a implantação de denominações protestantes no país.

A Transferência da Família Real Portuguesa
Fuga Corte Portuguesa para o Brasil
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     O ano de 1808 torna-se um marco muito importante para o protestantismo brasileiro, pois sem invasão e sem derramamento de sangue, ele vai receber de presente sua primeira e fundamental abertura para ser implantado no país, das próprias mãos da autoridade maior da nação, o então Regente D. João VI.

     Esta data marca a transferência da família real portuguesa para o Brasil, que será fundamental não apenas para a futura implantação dos diversos ramos do protestantismo no país, mas para a Nação como um todo, pois nunca mais as coisas serão a mesma depois desta data, que não é, mas deveria ser um feriado nacional em deferência a alguns bastante questionáveis em vigência atualmente.

     Tudo começa quando o francês Napoleão Bonaparte inicia sua épica guerra contra as monarquias europeias, onde uma a uma foram sendo derrotadas em campos de batalhas, onde a genialidade estratégica de Napoleão revela-se em todo seu esplendor, como registra Laurentino Gomes:

     Ao longo de uma década, Napoleão travou inúmeras batalhas contra os mais poderosos exércitos da Europa sem conhecer nenhuma derrota. Uma dinastia de reis até então considerada imbatível, a dos Habsburgos do Império Austro-Húngaro, fora batida repetidas vezes nos campos de batalha. Russos e alemães tinham sido subjugados em Austerlitz e Jena, duas das mais memoráveis batalhas das chamadas guerras napoleônicas. Reis, rainhas, príncipes, duques e nobres foram expulsos de seus tronos e substituídos por membros da própria família Bonaparte. (2009, p. 39).

     Em 1807, Napoleão estava no auge do seu poder e espalhava sua sombra temerosa sobre tudo e todos. Entre os últimos reis europeus a serem subjugados, afora a Inglaterra com sua poderosíssima esquadra naval que dominava soberana os mares, restava um dos menores países e provavelmente o que tinha uma das cortes mais retrógradas de toda Europa - o país era Portugal e o rei D. João VI, que na verdade era um príncipe regente, que governava em nome de sua mãe D. Maria I, que havia sido declarada insana e incapaz de governar. Ainda mais, não foi D. João que fora preparado para esta tarefa árdua de governar, havia sido seu irmão mais velho D. José, mas que falece em consequência de varíola em 1788, aos 27 anos. Se não bastasse a desqualificação de estadista, D. João tinha uma personalidade avessa a qualquer tipo de pressão e lhe era torturante tomar qualquer tipo de decisão, além do que vivia envolvido em intrigas conjugais das mais complicas e que lhe trouxe mais dificuldades do que todos seus inimigos externos. Sua digníssima esposa a princesa Carlota Joaquina, era uma espanhola geniosa e maquiavélica sempre pronta para tomar o trono do marido e acusada ao longo dos anos por mais de uma tentativa frustrada de alcançar seus intentos e a primeira suspeita do envenenamento de D. João VI quando já haviam retornado à Portugal.

     A invasão de Portugal pelas tropas napoleônicas era cada vez mais eminente e a D. João restava apenas duas alternativas: permanecer em Portugal e enfrentar o exército napoleônico que estava derrubando os maiores impérios europeu, ou atravessar o Oceano Atlântico, com todos os seus perigos e reveses e transferir-se com a Corte portuguesa para sua colônia mais rica na América, o Brasil. Esta possibilidade não era nova, pois estava sempre colocada na agenda portuguesa a cada crise que colocava, como agora, a coroa portuguesa em grave perigo. Portanto, a fuga para o Brasil se mostrava a mais coerente e natural entre as alternativas. Inoculado nesta decisão estava o sonho de que no Brasil D. João pudesse se reestruturar e fazer um retorno triunfante para recuperar tudo que naquele momento estava perdendo na Europa.

     Em um arriscado jogo de xadrez entre Napoleão e a Inglaterra, o então inócuo D. João vai postergando sua decisão até o momento final. Em acordo secreto o regente português assina um documento com a Inglaterra, onde se comprometia assim que chegasse ao Brasil abrir os seus portos ao comércio com as nações estrangeiras, leia-se Inglaterra, pois até aquele momento unicamente navios portugueses podiam atracar livremente nos portos brasileiros. Simultaneamente envia correspondência a Napoleão insinuando disposto a fazer um acordo nos termos propostos pelo conquistador francês.

     Quando o até então astuto estrategista Napoleão percebeu a manobra do monarca português e ordenou a invasão já era tarde demais. No dia 29 de novembro de 1807, às 07h00, foi dada a ordem de partida e toda corte portuguesa incluindo os membros da família real, distribuídos em vários navios, como precaução de algum naufrágio, iniciam a árdua e perigosa travessia em direção a colônia brasileira, sob a poderosa escolta da armada inglesa. Quando o exército francês invade Portugal, o regente D. João e a rainha mãe já estão em alto mar em direção ao Brasil com toda sua corte. Muitos anos depois, escrevendo suas memórias quando em seu exílio na Ilha de Santa Helena, referindo-se a D. João VI, agora então rei do Brasil e de Portugal, registra: “Foi o único que me enganou”.

     Entre 10.000 e 15.000 pessoas embarcaram com a família real para o Brasil, incluindo toda sorte de extratos sociais da época desde nobres, militares, juízes, médicos e religiosos até serviçais. A viagem foi longa, quase dois meses e extremamente desconfortável. Em um determinado momento da viagem D. João, levando consigo a rainha mãe D. Maria I, resolveu desembarcar primeiramente na Bahia e não no Rio de Janeiro para onde os demais membros da família e viajantes se dirigiram como havia sido programado quando ainda em Portugal. No dia 23 de janeiro de 1808, após 54 dias em mar e aproximadamente 6.400 quilômetros transcorridos, D. João desembarca no porto de Salvador. E Gomes destaca a importância deste momento para o futuro do Brasil, e destaco para o futuro do protestantismo nacional:

A mesma Bahia que trezentos anos antes tinha visto a chegada da esquadra de Cabral, agora testemunhava um acontecimento que haveria de mudar para sempre, e de forma profunda, a vida dos brasileiros. Com a chegada da corte à Baía de Todos os Santos começava o último ato do Brasil colônia e o primeiro do Brasil independente. (2009, p. 96; Itálico meu).

     E ousadamente parafraseando as palavras acima citadas, medida as proporções e repercussões históricas, destaco: com a chegada da corte à Baia de Todos os Santos começava o último ato do Brasil de monopólio católico romano e o primeiro do Brasil protestanizado, através de suas mais diversas ramificações, que em breve haveriam de serem transplantadas no país.

     A chegada e permanência de D. João em Salvador, antes de seguir para o Rio de Janeiro foi estratégico
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e visava manter o mínimo de unidade na multifacetada colônia brasileira. Estes primeiros trinta dias foram cruciais nas mudanças que seriam efetivadas no Brasil. É aqui, no dia 28 de janeiro de 1808, portanto, uma semana após desembarcar no país, que D. João VI vai assinar, no Senado da Câmara seu primeiro e mais famoso e importante ato em território brasileiro: a carta régia de abertura dos portos brasileiros ao comércio de todas as nações amigas. Evidentemente que será os ingleses a se beneficiarem desta nova realidade por muitas
décadas, mas naquele momento portugueses e brasileiros não tinham nenhuma outra opção, visto que somente navios ingleses conseguiam furar os bloqueios franceses de Napoleão. Este tratado foi ratificado e ampliado em 1810 em que a Inglaterra tornava-se aliada comercial preferencial com a colônia brasileira transformada em sede da monarquia portuguesa. Além das inúmeras vantagens comerciais os ingleses passaram a ter garantia legal para expressar sua religião protestante, podendo inclusive construir seus próprios templos religiosos, com a ressalva de que não se assemelhassem aos templos católicos e não tocassem sinos, que serviam para anunciar os horários de reuniões e cultos, bem como restringia qualquer esforço de proselitismo entre os brasileiros católicos romanos, na linguagem mais protestante, estava proibido qualquer esforço em evangelizar católicos brasileiros. Evidente que a reação por parte do clero romano no Brasil foi imediata e o núncio D. Lourenço Caleppi chega ao ponto de ameaçar D. João de excomunhão caso não retirasse essa clausula do tratado, o que nunca ocorreu.

     Mas como diz o ditado caipira brasileiro “onde passa um boi, passa uma boiada”, o protestantismo chegou para ficar e somente se fará expandir a partir deste momento. Serão os ingleses os primeiros a se estabelecerem oficialmente com sua mensagem evangélica protestante no Brasil, incluindo a primazia de serem os primeiros a construírem legalmente um templo religioso não católico no país, pois Mauricio de Nassau havia construído o primeiro templo protestante no Paço Municipal de Recife, mas durante a invasão holandesa. Ainda que incipiente este singelo momento tornar-se-á fundamental para o processo de protestanização do Brasil a partir de meados do século 19 e definitivamente no século 20.


Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie


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Reflexão Bíblica






Referências Bibliográficas
BONINO, José Míguez. Rosto do protestantismo latino-americano. São Leopoldo: Sinodal, 2003.
GOMES, Laurentino. 1808: Como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta engaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil. 3ª ed. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2009.
________________. 1822: Como um homem sábio, uma princesa triste e um escocês louco por dinheiro ajudaram D. Pedro e a criar o Brasil – um país que tinha tudo para dar errado. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2010.
KIDDER, Daniel P. e FLETCHER, James C. O Brasil e os brasileiros. São Paulo, Cia Editora Nacional, 1941.
LÉONARD, Émile-G. O protestantismo brasileiro: estudo de eclesiologia e história social. 2ª ed. Rio de Janeiro e São Paulo: JERP/ASTE, 1981.
MATOS, Alderi Souza de. Erasmo Braga, o protestantismo e a sociedade brasileira – perspectivas sobre a missão da igreja. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2008.
MENDONÇA, Antonio Gouvêia e VELASQUES FILHO, Prócoro. Introdução ao protestantismo no Brasil, 2ª ed. São Paulo: Loyola, 2002.
RIBEIRO, Boanerges. Protestantismo no Brasil monárquico (1822-1888): aspectos culturais da aceitação do protestantismo no Brasil. São Paulo: Pioneira, 1973.
SCHALKWIJK, Frans Leonard. Igreja e Estado no Brasil holandês (1630 a 1654), 3ª ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2004 (1986).
SILVA, Elizete da. Protestantismo e questões sociais. Sitientibus, Feira               de Santana, nº 14, 1996, pp. 129-42. Disponível em: http://www2.uefs.br/sitientibus/pdf/14/protestantismo_e_questoes_sociais.pdf
SOARES, Caleb. 150 anos de paixão missionária – o presbiterianismo no Brasil. Santos (SP): Instituto de Pesquisa Cristã, 2009.
VIEIRA, David Gueiros. O protestantismo, a maçonaria e a questão religiosa no Brasil. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1980.

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