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quarta-feira, 2 de agosto de 2023

VERBETE – Pais da Igreja: quem foram e sua relevância

O termo “Pais da Igreja” pode soar estranho aos ouvidos dos cristãos evangélicos do século XXI, todavia nos primeiros anos ou até mesmo séculos da era cristã o termo era comum para se referir àqueles que tinham a responsabilidade de ensinar e orientar nas igrejas ou mesmo na forma de discipulado.

Ainda em suas correspondências o apostolo Paulo faz uso desta imagem paternal para se referir ao seu relacionamento para com aqueles aos quais ele conduziu a Cristo e lhes ensinou os princípios elementares da fé cristã: "Mesmo que tenham dez mil tutores em Cristo, vocês não têm muitos pais, porque somente eu os gerei em Jesus Cristo por meio do Evangelho"1 Co 4, 15 .

Ireneu de Lyon explica assim o termo: "Quando alguém recebe o ensinamento de lábios de outro, é chamado filho daquele que o instrui, e este último, por sua vez, é chamado seu paiContra as Heresias 4, 41, 2.

Com a subsequente morte da geração apostólica o ofício de ensino passou a ser da responsabilidade dos Presbíteros (Anciãos, Bispos), assim como carinhosamente o título "Padre [Pai]".  Mas em decorrência das múltiplas controvérsias doutrinárias do século IV, o conceito de “Pai” foi gradualmente modificado e consequentemente se distanciando de seu sentido primário original.

Com multiplicidade do uso do termo passou a ser utilizado a forma plural “Pais” designando um grupo mais ou menos circunscrito de personagens eclesiásticos dos séculos iniciais da era cristã, cujas opiniões e definições passaram a serem fontes autoritativas no que tange aos aspectos teológicos e eclesiásticos.

Muitos reformadores no século XVI, incluindo João Calvino, buscaram criteriosamente ensinos dos “Pais da Igreja”, como fontes secundárias [o que não anula ‘somente as Escrituras’ como fonte primária] para defender seus pontos cardeais de fé e eclesiologia.

Desta forma passou a ter maior relevância não a declaração feita por um ou outro isoladamente, mas sim o acordo conjunto de vários em algum ponto da doutrina bíblica. Nesse sentido, o pensamento dos bispos reunidos no Concílio de Nicéia, o primeiro dos Concílios chamados Ecumênicos (ano 325), adquire força e autoridade muito especiais, de maneira que as definições conciliares passaram a constituir o padrão doutrinário e eclesiástico (ortodoxia) das igrejas e discordar tornou-se heresia.

O bispo Basílio referindo-se aos “Pais Nicenos”, que formaram o primeiro Concílio declara: "O que ensinamos não é o resultado de nossas reflexões pessoais, mas o que aprendemos dos Santos Padres Epístola 140, 2. 4..” A partir do século V, recorrer aos "Pais" torna-se um fator definidor para resolve as controvérsias.

Por que conhecer os Pais

Os denominados “Pais da Igreja” não se consideravam e nem podem ser considerados no mesmo nível das testemunhas diretas e escritores de literaturas canônicas, como a geração apostólica que os antecedeu. O critério objetivo com que devem ser tratados e os seus escritos são seus fundamentos canônico literário, ou seja, o quanto se aproximam ou distanciam das Escrituras do Novo e do Antigo Testamentos. Nada do que escreveram tem em si valor e autoridade da literatura inspirada, de maneira que devem ser recebidos sob rigoroso e criterioso exame à luz da literatura canônica estabelecida. O grande valor deles e seus estudos é confirmarem e exporem a verdade bíblica (somente as Escrituras). Quaisquer outros atributos ao trabalho deles torna-se perigoso e nocivo. Mas quando humildemente vistos como servos das Escrituras tornam-se instrumento útil para preservação da verdade bíblica e instrumentos pedagógicos para edificação dos cristãos.

Eles em momento algum consideraram a si mesmos como testemunhas diretas da revelação divina e/ou inspirados. Tudo quanto escreveram, breves literaturas polêmicas e apologéticas, de material devocional, sistemática e, ocasionalmente, histórica, era completamente dependentes da interpretação dos escritos bíblicos.

 A relevância da literatura desta geração pós apostólica está no fato de que se constituem testemunhas privilegiadas do ensino direto dos apóstolos; desenvolveram métodos hermenêuticos e teológicos seguros; produziram uma fonte de riqueza cultural e literária que os tornaram grandes mestres da igreja de ontem e de hoje. Em consequência destes fatores se constituem em patrimônio do cristianismo em todos os tempos.

O período histórico em que eles atuaram ficou conhecido como a “Era Patrística” e abrange aproximadamente do final do século 1 (com a morte de João o último dos apóstolos) até meados do século VIII. O apogeu de suas atividades foram os séculos IV e V, quando o cristianismo estava no processo de se estabelecer como a igreja estatal do Império Romano. Os que aceitam um período mais longo considera que seu encerramento ocorre com a morte de João de Damasco em 749.

Eles podem ser divididos de várias maneiras sendo um método favorito por períodos: os Padres Ante-Niceno até 325; os Grandes Padres do século IV e metade do quinto (325-451); e os Padres posteriores. Uma divisão mais simplificada é em orientais e ocidentais.

Ante-Nicenos: Os Escritos até 325 d.C.

Os Padres Apostólicos com Justino Mártir e Irineu, Clemente de Roma, Mateus, Policarpo, Inácio, Barnabé, Papias, Justino Mártir, Irineu.

Século II - Hermas, Taciano, Teófilo, Atenágoras, Clemente de Alexandria, Tertuliano

Século III - Tertuliano Parte IV; Minúcio Félix; Commodian; Orígenes; Hipólito; Cipriano; Caius; Novaciano; Gregório Thaumaturgo; Dinoysius, o Grande; Júlio Africano; Anatólio; Metódio; Arnóbio.

Séculos III e IV - Lactâncio, Venâncio, Astério, Vitorino, Dionísio.

Nicenos e Pós-Nicenos – Agostinho; Crisóstomo; Eusébio; Sócrates; Teodoreto; Jerônimo; Genádio, Rufino; Sozomeno; Atanásio; Gregório de Nissa; Cirilo de Jerusalém, Gregório Nazianzeno; Basil; Hilário de Poitiers, João de Damasco; Ambrósio; Sulpitius Severus, Vicente de Lerins, João Cassiano; Leão Magno, Gregório Magno; Ephriam Syrus, Aphrahat.

 

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
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Referências Bibliográficas

CAMPENHAUSEN, Hans von. Os Pais da Igreja – a vida e a doutrina dos primeiros teólogos cristãos. Tradução de Degmar Ribas Júnior. Rio de Janeiro, CPAD, 2005-2010.

GEBHARDT, Oscar de, HARNACK, Adolfus and ZAHN, Theodorus. Patrum Apostolicorum Opera. Lipsiae: J.C. Hinrichs, 1877.

HALL, Christopher A. Lendo as Escrituras com os pais da igreja, 2. ed., tradução de Rubens Castilho; Meire Santos. Viçosa: Ultimato, 2007.

HAMMAN, Adalbert-G. Para leer los padres de la iglesia. Traducción: Santiago García Rodríguez. Bilbao: Editorial Desclée S.A., 2009.

LIGHTFOOT, J.B. The Apostolic Fathers. 5 vols. London: Macmillan, 1893. Updated by Holmes, Michael, The Apostolic Fathers: Greek Texts and English Translations. 3d rev. ed. Grand Rapids: Baker, 2007.

LITFIN, Bryan M. Conhecendo os Pais da Igreja - uma introdução evangélica. Tradução de Márcio Loureiro Redondo. São Paulo: Vida Nova, 2015.

VIVES, Josep. Los Padres de la Iglesia. Barcelona: Ed. Herder, 1982.

VIVES, Josep y LOARTE, René. El tesouro de los padres de la iglesia. EditorialRIALP, 2021.

Christian Clssics Ethereal Library. Early Church Fathers. Early Church Fathers - Christian Classics Ethereal Library (ccel.org). Contém as obras escritas por quase todos os Pais da Igreja.

 


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