Evidentemente que a História é muito mais do que um ou
alguns personagens, todavia, alguns personagens históricos se sobressaem e
assumem um papel de protagonista nos eventos em que estiveram envolvidos.
O movimento chamado de Reforma Protestante tem suas
origens muito antes do século XVI. Os questionamentos e descontentamentos com a
situação caótica da Igreja Cristã Romana, então única e soberana no mundo
cristianizado europeu, sempre despertaram pessoas e fomentaram movimentos mais
ou as vezes menos intensos e abrangentes. Personagens invisíveis e movimentos geograficamente
restritos acabaram por serem completamente alienados dos anais históricos e se
perderam no tempo e espaço historiográfico, pois não foram registrados e nem
perpetuados na forma oral.
Por outro lado, como um fio condutor histórico,
sobressaem nomes e lugares, que adequadamente registrados oferecem um
testemunho dos fatos que ocorreram em tempos passados, mas que ainda se podem
ou se fazem sentir suas ondas sísmicas, com maior ou menor intensidade, nos
dias atuais.
Neste sintético artigo quero destacar as figuras de
quatros homens que possuem o mesmo nome – João (John) e que perfazem um fio
condutor rico do processo histórico que preparou e efetivou o maior movimento
de Reforma Religiosa dentro do Cristianismo Ocidental até os dias presente. Em
ordem cronológica: João Wycliffe; João Huss;
João Calvino e João Knox. Cada um destes “João” deixaram suas marcas
indeléveis nas páginas da História da Reforma Protestante. Os dois primeiros
atuam no processo antecedente e os dois posteriores exercem seus papeis no
processo subsequente, mas certamente não é possível referir-se a Reforma
Protestante sem mencionar cada um destes “João”. Cada um deles com suas
virtudes e defeitos foram instrumentos adequados para empreenderem as reformas
religiosas que se faziam necessárias em seu tempo e lugar próprio.
Evidentemente que esses quatro personagens não foram os
únicos e nem se advoga qualquer grau de proeminência sobre todos os demais que
perfazem o extraordinário mosaico da Reforma Protestante, destaque que cada um
deles certamente rejeitaria com veemência, visto que tinham plena consciência
de suas vulnerabilidades humanas, pois somente tolos aceitam e buscam a
proeminência – visto que eles e todos nós somos apenas instrumentos da graça de
Deus, o único a alcançar a proeminência em toda a História humana.
O exercício a que nos propomos aqui é apenas o de
apreciarmos de forma singela e sucinta a forma com que cada um destes “João”
desempenhou seu papel nesta História extraordinariamente rica da Reforma
Protestante que antes, durante e ainda hoje produz seus efeitos na vida de
milhões de cristãos em todo o mundo e que aqui no Brasil se fez sentir, mais
efetivamente, a pouco mais de cento e sessenta anos, quando as primeiras
missões protestantes evangélicas estadunidenses começaram a desembarcarem seus
primeiros missionários nos portos brasileiros.
João Wycliffe (c. 1328–1384)
Os anseios por uma Igreja Cristã que refletisse os
ensinos bíblicos e fosse libertada dos grilhões da corrupção teológica e da
depravação eclesiástica são percebidos em séculos antecedentes ao nascimento de
João Wycliffe. Milhares de cristãos, homens e mulheres, foram mortos por
simplesmente desejarem e defenderem uma Igreja coerente com os princípios
bíblicos.
John Wycliffe nasceu em Hipswell, perto de Yorkshire, na
Inglaterra, provavelmente no ano de 1328. Em 1346 foi estudar Teologia,
Filosofia e Legislação Canônica em Oxford (Balliol College) e aqui nessa cidade
ele permaneceu o resto de sua vida. Com 26 anos tornou-se mestre do Colégio em
que estudara. Com 1361 foi ordenado pela Igreja católica, passando a exercer a
função de vigário em Fillingham. Voltou para Oxford, onde conclui o bacharelado
em Teologia, em 1365 e o doutorado em 1372.
O rei Ricardo II (1377-99) foi quem percebendo suas
qualificações acadêmicas e eruditas o nomeou capelão e posteriormente reitor em
Lutterworth. Nos anos subsequentes (1360 a 1370) Wycliffe adquiriu uma
crescente reputação como pregador popular e com fortes tons de crítica ao
sistema papal de governo da Igreja Cristã Romana. A resposta imediata do clero
romano vem através do Papa Gregório XI que em 1377 condena o teor de suas
pregações antipapas e exige que se apresente ao bispo de Londres. Todavia,
contava com apoio tanto da Universidade em Oxford quanto da corte do rei e por
esta razão não foi preso.
Mesmo
debaixo de fortes pressões eclesiásticas Wycliffe continuou sistematicamente pregando
contra os desmandos eclesiásticos e desvios teológicos da Igreja Romana e seu
moto era de que somente na Bíblia encontra-se a única fonte de autoridade e
verdade e não em quaisquer outros documentos eclesiásticos. Como Martinho
Lutero 150 anos depois suas teses concluíam enfaticamente de que nem Papas e
nem Concílios eram infalíveis, e que quaisquer decretos papais ou conciliares
derivam sua autoridade e poder somente quando estando em perfeita consonância
com as Escrituras em sua totalidade. Além da questão papal, que ocupou grande
espaço em suas pregações e escrita, Wycliffe também questionou as doutrinas
católicas da transubstanciação e do purgatório.
Outro vespeiro cutucado pelo reformador de Oxford é que
os líderes eclesiásticos deveriam ser servos do povo e não se servir deles para
seus propósitos pessoais. Dentro dessa perspectiva a partir de 1380 ele
organizou grupos de voluntários, pessoas que haviam sido seus alunos e influenciados por seus ensinos e se constituíam em "pregadores leigos" porque não faziam votos nem recebiam
consagração formal e posteriormente ficaram conhecidos como Lolardos, e que
despojados de tudo à semelhança dos discípulos enviados por Jesus em duas
ocasiões de Seu ministério terreno, a partir de Oxford viajaram por toda a
Inglaterra pregando a mensagem evangélica.
Essa atitude de Wycliffe, literalmente, colocou mais
madeira na fogueira e a resposta de Roma veio imediata – o bispo de Londres o
proíbe de pregar e em 1382 o arcebispo de Canterbury emite uma bula de sua
condenação eclesiástica. Todavia, o professor e clérigo reformador permanece
refugiado na Universidade de Oxford. Durante esse período de reclusão ele
completou uma de suas maiores obras – uma tradução da Bíblia para a língua
vernácula inglesa e também empreendeu um resumo de suas ideias principais em um
livro cujo título é “Trialogus” [Triálogo] (1382), onde discute o poder e conhecimento de Deus,
criação, virtudes e vícios, a encarnação, a redenção e os sacramentos. Wycliffe
escreveu para familiarizar padres e leigos com as complexas questões
subjacentes à doutrina cristã, e começa com a teologia filosófica formal, que
se move para a teologia moral, concluindo com uma crítica abrasadora do status
quo eclesiástico do século XIV. Escreveu também obras de cunho político: Sobre o domínio civil (1376); Sobre o poder do Papa (1379); Sobre a ordem cristã (1379). Sua obra teolóogica "Suma de Teologia" [Summa Theologiae] contém a espinha vertebral do pensamento reformado que será desenvolvido primeiramente pelos boêmios e posteriormente pelos principais expoentes do movimento da Reforma Protestante. Wycliffe trata sobre a predestinação, a justificação pela fé, o estado da graça, a autoridade papal e a igreja como comunidade dos santos. Nega também a doutrina da transubstanciação e que os leigos deveriam participar tanto do pão quanto do cálice na ministração da Ceia.
Depois que Wycliffe morreu em 1384 as autoridades da
igreja romana suprimiu seus escritos o máximo possível, todavia, uma geração
depois, suas ideias ainda continuavam vivas e sendo pregadas pelos Lolardos. Em
1415, quando então outro reformador popular John Huss foi igualmente condenado
à morte em fogueira, o Conselho de Constança ordenou que o corpo (ossos) de
Wycliffe fosse exumado e queimado junto com seus livros. A ordem foi cumprida
somente em 1428.
Quando no século XVI a Inglaterra experimenta uma Reforma
Religiosa, promovida inicialmente pelo rei Henrique VIII, mas efetivamente
concluída apenas no governo de sua filha Elizabete I, o grande doutor de Oxford
João Wycliffe passou a ser considerado como uma das poderosas vozes que
promoveram a Reforma no Velho Continente. Seu Novo Testamento em inglês foi
finalmente publicado, em uma edição limitada, no século XVIII, e sua Bíblia em
meados do século XIX. João Wycliffe, reformador, filósofo, teólogo, educador e diplomático, não sem razão é chamado de a Estrela Matutina da Reforma Protestante.
João Huss
(1373–1414)
A Boemia, onde nasceu João Huss [Hus], pode ser chamada de a
terra mais fértil da Reforma. Nenhum outro local geográfico específico produziu
tantos reformadores quanto na Boemia – que merece ser até mesmo tratada como um
personagem e não apenas como um local da Reforma. Desta forma desde seu
nascimento João Huss respira a atmosfera reformista o que fará toda a diferença
em sua vida e suas ações posteriores. João Huss expressou de forma inigualável
os ideais teológicos e eclesiásticos que prefigurou e balizou o que viria a ser
a grande Reforma Religiosa do século XVI praticamente cem anos após seu
martírio.
João Huss nasceu em 1373 na pequena cidade de Husinec na
Boémia (atualmente República Checa). Seus pais de origem camponesa o encaminham
para o sacerdócio, visto ser uma carreira promissora e segura, apoiando-o com
grande sacrifício seus estudos clericais. Em 1390 ele entra para a Universidade
de Praga e completa de forma extraordinária seus estudos acadêmicos e vindo a
ser um dos mais populares professores daquele centro acadêmico universitário.
Em 1402 Huss foi nomeado reitor e pregador oficial na
Capela dos Santos Infantes de Belém na cidade de Praga. Suas críticas dos desvios teológicos e eclesiásticos da igreja de Roma o tornaram líder do partido reformista do catolicismo checo. Nesse mesmo período ele
começa absorver as ideias críticas de John Wycliffe, que chegam até ele através
de seu amigo Jerome de Praga, um ex-aluno de Wycliffe em Oxford, que trouxe as literaturas do reformador inglês e de outros escritores que aspiravam uma reforma ampla da igreja. Nesse momento dois amigos de Huss foram acusados no Tribunal da Inquisição, Stanslav de Znojmo e Stephen Palec, e condenados por divulgarem as ideias do reformador inglês.
As pregações críticas iniciais de Huss centrava-se na
reforma moral do clero, desde o Papa, perpassando os Concílios e chegando aos
padres paroquiais locais. Seus adversários numeraram as principais "heresias" de Huss: suas celebrações são feitas na língua vernácula checa e não em latim, defende a distribuição de ambos os elementos da Ceia
(pão e vinho) a todos os leigos, suas críticas à prática da venda de indulgências e ensinar aos leigos como interpretar as Escrituras.
Sua voz ecoava por toda Boemia conclamando que a Igreja
necessitava rejeitar as doutrinas contrárias ao ensino bíblico
independentemente de as elaborou. Diferentemente de seu antecessor inglês Huss
começa a perder seu apoio na Universidade de Praga. Um documento forjado pelos
seus “colegas” acadêmicos nomearam 45 declarações de Huss que o condenavam
diante das autoridades eclesiásticas romanas. Foi excomungado pelo arcebispo de
Praga e convocado para responder por suas heresias em Roma, mas diante de sua
recusa em comparecer na Sé romana, o papa de plantão ratificou sua excomunhão.
O Papa baixa um interdito sobre a cidade de Praga, de maneira que nenhum oficio
religioso poderia ser realizado na cidade ou se realizado seria considerado
invalidado. Para não penalizar ainda mais o povo de Praga o pregador reformista
retorna para sua pequena cidade natal no interior. No aconchego de seus
familiares, amigos e apoiadores Huss continua pregando e ensinando e também
agora escrevendo, mas este período demonstrou ser apenas a calmaria antes da
tempestade. Seus trabalhos foram escritos em latim e checo as duas principais são: Exposições sobre a fé, sobre os Dez Mandamentos e sobre o Pai Nosso (1412); Sobre a Igreja (1413), onde é possível encontrar a síntese de sua teologia e visão de que deveria ser uma igreja fiel.
Em 1414 foi convocado um Concílio da Igreja que deveria
se reunir em Constança (Alemanha) para tentar equalizar a questão de quem era o
legal Papa da Igreja, visto que naquele momento havia ao menos três
pretendentes que se autoproclamaram Papas. Huss também foi convocado para
comparecer a fim de explicar suas opiniões e mesmo aconselhado pelos amigos
para não comparecer e assegurado por um salvo-conduto emitido pelo próprio
imperador do Sacro Império Romano Sigismundo (1411-37), Huss toma a decisão de
defender suas teses na esperança de ser ouvido.
Sua chegada foi tranquila e por um mês aproximadamente
pode transitar livremente e pregar, mas uma armação foi elaborada para acusa-lo
de tentativa de fugir de Constança e foi preso e torturado continuamente por
quase um ano. Seu processo, semelhante ao de Jesus, foi manipulado por seus
adversários que controlavam os tribunais eclesiástico e civil; foi-lhe negado
em todas as ocasiões que se defendesse; Sigismundo acovardado diante do
Concílio eclesiástico e dependente do apoio financeiro da Igreja Romana, não
manteve o salvo-conduto. Mas mesmo diante de todas essas atrocidades Huss
manteve-se firme e imutável em suas convicções. Na eminência de sua morte na
fogueira ele ainda encontra animo para escrever aos amigos fazendo um
trocadilho com seu sobrenome “Huss”
que significa “ganso”, escreve ele: “o fogo está sendo preparado para assar o
ganso”.
Condenado à morte pela fogueira suas cinzas foram
lançadas no rio Reno em um último esforço das autoridades eclesiásticas romanas
de calar a voz de Huss. Mas era tarde demais e assim como seu antecessor
Wycliffe, as notícias de sua traição e martírio incendiou a cidade de Praga e
suas ideias tornaram-se um grito uníssono de todos os Boêmios. Mesmo fazendo
uso de exércitos dez vezes maiores a Igreja Romana e o Império não conseguiram
silenciar os boêmios que permaneceram firmes em seus posicionamentos. As ideias
de Huss permanecem vivas através da Igreja hussita checoslovaca em sua terra
natal e também através da Igreja Moraviana. Aproximadamente cem anos depois, Martinho Lutero foi excomungado (1521) justamente por estar ensinando e defendendo as ideias de Huss.
João Calvino (1509-1564)
Esse francês de nascimento e genebrino de coração e alma
foi inserido diretamente no movimento reformado como que contrariando seus
projetos e propósitos pessoais. Em fuga da França em decorrência da intensa e
violenta perseguição católica sobre aqueles que defendiam os princípios
reformadores (huguenotes), João Calvino perpassa o território suíço e enquanto
pernoita na cidade de Genebra vem ao seu encontro o reformador local William
Farel e depois de uma conversa breve lhe faz uma intimação para que abandone
seus planos e se inserisse de corpo e alma no processo da Reforma Protestante.
Diante das palavras contundentes de seu amigo o então ainda jovem João Calvino
toma a decisão de permanecer na cidade e a partir deste momento assume seu
papel no processo da Reforma, que haverá de extrapolar as fronteiras limitadas
de Genebra e se fará sentir em todos os demais continentes e ainda que somente
trezentos anos depois vai se fazer sentir nas terras brasilienses na segunda
metade dos oitocentos.
João Calvino nasceu na cidade de Noyon (França), na época cidade episcopal, cujo bispo era amigo da família de Calvino. Seu pai
o enviou para estudar na França e prepara-lo para a carreira eclesiástica, mas
após concluir seu bacharelado o pai mudou de opinião e enviou-o para Orleans e
depois para Bourges em preparação para a carreira de Direito, onde completou
seus estudos em 1531.
Nesse ínterim o jovem Calvino torna-se entusiasta do
movimento humanista cristão e após a morte de seu pai em 1531 retorna para
Paris e estuda com acadêmicos do porte de Jacques LeFevre d’Etaples, humanista
e respeitado erudito biblicista e reformador moderado, um dos precursores da Reforma Protestante na
França, cujas pregações em 1512 centravam-se na doutrina da “justificação pela fé”. Em 1533 Calvino e
seu amigo Nicolas Cop são obrigados a fugirem da França por causa de suas
ideias protestantes. Inicialmente permanecem na cidade Suíça de Basiléia, onde
Calvino inicia seus primeiros esboços das Institutas da Religião Cristã (1536),
que veria a ser a sua monumental obra teológica. Na primeira edição compreendia seis capítulos e um total de 516 páginas. Viaja pela Itália e França e quando se dirige para Estrasburgo, por questões de conflitos bélicos, toma o caminho que passa pela cidade de Genebra. Farel um reformador da cidade vai ao seu encontro e com enfática insistência o faz permanecer em Genebra e estabelecer um programa de Reforma para a cidade. Mas os embates com o Conselho civil chegam a um impasse e Calvino
retira-se para a cidade de Estrasburgo, onde Martin Bucer liderava a Reforma. Aqui conhece e casa-se com Idelette de Bure (1540) que dura apenas nove anos, quando ela falece. Vem a fazer amizade com Melanchthon, sucessor de Lutero, com quem estabelece diversos pontos de concordância teológica. É
aqui que o jovem reformador produz seu comentário sobre a epístola aos Romanos,
bem como desenvolve seu conceito teológico sobre a predestinação, visando uma
segunda edição de sua obra Institutas da Religião Cristã.
Em setembro de 1541 convidado pelas autoridades de Genebra retorna
para a cidade na qual permanecera até o fim de sua vida. Prega dominicalmente
duas vezes; seu código moral estrito torna-se popular e seus apoiadores foram
eleitos para os cargos municipais; mantem o controle da igreja fora das mãos do
Estado e para a qual ele estabelece dois tipos de líderes: presbíteros que são
responsáveis pelo ensino e pregação (ministros) e presbíteros regentes
responsáveis pela administração eclesiástica (leigos). Os desafios sempre foram
grandes e a figura de Miguel Serveto (1511-1553), médico espanhol que negava a doutrina da
Trindade e faz ataques pessoais contínuos contra Calvino e que após ser julgado
e condenado foi executado, permanece como um aspecto negativo em sua biografia
na opinião de seus opositores de ontem e de hoje.
Sua teologia foi fundamentada em pilares imutáveis da
autoridade da Bíblia como única regra de fé e prática cristã; a soberania de
Deus; a salvação como dom de Deus; a predestinação e eleição dos salvos. Sua
posição teológica em relação a Ceia ficou entre a interpretação luterana de
presença real e a interpretação de Zwínglio de um memorial histórico. Para Calvino
a Ceia é um meio de graça pela qual o Espírito Santo edifica e fortalece o
crente que dela participa dignamente. Sua formação jurídica pode ser vista em
sua interpretação tríplice das leis: na esfera do Estado a lei restringe o mal;
no contexto da igreja a lei convence o pecador e o conduz ao arrependimento
e na esfera da vida cristã é a baliza
para se viver justa e piedosamente.
A cidade de Genebra tornou-se um lugar de refugio para
todos aqueles que eram perseguidos pela Igreja Romana. Sua Academia
(Universidade) tornou-se a matriz de onde se disseminou seus conceitos
teológicos bem como sua formatação eclesiástica. Muitos líderes cristãos
ingleses perseguidos quando do reinado de Maria Tudor (1553-1558) encontraram
em Genebra um refugio e ao retornarem após a entronização de Elizabete I
(1558-1603) formaram o movimento e partido dos Puritanos que permaneceu debaixo
do guarda-chuva do Anglicanismo, mas posteriormente acabaram imigrando para o
Continente americano e ali estabelecendo as denominações evangélicas que
aportaram no Brasil na metade final dos oitocentos.
João Calvino faleceu em 27 de maio de 1564 e foi
sepultado em local desconhecido, conforme suas próprias instruções. Seus
escritos, em grande quantidade, continuam sendo editados, lidos e estudados até
os dias atuais em centenas de países diferentes espalhados pelo globo
terrestre. Sua obra teológica Institutas contém quatro grandes livros com um total de oitenta capítulos.
João Knox (c. 1514–1572)
A Reforma na Inglaterra e, por conseguinte no Reino da
Grã Bretanha (Escócia, Irlanda e País de Gales) iniciada pelo então rei Henrique
VIII, mas efetivamente consolidada apenas posteriormente no reinado de sua
filha Elizabete I é classificada pelos estudiosos como uma meia Reforma. Tanto
Henrique quanto Elizabete nunca endossou todo o manual reformador. A chamada
Igreja Anglicana manteve e mantém características teológicas e eclesiásticas
ambíguas entre as concepções católica e reformada. É neste contexto complicado
e extremamente mortífero que nasce o escocês João Knox que faz da implantação
de uma real Reforma na Escócia o cerne de sua vida e de suas ações.
John Knox nasceu em Haddington, na Escócia, antes de
1515. Há registro de que frequentou a escola em Haddington, mas não há registro
de ter frequentado a universidade. Todavia, ele adquiriu uma ampla educação em
línguas, direito e teologia sendo ordenado sacerdote na Igreja Católica Romana por
volta de 1536. Ele trabalhou como professor particular na década de 1540.
Um dos primeiros expoentes da Reforma na Escócia foi
George Wishart, foi preso e queimado na estaca em St. Andrews (1546) e
provavelmente Knox estivesse presente. Já nessa época ele era um simpatizante
da agenda reformada e por esta razão não questionou quando o cardeal Beaton foi
assassinado em decorrência da morte de Wishart. Posteriormente se encontrava
entre aqueles que tomaram o castelo de St. Andrew e ali permaneceram por três
meses ate serem capturados pelos franceses (1547) e em decorrência disso Knox ficou
preso por 19 meses trabalhando nos porões fedorentos e insalubres dos navios e
constantemente era hostilizado para que rezasse à virgem Maria.
Novamente em liberdade (1549), Knox vai para a Inglaterra
(cinco anos), no pequeno período do reinado do infante Edward VI (filho de
Henrique VIII), que fez prosperar a causa protestante. Cooperar com o arcebispo
Cranmer na formulação dos quarenta e dois artigos, o credo protestante adotado
pela Igreja da Inglaterra. Recebe a licença para pregar e por dois anos
permanece em Berwick e por curto período foi um dos capelães reais viajando
pelos distritos do reino para doutrinar o clero dentro dos princípios da
Reforma. Convidado recusou a oferta para se tornar bispo de Rochester.
Quando o jovem Edward falece acometido pela enfermidade
que o acompanhava desde o nascimento, assume trono inglês sua irmã Maria Stuart
profundamente católica e que demora em utilizar todo seu arsenal contra os
protestantes. Em 1554 Knox é obrigado a fugir e encontra refugio inicialmente
em Frankfurt e exerce a função de capelão dos expatriados britânicos ali
residentes. Depois foi para Genebra durante este curto período que permanece
ali assimila a teologia e o sistema de governo elaborados pelo reformador genebrino
João Calvino, o que vai delinear toda trajetória posterior deste reformador e
da própria Escócia. Em 1555 ele retorna para Berwick, na Escócia, onde prega
entusiasticamente ao povo. Escreve uma breve carta à rainha Maria de Lorena (Mary
Stuart), então regente da Escócia, pedido que ela fosse tolerante com os
reformados. A rainha que era católica apaixonada se irritou profundamente com
tal pedido e ordena que ele fosse imediatamente preso, mas Knox já havia deixado
a Escócia e retornado à Genebra. Ainda mais frustrada a rainha escocesa o
sentencia à morte e simbolicamente queima uma efígie (retrato) dele.
De fato Knox tinha um problema sério com as mulheres da
realeza, que naquele momento ocupavam os principais tronos da Europa. Em 1558,
ele publicou seu famoso “First Blast of
the Trumpet against the Monstrous Regiment of Women”, (o Primeiro Clarim
Contra o Monstruoso Governo de Mulheres), dirigido diretamente às rainhas Maria
Tudor, da Inglaterra, Catarina Medici da França e Maria Stuart da Escócia.
O partido reformado avançava lentamente na Escócia. De
Genebra, Knox mantém contato com seus companheiros e envia-lhes orientações e conselhos.
Em 1557, os líderes do partido Protestante criaram uma aliança (Common Band) que
ficou conhecida como a Primeira Aliança [Protestante] Escocesa. A partir deste
momento as igrejas reformadas puderam ser estabelecidas normalmente. As
lideranças reformadas solicitam que Knox retorne para a Escócia a fim de
consolidar os esforços que estão sendo feitos em todo o país, de maneira que, em
2 de maio de 1559, Knox retorna à Escócia, viajando por todas as cidades e
vilas da Escócia mobilizando a população à favor do movimento protestante.
Convicto
de que a Reforma na Escócia seria consumada, ele não recuou diante dos perigos.
Ele sabia quão precioso era aquela hora e que, se essa oportunidade histórica
fosse perdida, não haveria outra. Ele apelou ao patriotismo dos nobres e
cidadãos, incansavelmente percorria todos os lugares e fala a pequenas e
grandes multidões explicando-lhes especialmente a natureza do Evangelho, o
perdão, a pureza, a paz que isso traz aos indivíduos, a estabilidade que
confere aos países. Para ele era muito claro as duas alternativas que estavam
diante dos escoceses: de um lado, a religião reformada, como uma luz, acenando
para a Escócia; do outro, a forma sombria do catolicismo romano, puxando o país
de volta à escravidão. Sua oração diária era constituída de uma única frase: “Senhor!
Dá-me a Escócia ou a morte!”.
Em 7 de julho de 1559 ele foi eleito ministro dos
protestantes de Edimburgo. A reação da rainha Maria Stuart foi imediata e duas
semanas depois seus exércitos marcham contra a cidade. Enquanto as lideranças
políticas protestantes conseguem ganhar algum tempo, Knox busca apoio da rainha
Elizabete I, reinando na Inglaterra depois da morte da irmã. Com o reforço de
Elizabete o jogo vira a favor dos protestantes e a rainha regente teve que se
refugiar no Castelo de Edimburgo e ali morreu em 1560.
Passada a grande crise nacional o Parlamento volta a se
reunir com ampla vantagem para os protestantes que conseguem aprovar uma
Confissão de Fé (First Scots Confession) anteriormente preparada por Knox e
outros auxiliares contendo uma enfase teologica calvinista. Sendo lido, artigo por
artigo, no Parlamento, foi em 17 de agosto adotado pelos Estados escoceses como
expressão da fé nacional - a Escócia da Idade Média é substituída por uma Nova Escócia. Em 24 de agosto, o Parlamento aboliu a jurisdição do
Papa; proibiu, com severas sanções, a celebração da missa; e revogou todas as
leis em favor da Igreja romana e contra a fé protestante. Ainda, Knox
juntamente com outras autoridades eclesiásticas escocesas prepararam o “Primeiro
Livro de Disciplina”, que detalhava como a igreja escocesa deveria ser
organizada, onde foi adotado o sistema presbiteriano, nos moldes de Genebra,
tendo os presbíteros docentes (ensino e pregação) e os presbíteros regentes
(administração eclesiástica). Sua obra mais relevante não foi teológica, mas histórica: History of the Reformation in Scotland. Ele se casou aos 48 anos e teve dois filhos e veio a falecer em Edimburgo, Escócia, no dia 24 de dezembro de 1572.
Conclusão
Quatro personagens - João
Wycliffe; João Huss; João Calvino e João Knox - que
compartilham um mesmo nome – João - cujas
vidas se entrelaçam na medida em que vão tecendo a História do Protestantismo. Wycliffe e Huss como os profetas do Primeiro Testamento são as vozes que
clamam nos desertos e dispostos a pagarem o alto preço do martírio se assim
fosse necessário, como o foi no caso de Huss. Os dois posteriores, Calvino e knox, assemelhados aos apóstolos do Segundo Testamento, que se
gastaram e deixaram se gastar em prol da restituição da Igreja e sua Mensagem genuinamente
harmonizada com as Escrituras bíblicas. Vozes
que nunca se calaram diante dos desmandos dos poderosos deste mundo, pois
importavam mais obedecerem a Deus do que aos homens. Vidas que jamais colocaram seus interesses pessoais acima dos
interesses do Reino de Deus. Homens
convictos do que pregavam e ensinavam e que jamais trocaram ou barganharam as
insondáveis riquezas de Cristo, por quaisquer outros privilégios deste mundo
tenebroso. Utilizando as palavras do escritor da carta aos Hebreus eles foram
cristãos “dos quais o mundo não era digno”.
Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
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Reflexão Bíblica
http://reflexaoipg.blogspot.com.br/
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A
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A
Reforma na Inglaterra - Eduardo VI e Maria Tudor
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