Todas as conjecturas – uma
mensagem definida, um povo ávido e uma estratégia apropriada indicavam que a
Igreja Presbiteriana do Brasil continuaria firme e forte em sua expansão no
país. Mas a formação de nuvens escuras
indicava que uma tempestade aproximava-se rapidamente, de maneira que, ainda no
seu nascedouro ela vai experimentar o inicio do triste ciclo de pequenas e
grandes divisões eclesiásticas, que marca distintivamente o protestantismo
mundial, desde sua origem na chamada Reforma Protestante do século XVI, que
muitos historiadores preferem hoje colocar no plural e denominar de “Reformas
na Europa” (FISHER, 2006, p. 12).
Antes mesmo do grande cisma
de 1903, o presbiterianismo brasileiro já havia sentindo o gosto amargo de uma
dissensão em sua primeira igreja, nem ainda bem consolidada. Como coloca
Rivera:
Logo
nas primeiras décadas de trabalho missionário entre Rio de Janeiro, São Paulo e
Minas Gerais, as lideranças dessa igreja tiveram que encarar interpretações
heterodoxas de algumas de suas principais tradições. O conflito levou ao êxodo
de um grupo de famílias identificadas com as convicções religiosas de Miguel
Vieira Ferreira, presbítero dessa igreja, que acabou fundando uma nova tradição
religiosa. A nova igreja foi nomeada Igreja Evangélica Brasileira e iniciou
suas atividades em setembro de 1879. (2012, p. 111).
Acompanhado seu pai,
Fernando Luiz Ferreira, maranhense, que se estabeleceu no Rio de Janeiro em
1820, Miguel Vieira Ferreira começa a frequentar os cultos, na Igreja
Presbiteriana do Rio de Janeiro e rapidamente foi recebido como membro desta
igreja, juntamente com outros membros da sua família, pelo Rev. Blackford em
1874. O fato de Miguel Vieira ser uma pessoa eminente na sociedade carioca e
brasileira produz grande repercussão na capital do país e o fez objeto de
noticiários nas revistas missionárias americanas.[2]
Tendo qualidades excepcionais como orador,[3]
muito ao gosto da prática evangelizadora dos missionários protestantes,
rapidamente galga posição de destaque na igreja local, e ascende à função de
presbítero e projeta-se nacionalmente, pois além de pregar no púlpito do Rio, é
convidado a pregar também nas igrejas em São Paulo e Minas.[4]
Entretanto sua ênfase cada
vez mais acentuada na necessidade de uma experiência sobrenatural, decorrente
de sua formação iluminista católica e mesclada por um cientismo liberal
positivista, como marca distintiva de uma genuína conversão, como fora seu caso
singular, começa a gerar discrepâncias cada vez maiores dentro da denominação.
Sendo inquirido pela liderança e posteriormente proibido de continuar a ensinar
tais princípios, Miguel Vieira opta por sair da denominação presbiteriana e
juntamente com alguns outros membros, maioria composta por seus próprios
parentes, funda a Igreja Evangélica Brasileira (LÉONARD, 1963, p. 67-70), dando
inicio a esta característica singular de uma multiplicação por segmentariedade
que só tenderá a crescer no campo protestante evangélico brasileiro. Rivera
analisa assim esta ruptura de Miguel Vieira.
Ferreira
encontra ou pensa encontrar, no protestantismo um espaço social para colocar
tais ideais em prática. Para ele o ideal do progresso era uma força que estava
acima de tudo. Era para ele força extraordinária que dava sentindo à sua
existência e ação. Tratava-se nesse sentindo, de verdadeira religião. Nesta
perspectiva se explica melhor sua entrada no protestantismo e sua posterior
decepção, levando-o a criar um novo espaço de realização de seus ideais regeneradores,
que seria a Igreja Evangélica Brasileira. (2012, p. 123).
Retornando
à grande crise divisionista que se antevia (1903), temos em Ribeiro uma análise
bastante sincera e sem qualquer subterfúgio das razões e motivos alegados por
todos os envolvidos desnudando as reais motivações que produziram este triste
episódio da ainda incipiente história do presbiterianismo brasileiro:
A crise
nasceu no seio da própria Igreja Presbiteriana; prenunciaram-na insatisfações mal avaliadas e mal
atendidas; ensejou-a um modelo estrutural inviável que colocava em rota de
colisão próceres apaixonados e comprometidos com o que entendiam ser a missão
de sua vida. As insatisfações se acentuaram em repetidos atritos e confrontos
sem solução, e se propagaram a pequenos e grandes até ao ponto de não retorno,
e à ruptura. Foi uma agonia longa e desgastante tanto das energias da jovem
igreja como de seu conceito na sociedade ambiente. E modelou padrões históricos de crise e ruptura, que se repetiram e se
repetem. (1987, p. 223. [Itálico
meu]).
Os três pontos maiores, que
convergiram para o chamado “Grande Cisma”, a questão da ingerência dos
missionários estrangeiros, a questão educacional e a questão da maçonaria, já
estavam permeando a atmosfera conciliares a mais de vinte anos.
A Primeira Igreja
Presbiteriana em São Paulo vai ser a grande caixa de ressonância destas
questões, pois um dos maiores expoentes destes entraves era o Rev. Eduardo
Carlos Pereira, então pastor desta igreja.
Utilização livre desde que
citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da
Religião.
Universidade Presbiteriana
Mackenzie
ivanpgds@gmail.com
Outro Blog
Reflexão Bíblica
Desenvolvimento
da Primeira Igreja Presbiteriana de São Paulo
Primórdios
da Primeira Igreja Presbiteriana de São Paulo
Implantação
e Desenvolvimento do Presbiterianismo em São Paulo
Presbiterianismo
na Cidade de São Paulo - Pioneiro do Radialismo Evangélico
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INSERÇÃO
DO PRESBITERIANISMO NO BRASIL - A Expansão do
Presbiterianismo com José Manoel da Conceição
INSERÇÃO
DO PRESBITERIANISMO NO BRASIL - O Trabalho Desenvolvido
por Ashbel Green Simonton e Seus Companheiros
FISHER, Joachim H. Reforma –renovação da igreja pelo evangelho. São Leopoldo: Ed. Sinodal e EST, 2006.
GUEDES, Ivan Pereira. O protestantismo na cidade de São Paulo –
presbiterianismo: primórdios e desenvolvimento do presbiterianismo.
Alemanha: Ed. Novas Edições Acadêmicas, 2013.
MAFRA, Clara Cristina Jost. Os evangélicos; IN: Série Descobrindo o
Brasil, ZAHAR, Jorge, ed. Rio de Janeiro: 2001.
RIBEIRO, Boanerges. A Igreja Presbiteriana no Brasil, da autonomia ao cisma. São Paulo:
Livraria o Semeador, 1987.
RIVERA, Paulo Barreira. A reinvenção de uma tradição no protestantismo brasileiro – a igreja
evangélica brasileira entre a bíblia e a palavra de Deus. IN: PEREIRA, João
Baptista Borges (org.). Religiosidade no Brasil. São Paulo: Editora da
Universidade e São Paulo, 2012.
[1] Este artigo é parte
do meu livro “O Protestantismo na Cidade
de São Paulo – Presbiterianismo” cf. referência bibliográfica.
[2] [...] O
engenheiro Miguel, filho de uma tradicional família maranhense, também teve os
primeiros contatos com a nova religião através do reverendo Blackford.
Convidado a frequentar os cultos na Travessa do Ouvidor, em um domingo de 1879 foi tomado por uma revelação, entrando em um
estado de quietude por mais de meia hora. Finda a revelação, levantou-se
afirmando que fora convertido e desejava ser batizado. O reverendo Blackford
nunca assistira a uma revelação, mas aceitou a convicção daquele novo membro
que certamente ajudaria a azeitar as
relações dos presbiterianos com a arredia elite local. [há uma discrepância
aqui, pois Léonard coloca esta “revelação” em um domingo de final d abril d
1874]. (MAFRA, 2001, p. 21 - Itálico meu). Seu batismo ocorre poucos meses
depois em 05 de abril de 1874.
[3] Léonard registra a impressão inicial que Blackford teve de Vieira
Ferreira: “Trata-se de um homem inteligente, ativo, que possui uma instrução
incomparável [...]” (1953, p. 21, Apud RIVERA, 2012, p. 117). Rivera transcreve
trechos de dois dos discursos proferidos por Vieira Ferreira, demonstrando a
afinidade de pensamento com a proposta evangélica protestante, antes mesmo de
sua conversão (p. 117-122).
[4] Rivera destaca
sua ascensão muito rápida no protestantismo: “No dia 7 de abril, a menos de
dois meses de sua conversão e a escassos dois dias de seu batismo, Vieira
Ferreira já era presidente da Sociedade Bíblica Brasileira. [...] No mês de
outubro, Ferreira já estava em campanha evangelizadora junto com o reverendo
Blackford na cidade de Campos [RJ]” (2012, p. 123).
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