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quarta-feira, 4 de março de 2015

Fomentações e Fragmentações do Presbiterianismo Brasileiro[1]

Todas as conjecturas – uma mensagem definida, um povo ávido e uma estratégia apropriada indicavam que a Igreja Presbiteriana do Brasil continuaria firme e forte em sua expansão no país.  Mas a formação de nuvens escuras indicava que uma tempestade aproximava-se rapidamente, de maneira que, ainda no seu nascedouro ela vai experimentar o inicio do triste ciclo de pequenas e grandes divisões eclesiásticas, que marca distintivamente o protestantismo mundial, desde sua origem na chamada Reforma Protestante do século XVI, que muitos historiadores preferem hoje colocar no plural e denominar de “Reformas na Europa” (FISHER, 2006, p. 12).
Antes mesmo do grande cisma de 1903, o presbiterianismo brasileiro já havia sentindo o gosto amargo de uma dissensão em sua primeira igreja, nem ainda bem consolidada. Como coloca Rivera:
Logo nas primeiras décadas de trabalho missionário entre Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, as lideranças dessa igreja tiveram que encarar interpretações heterodoxas de algumas de suas principais tradições. O conflito levou ao êxodo de um grupo de famílias identificadas com as convicções religiosas de Miguel Vieira Ferreira, presbítero dessa igreja, que acabou fundando uma nova tradição religiosa. A nova igreja foi nomeada Igreja Evangélica Brasileira e iniciou suas atividades em setembro de 1879. (2012, p. 111).
Acompanhado seu pai, Fernando Luiz Ferreira, maranhense, que se estabeleceu no Rio de Janeiro em 1820, Miguel Vieira Ferreira começa a frequentar os cultos, na Igreja Presbiteriana do Rio de Janeiro e rapidamente foi recebido como membro desta igreja, juntamente com outros membros da sua família, pelo Rev. Blackford em 1874. O fato de Miguel Vieira ser uma pessoa eminente na sociedade carioca e brasileira produz grande repercussão na capital do país e o fez objeto de noticiários nas revistas missionárias americanas.[2] Tendo qualidades excepcionais como orador,[3] muito ao gosto da prática evangelizadora dos missionários protestantes, rapidamente galga posição de destaque na igreja local, e ascende à função de presbítero e projeta-se nacionalmente, pois além de pregar no púlpito do Rio, é convidado a pregar também nas igrejas em São Paulo e Minas.[4]
Entretanto sua ênfase cada vez mais acentuada na necessidade de uma experiência sobrenatural, decorrente de sua formação iluminista católica e mesclada por um cientismo liberal positivista, como marca distintiva de uma genuína conversão, como fora seu caso singular, começa a gerar discrepâncias cada vez maiores dentro da denominação. Sendo inquirido pela liderança e posteriormente proibido de continuar a ensinar tais princípios, Miguel Vieira opta por sair da denominação presbiteriana e juntamente com alguns outros membros, maioria composta por seus próprios parentes, funda a Igreja Evangélica Brasileira (LÉONARD, 1963, p. 67-70), dando inicio a esta característica singular de uma multiplicação por segmentariedade que só tenderá a crescer no campo protestante evangélico brasileiro. Rivera analisa assim esta ruptura de Miguel Vieira.
Ferreira encontra ou pensa encontrar, no protestantismo um espaço social para colocar tais ideais em prática. Para ele o ideal do progresso era uma força que estava acima de tudo. Era para ele força extraordinária que dava sentindo à sua existência e ação. Tratava-se nesse sentindo, de verdadeira religião. Nesta perspectiva se explica melhor sua entrada no protestantismo e sua posterior decepção, levando-o a criar um novo espaço de realização de seus ideais regeneradores, que seria a Igreja Evangélica Brasileira. (2012, p. 123).
Retornando à grande crise divisionista que se antevia (1903), temos em Ribeiro uma análise bastante sincera e sem qualquer subterfúgio das razões e motivos alegados por todos os envolvidos desnudando as reais motivações que produziram este triste episódio da ainda incipiente história do presbiterianismo brasileiro:
A crise nasceu no seio da própria Igreja Presbiteriana; prenunciaram-na insatisfações mal avaliadas e mal atendidas; ensejou-a um modelo estrutural inviável que colocava em rota de colisão próceres apaixonados e comprometidos com o que entendiam ser a missão de sua vida. As insatisfações se acentuaram em repetidos atritos e confrontos sem solução, e se propagaram a pequenos e grandes até ao ponto de não retorno, e à ruptura. Foi uma agonia longa e desgastante tanto das energias da jovem igreja como de seu conceito na sociedade ambiente. E modelou padrões históricos de crise e ruptura, que se repetiram e se repetem. (1987, p. 223. [Itálico meu]).
Os três pontos maiores, que convergiram para o chamado “Grande Cisma”, a questão da ingerência dos missionários estrangeiros, a questão educacional e a questão da maçonaria, já estavam permeando a atmosfera conciliares a mais de vinte anos.
A Primeira Igreja Presbiteriana em São Paulo vai ser a grande caixa de ressonância destas questões, pois um dos maiores expoentes destes entraves era o Rev. Eduardo Carlos Pereira, então pastor desta igreja.

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
ivanpgds@gmail.com
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FISHER, Joachim H. Reforma –renovação da igreja pelo evangelho. São Leopoldo: Ed. Sinodal e EST, 2006.
GUEDES, Ivan Pereira. O protestantismo na cidade de São Paulo – presbiterianismo: primórdios e desenvolvimento do presbiterianismo. Alemanha: Ed. Novas Edições Acadêmicas, 2013.
MAFRA, Clara Cristina Jost. Os evangélicos; IN: Série Descobrindo o Brasil, ZAHAR, Jorge, ed. Rio de Janeiro: 2001.
RIBEIRO, Boanerges. A Igreja Presbiteriana no Brasil, da autonomia ao cisma. São Paulo: Livraria o Semeador, 1987.
RIVERA, Paulo Barreira. A reinvenção de uma tradição no protestantismo brasileiro – a igreja evangélica brasileira entre a bíblia e a palavra de Deus. IN: PEREIRA, João Baptista Borges (org.). Religiosidade no Brasil. São Paulo: Editora da Universidade e São Paulo, 2012.





[1] Este artigo é parte do meu livro “O Protestantismo na Cidade de São Paulo – Presbiterianismo” cf. referência bibliográfica.
[2] [...] O engenheiro Miguel, filho de uma tradicional família maranhense, também teve os primeiros contatos com a nova religião através do reverendo Blackford. Convidado a frequentar os cultos na Travessa do Ouvidor, em um domingo de 1879 foi tomado por uma revelação, entrando em um estado de quietude por mais de meia hora. Finda a revelação, levantou-se afirmando que fora convertido e desejava ser batizado. O reverendo Blackford nunca assistira a uma revelação, mas aceitou a convicção daquele novo membro que certamente ajudaria a azeitar as relações dos presbiterianos com a arredia elite local. [há uma discrepância aqui, pois Léonard coloca esta “revelação” em um domingo de final d abril d 1874]. (MAFRA, 2001, p. 21 - Itálico meu). Seu batismo ocorre poucos meses depois em 05 de abril de 1874.
[3] Léonard registra a impressão inicial que Blackford teve de Vieira Ferreira: “Trata-se de um homem inteligente, ativo, que possui uma instrução incomparável [...]” (1953, p. 21, Apud RIVERA, 2012, p. 117). Rivera transcreve trechos de dois dos discursos proferidos por Vieira Ferreira, demonstrando a afinidade de pensamento com a proposta evangélica protestante, antes mesmo de sua conversão (p. 117-122).
[4] Rivera destaca sua ascensão muito rápida no protestantismo: “No dia 7 de abril, a menos de dois meses de sua conversão e a escassos dois dias de seu batismo, Vieira Ferreira já era presidente da Sociedade Bíblica Brasileira. [...] No mês de outubro, Ferreira já estava em campanha evangelizadora junto com o reverendo Blackford na cidade de Campos [RJ]” (2012, p. 123).

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