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terça-feira, 21 de maio de 2019

A Formação e Influência Acadêmica na Vida do Jovem José Borges dos Santos Jr.



            Qual a influência e/ou impacto da formação acadêmica na história de uma criança? Evidentemente que há respostas das mais controvérsias para esta questão indo das mais extravagantes às mais minimizadoras. Mas creio que nenhuma resposta haverá de negar o papel que a formação acadêmica exerce sobre a vida de uma pessoa.
            O Rev. José Borges dos Santos Jr é uma das figuras mais controvérsias na história do protestantismo presbiteriano. Desde os primeiros anos de seu ministério pastoral ele foi intensamente ativo e propositivo e rapidamente ocupa um espaço de liderança dentro da denominação. Toda sua vida foi gasta a serviço denominacional não apenas no pastoreio das igrejas pelas quais passou, mas também no espaço mais amplo da politica eclesiástica regional e nacional. Poucos pastores exerceram com tanta grandeza as funções mais relevantes da denominação presbiteriana e sua atuação extrapolou as fronteiras brasileiras, pois tinha uma visão ampla da relevância e influência que sua denominação poderia exercer na América Latina e até mesmo em Portugal e outros países. Ganhou o respeito dos missionários e suas respectivas Juntas Missionárias tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, onde representou e defendeu com veemência os interesses da Igreja Presbiteriana do Brasil. Mas apesar de uma biografia tão rica e expressiva, lamentavelmente foi lançado no limbo da historiografia presbiteriana brasileira. Ele não foi o primeiro e nem será o último a sofrer uma atitude tão mesquinha por parte dos seus pares politicamente divergentes. A história denominacional é escrita por alguns detentores do poder eclesiástico que se utiliza de critérios políticos para definir que ou quais personagens “merecem” serem preservados em suas páginas.
            O menino, adolescente e jovem José Borges foi um privilegiado no que concerne à sua formação acadêmica e ele soube como poucos aproveitar tudo quanto lhe foi oferecido, como se pode perceber com facilidade em sua biografia. Seus dotes naturais bem como seu espírito de liderança foram enriquecidos no transcorrer de sua carreira acadêmica, sendo influenciado por figuras da maior grandeza acadêmica e denominacional como veremos abaixo[1].
Fez seu curso ginasial no Ateneu Valenciano, cuja propriedade pertencia desde 1908 ao Comendador Antonio Jannuzzi,[2] que mais tarde o doou a Igreja Presbiteriana de Valença, que lá criou o Colégio Atheneu Valenciano[3].
Aqui Borges fará duas amizades que haverão de perdurar por toda sua vida, Antônio Marques da Fonseca Junior e Renato Ribeiro dos Santos. Como Borges ambos vieram a serem pastores presbiterianos; o primeiro ao longo dos anos postulou algumas ideias comuns quanto ao ecumenismo e depois também se opuseram aos rumos políticos da IPB na década de sessenta; o segundo foi pastor auxiliar do Rev. Miguel Rizzo Jr. na Igreja Presbiteriana Unida de São Paulo no período de 1934-38, pouco antes da chegada de Borges àquela igreja.
Um aspecto importante neste momento inicial da formação do jovem Borges é o fato de que o educador que dirigia o Colégio era o Rev. Constâncio Homero Omega (1877-1927), ex-secretário do frade salesiano Celestino de Pedávoli, excelente educador e exímio musicista e que foi encaminhado ao ministério presbiteriano pelo Rev. Antônio Bandeira Trajano um dos pastores pioneiros; ele vai exercer seu ministério junto ao Rev. Álvaro Reis, que ocupa um lugar proeminente na restrita constelação dos grandes pastores presbiterianos, o primeiro moderador da Assembleia Geral da IPB e cuja visão social e educacional sempre foi muito além dos seus contemporâneos, era autodidata, um grande evangelista e de refinada oratória, polemizava com grandeza e dignidade sem nunca ofender seus ouvintes. (MATOS, 2004, pp. 370-71). Com certeza o garoto Borges respirou a atmosfera intensa dos pioneiros e não somente foi impactado por estas esferas de influencia, como também se sentiu estimulado e desafiado a explorar ao máximo suas capacidades e habilidades acadêmicas e futuramente docentes.
Outro aspecto fundamental desta fase formativa do jovem Borges é que se sentia chamado para o exercício ministerial, entretanto ao se apresentar à Igreja Metodista, da qual era membro, pleiteando sua candidatura, ele foi sistematicamente recusado com a argumentação de que era frágil fisicamente e por isso receava-se por sua saúde. Após insistir diversas vezes junto àquela igreja, o jovem apresenta-se ao Presbitério do Rio de Janeiro [Presbiteriano] que o encaminha ao Ateneu Valenciano de onde sai bacharel em Ciências. Uma pessoa importante neste momento foi D. Ana Januzzi, esposa do Comendador, que fica impressionada com a inteligência do menino e passa a financiar seus estudos ginasiais, possibilitando a continuidade de seus estudos teológicos. (FERREIRA, p. 01).
Concluído seus estudos ginasiais o jovem Borges é encaminhado para seus estudos teológicos no Seminário Presbiteriano de Campinas. Luiz Alberto de Castro, em seu excelente trabalho acadêmico sobre Borges, atesta que as informações sobre este período são escassas, mesmo pesquisando nos registros acadêmicos pouco se apura. Ele infere que durante o curso pré-teológico Borges tenha sido aluno de Erasmo Braga (2011, p.16), o que ocorrido certamente impregnou o jovem seminarista das ideias e conceitos teológicos mais avançados da época.
O Rev. Erasmo de Carvalho Braga foi uma das figuras mais proeminentes, nacional e internacionalmente, do presbiterianismo brasileiro. O historiador Alderi Matos ao escrever sua obra sobre Erasmo Braga preencheu uma lacuna inaceitável na historiografia biográfica do presbiterianismo nacional (2008). Braga foi impactado pelo Congresso do Panamá,[4] que originalmente recebera o nome de ― Congresso da Obra Cristã na América Latina e tornou-se um entusiasta do ecumenismo evangélico, pois entendia que somente unindo forças o Evangelho poderia de fato transformar a sociedade brasileira.
O Rev. Braga ficou encarregado de publicar um resumo do pensamento oficial do Congresso e o fez na sua obra ― Pan-Americanismo, Aspecto Religioso: Una Relacion e Interpretacion del Congreso de Accion Cristiana en la America Latina Celebrado en Panama conjuntamente com Eduardo Monteverde, outro representante do protestantismo latino americano, que foi publicado em Nova York (1916) e traduzido para o português e espanhol. Ele participa de vários organismos que trabalham arduamente para alcançar este propósito, sendo um dos mais importantes o ― Committee of Cooperation for Latin America.
Seus esforços foram tremendos, visto que seus companheiros sempre se mantiveram desconfiados quanto aos resultados desta empreitada, mas ele até seus últimos dias de sua vida jamais desistiu. Liderou a ― Comissão Brasileira de Cooperação, que tinha objetivos ambiciosos entre os quais a criação de uma universidade Protestante e de seu esforço criou-se o Seminário Unido (1918-1933) que fechou um ano após seu falecimento. Mas seu sonho mais acalentado somente foi tornado realidade dois anos após sua morte, a Confederação Evangélica do Brasil em 1934. Mas toda esta sua dedicação e empenho tornaram-se a sementeira do forte movimento ecumênico que eclodiu dentro da IPB nas décadas posteriores de 50 e 60, que haveria de produzir um dos abalos sísmico mais violento já registrado nos arraiais presbiteriano brasileiro em toda sua história.
O jovem seminarista Borges com certeza foi impactado e teve suas fronteiras teológicas alargadas pela efervescência transbordante dos conceitos e ideais ecumênicas [evangélicas] de Erasmo Braga, o que pode ser constatados nos fatos posteriores de sua história eclesiástica. E ainda que [Borges] não tenha convivido pessoalmente com Braga, como infere Castro, conforme acima mencionado, teve como mentor desde seus estudos teológicos e primeiros anos de ministério um dos mais destacados aluno de Braga que foi Miguel Rizzo Jr, que deu continuidade a obra do grande mestre, principalmente neste entusiasmo de cooperação ecumênica evangélica.
Idealizador do Instituto de Cultura Religiosa, o qual serviu para reunir um grupo heterogêneo de pensadores cujo propósito primário era expressar com inteligência o pensamento evangélico brasileiro, tendo como alvo alcançar um público avesso à frequentar igrejas, fosse através de uma literatura de alto nível ou realizando grandes conferências em teatros, cinemas e outros espaços possíveis. Através do Instituto Rizzo Jr produziu uma gama de literatura de boa qualidade onde se destaca entre outras a revista Fé e Vida, posteriormente Unitas que permaneceu em circulação de 1939 a 1962. Rizzo Jr foi também um pioneiro na utilização do rádio para comunicação da mensagem evangélica. Todo o esforço de sua vida produziu uma significativa penetração no circulo intelectual acadêmico brasileiro, mas que não teve o necessário apoio de seus próprios pares eclesiásticos que em muitos casos até mesmo lhe impuseram empecilhos e desabonos.
A influência de Rizzo Jr sobre o jovem estudante em formação foi notório em sua trajetória, visto que em duas ocasiões Borges foi pastor auxiliar e posteriormente assumiu a titularidade no lugar de Rizzo tanto na IPB em Campinas como posteriormente na IPB Unida de São Paulo. A visão ecumênica evangélica que Rizzo herdara de seu mentor Erasmo Braga impregnou toda a filosofia ministerial e eclesiástica de Borges que durante toda sua vida buscou incansavelmente ampliar a cooperação interdenominacional, incentivou, apoiou e participou ativamente de diversas instituições paraeclesiásticas no Brasil e fora do país, sempre no esforço contínuo de introduzir e influenciar o maior número de pessoas e camadas sociais possíveis, mas como seus antecessores e mentores viu seus esforços serem minimizado e até mesmo hostilizado.

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Reflexão Bíblica
http://reflexaobiblica.spaceblog.com.br/


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Referências Bibliográficas
CASTRO, Luís Alberto de. A Trajetória do “Velho Mestre: Uma Biografia do Rev. José Borges dos Santos Júnior – um recorte historiográfico da Igreja Presbiteriana do Brasil. Dissertação (Mestre em Divindade) – Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper, São Paulo, 2011.
GARCEZ, Robson do Boa Morte. Origem da Igreja Cristã de São Paulo e a contribuição de alguns membros para a formação da FFLCH/USP – uma expressão da liberdade religiosa. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2007.
GUEDES, Ivan Pereira. O protestantismo na cidade de São Paulo – presbiterianismo: primórdios e desenvolvimento do presbiterianismo. Alemanha: Ed. Novas Edições Acadêmicas, 2013.
MATOS, Alderi Souza de. Erasmo Braga, o protestantismo e a sociedade brasileira – perspectivas sobre a missão da igreja. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2008.
MENDONÇA, Antonio G. Jesus e os últimos liberais: um estudo sobre John Mackay, Harry E. Fosdick e Miguel Rizzo (Extrema se tangunt). In Numen- Revista de Estudos e Pesquisa de Religião, vol. 4, no. 1. Juiz de Fora, Universidade Federal de Juiz de Fora, Editora UFJF, jan-jun/2001.
PEREIRA- João Baptista Borge. "Identidade protestante no Brasil ontem e hoje". In BIANCO. Gloecir: NICOLINI. Marcos (orgs.). Religare: identidade, sociedade e espiritualidade. São Paulo: Ali Print Editora. 2005.


[1] O texto abaixo é uma compilação de minha dissertação de Mestrado onde a figura de Borges ocupa um espaço relevante (cf. referência bibliográfica – GUEDES, 2013).
[2] Antônio Jannuzzi (1855-1949) Natural da Itália, grande empresário e construtor no Rio de Janeiro, edificador de templos, benemérito de muitas instituições (Hospital Evangélico, Ateneu Valenciano, Orfanato Presbiteriano). Alderi Souza de Matos (Pioneiros Presbiterianos no Brasil - Galeria de Leigos) http://www.mackenzie.br/7159.98.html. Foi membro da IPB do Rio de Janeiro, pastoreado pelo Rev. Álvaro Reis do qual se tornou amigo.
[3] Em 1924 o coronel Cardoso o adquire da Igreja Presbiteriana e o doa para a mitra diocesana com uma clausula de no prazo de dois anos ali se instalar um estabelecimento de ensino secundário.
[4] É nesta Conferência que o Brasil e a América Latina entram definitivamente no mapa do movimento missionário mundial. Entre os delegados oficiais estavam os Revs. Erasmo Braga, Álvaro Reis e os Missionários Samuel R. Gammon e William A. Waddell (IPB), o Rev. Eduardo Carlos Pereira (IPI) e o Missionário Hugh C. Tucker (Metodista). (MATOS, 2008, p. 217 e Nota n° 88). Braga vai escrever suas observações e opiniões e publica-las ―Pan-Americanismo: Aspecto Religioso‖. Para compreender a importância desta Conferência e suas implicações no Brasil e na AL, é necessário ler o trabalho de Arturo Piedra, onde ele disseca todo este movimento missionário e suas Conferências mundiais, mais particularmente a de 1910 (Edimburgo) ―A Conferência de Edimburgo de 1910 e Sua Conexão com o Protestantismo na América Latina‖, onde se deu a origem do ―Comitê de Cooperação na America Latina‖ (CCLA) e a do Panamá (1916), ―O Congresso do Panamá: Início de um Grande Movimento Protestante‖, onde a AL deixará de ser um ―Continente Abandonado‖ para se tornar um ―Continente das Oportunidades‖ (PIEDRA, 2006). 

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