Translate

quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

Livro: O Brasil e os Brasileiros – Prefácios

Capa original da Edição em Português e a primeira Ilustração no livro

            Esta obra (cf. artigo anterior) foi composta por dois missionários protestantes estadunidenses, o metodista Daniel Parish Kidder e o presbiteriano James Cooley Fletcher, como resultante de suas atividades e viagens pelo território brasileiro no final dos oitocentos. Na somatória de tempos entre o primeiro e o segundo a referente obra cobre um período mínimo de vinte anos da história e desenvolvimento do Brasil e das inserções preliminares do protestantismo no país.
            Esta literatura se enquadra dentro do conjunto literário denominados de “literatura de viagens” que abarca uma diversidade de obras produzidas pelos mais diversos estrangeiros que estiveram no Brasil e posteriormente transcreveram suas anotações, observações e opiniões sobre o país e seus habitantes. Em sua grande maioria os respectivos autores são bastantes críticos e não poucos manifestam suas posturas preconceituosas para com o Brasil, que ainda dava seus primeiros passos em direção à sua modernização e progresso, e para com sua população transcultural e tropical, que ainda haveria de buscar sua brasilidade. Entretanto, alguns dentre estes escritores conseguem escrever com alteridade, onde incluímos os autores desta obra.
            Os prefácios aqui transcritos são de autoria de Fletcher, que avoca muitas vezes o plural de inclusão para referendar a opinião ou observação de seu colega. Entre idas e vindas esteve orbitando o Brasil por mais de dez anos. Sem qualquer esforço é visível o seu entusiasmo com o potencial para do país e de sua população, apesar de não ser ufanista em relação às imensas dificuldades que precisariam ser transpostas antes que esse potencial pudesse ser manifestado.
            No prefácio mais curto, Fletcher (daqui para frente representando sempre as vozes de ambos os autores) destaca as razões para a elaboração do livro: desconstruir o ideário vulgar com que o Brasil e os brasileiros eram vistos norte americanos e apresentar o país e seus habitantes de uma forma honesta e sem subterfúgios. Destaca para seu público evangélico-protestante que foi no Brasil que ocorreu as primeiras manifestações da religião cristã de teor protestante em toda a América do Sul, referindo-se evidentemente às duas frustradas investidas via franceses huguenotes e os holandeses.
            Evidencia que o livro não é fruto de uma pesquisa em bibliográfica, mas resultante de um trabalho de campo em um período de mais de vinte anos. Portanto, os relatos e informações contidas no livro foram quanto possível testemunhais e vivenciais. Menciona a escassez de literatura desse porte sobre o Brasil e esclarece que é uma obra a duas penas, mas uma mesma ótica quanto a importância de escrevê-la.
            Além do material próprio de cada autor eles tiveram o cuidado de fazerem ampla e exaustiva pesquisa bibliográfica sobre o Brasil que foram publicadas em francês, alemão, inglês e português, bem como nos materiais arquivados no Instituto Histórico e Geográfico do Brasil (IHGB), então o maior acervo literário sobre o país. Teve acesso aos arquivos do Império e das províncias e publicações oficiais para elaboração dos dados estatísticos contidos no livro, dando-lhes credibilidade quanto à veracidade das informações.
            Faz então os agradecimentos àqueles que de alguma forma contribuíram para a elaboração do livro, mormente pessoas de expressiva influência política-social-econômica da sociedade brasileira. Destaca e nomeia os responsáveis pelas ilustrações e mapas que desenvolvem a função didática de proporcionar aos leitores uma visão do país.
            Após o primeiro prefácio, na tradução feita para o português, o tradutor e/ou editor acrescenta diversas opiniões de personalidades literárias sobre a referida obra, o que nos possibilita apercebermos a relevância e repercussão que o livro obteve em sua trajetória editorial em inglês, justificando desse modo, sua editoração agora em português, apesar de ser uma obra volumosa dividida em dois volumes.
            Apenas a guisa de observação além das notas do autor na versão em inglês e do tradutor na versão em português, na medida em que for transpassando o texto do livro e quando entender necessário e for possível também acrescentarei minhas próprias notas e observações. Creio que tais notas foram importantes na primeira e até então única versão em português (1941), como se faz necessário nesse trabalho, visto ser uma obra antiga (1857 sua primeira edição em inglês), cujas informações poderiam ser obvias naquele período histórico, mas após cento e sessenta anos podem ficar ininteligíveis.
            Quero, por fim, acrescentar às razões apontadas no artigo anterior, que o esforço em resgatar essa obra de seu ostracismo esta vinculada ao meu trabalho de pesquisa em amalgamar a História do Brasil, com a História do Protestantismo desenvolvida no país. Creio que a obra elaborada por Fletcher e seu colega proporcionam esse exercício historiográfico, pois nos possibilitam a oportunidade de acompanharmos por um período mínimo de vinte anos, o desenvolvimento histórico do Brasil e os primeiros esforços da inserção do protestantismo no maior país da América do Sul.

PREFÁCIO[1]
   A ideia que vulgarmente se faz do Brasil é, de certo modo, a que vem indicada na ilustração ao lado. Rios caudalosos e florestas virgens, palmeiras e jaguares, cobras gigantescas e crocodilos, macacos roncando e papagaios gritando, minas de diamante, revoluções e terremotos, são as partes componentes do quadro que nos pinta a imaginação. Não seria exagerado dizer que a grande maioria dos leitores está mais inteirada sobre a China e a Índia do que sobre o Brasil. Quão poucos sabem que existe, no distante hemisfério meridional, uma estável monarquia constitucional, uma florescente nação, que ocupa um território de área maior que a dos Estados Unidos, e que os descendentes dos portugueses ocupam na América do Sul a mesma posição relativa que os descendentes dos ingleses na América do Norte. Quão poucos os protestantes que conhecem o fato de que, no território do Brasil, foi a religião protestante pela primeira vez proclamada no Continente Ocidental!
   A presente obra (*Nota do Autor)[2] escrita por duas pessoas que têm vinte anos de experiência no Império do Brasil, pretende traçar um retrato fiel da história do país e, pela narrativa dos incidentes relacionados com as viagens empreendidas e durante a residência dos autores na Terra de Santa Cruz, tornar conhecidos os costumes, os hábitos e o adiantamento do povo mais progressivo que vive ao sul do Equador.
   Se bem que ultimamente hajam sido publicados alguns "Itinerários" relatando viagens que duraram poucos meses em várias regiões do Império, nenhuma obra de caráter geral sobre o Brasil foi dada à luz da publicidade, na Europa ou América, após a publicação do "Esboço" do primeiro dos autores da presente obra D. P. Kidder, que foi muito favoravelmente recebido na Inglaterra e nos Estados Unidos, mas que está há muito tempo fora do mercado.
   Embora o presente volume seja o resultado de um trabalho comum, o desejo de maior uniformidade fez com que o primeiro dos autores entregasse ao segundo J. C. Fletcher a sua contribuição, permitindo que este usasse o seu nome na terceira pessoa do singular. A soma de trabalho devida a cada uma das duas penas é mais igual do que à primeira vista pode parecer.
Os autores consultaram todas as obras importantes em francês, alemão, inglês e português, que lhes pudesse trazer esclarecimentos sobre a história do Brasil, assim como várias memórias publicadas e discursos lidos perante a florescente "Sociedade Geográfica e Histórica" do Rio de Janeiro. Para os dados estatísticos, examinaram pessoalmente os arquivos do Império e das províncias, ou fizeram citações diretas de publicações oficiais.
   Os autores têm a satisfação de declarar a sua dívida, em importantes contribuições, ao Conselheiro J. F. Cavalcanti de Albuquerque, Ministro Plenipotenciário de Sua Majestade o Imperador do Brasil em Washington; ao Cavalheiro d'Aguiar, Cônsul-Geral do Brasil em Nova York; a S. Exc. o ex-Governador Kent, do Maine, e Fernando Coxe, Esq. de Filadélfia, estes dois últimos ocupando alta posição diplomática no Rio de Janeiro; ao Sr. J. U. Petit, magistrado, que foi cônsul numa das mais importantes províncias no Norte do Brasil; aos Srs. L. A. Cuddehy, (falecido) do Rio de Janeiro e ao Rev. H. A. Boardman, D. D., de Filadélfia. Também expressam a sua gratidão ao Sr. H. Bates, Dr. Thos. Rainey e a A. R. Egbert, M. D., pelas valiosas contribuições que vão no Apêndice.  

   * * * 
   As numerosas ilustrações, com poucas exceções, são ou desenhos ou vistas daguerreotípicas[3] do natural. Foram fiel e cuidadosamente executadas pelos Srs. Van Ingen & Snyder, de Filadélfia. O mapa, que acompanha esta obra, elaborado pelos Srs. J. H. Colton & Cia., é um dos mais perfeitos até agora publicados sobre um Império de que nunca foi feito um levantamento geográfico. Em 1855, o segundo autor deste livro percorreu mais de três mil milhas do território brasileiro, fazendo correções naquele mapa durante o percurso; apresenta aqui seus sinceros agradecimentos ao Sr. João Lisboa, da Bahia, que se devotou inteiramente à geografia de sua terra natal.
   Em 1866, J. H. Colton & Cia. publicaram um gigantesco mapa do Brasil, obra de vários anos devida ao Sr. Rensberg, um dos principais litógrafos do Rio de Janeiro. Os Srs. Fleiuss, Irmãos, editores da Semana Ilustrada, têm publicado vários mapas importantes no seu estabelecimento, o "Instituto Artístico Imperial" do Rio de Janeiro.

   NOTA:[4]
   (*) Sobre a presente obra, pudemos colher as seguintes referências, que contêm também alusões à estada de seus autores no Brasil e fatos antecedentes:
   "O primeiro missionado que veio ao Rio (da parte dos Metodistas) foi o Rev. F. E. Pitts, que também visitou Buenos Aires. De volta recomendou ambas as cidades para sede de missões. A Igreja Metodista fez, assim, a primeira tentativa no Rio em 1836, quando nos enviou dois de seus missionados, os Revs. R. J. Spaulding e D. P. Kidder, que aqui estiveram alguns anos, desenvolvendo grande atividade. O segundo desses ministros, de volta aos Estados Unidos, publicou uma obra interessante sobre o nosso país, de que depois, aumentada pelo seu colega o Rev. James C. Fletcher, se tiraram nove edições.
   "Aproveitaram-se da liberdade relativa de cultos em nosso país, garantida por D. João VI pelo Tratado de Comércio com a Inglaterra, em 1810...”
   "Parece que a propaganda dos Srs. Spaulding e Kidder foram bastante enérgicas, não só pela pregação verbal como pelo derramamento de Bíblias, Testamentos e tratados ou opúsculos religiosos, mostrando o que para eles eram erros da Igreja Católica. Também da parte desta não houve muito escrúpulo em rebater essa propaganda, armando os preconceitos populares contra ela".

JOSÉ CARLOS RODRIGUES - Religiões Acatólicas no Brasil (Memória do Livro do Centenário de 1900).
   "Kidder e Fletcher hão de figurar sempre como pioneiros do Protestantismo entre nós no século passado".
  VICENTE THEMUDO - Anais da Imprensa Evangélica Brasileira.
   "Pouco depois de ter estado em Pernambuco o botânico George Gardner (outubro de 1837), desembarcou no Recife o missionado norte-americano Daniel P. Kidder, em viagem de propaganda evangélica, cujos resultados, de mistura com abundantes notícias históricas e geográficas, informações sobre o estado da religião e da moral e pitorescos quadros de costumes, publicou, em 1845, em Filadélfia, sob o título de Sketches of Residence and Travels in Brazil.
   ALFREDO DE CARVALHO - Viajantes Ingleses em Pernambuco.
   "Fountain Elliot Pitts foi comissionado pela Junta de Missões a fazer uma viagem de investigação das condições religiosas na América do Sul e da conveniência de se estabelecer trabalho missionário nestes países. Partiu dos Estados Unidos nos meados do ano de 1835, na idade de 27 anos; celebrou cultos com pregações do Evangelho no idioma inglês no Rio de Janeiro e Buenos Aires... Em artigos publicados no "Expositor Christão " nº. 10, 11, 12 e 13 do ano de 1936, foram noticiados mais detalhadamente a vinda ao Brasil e à Argentina e os trabalhos dos Revs. Justin Spaulding, Daniel P. Kidder, John Dempster, J. F. Thompson e outros pioneiros que de 1836 em diante levaram avante a obra iniciada por Pitts".
 Celebração de quatro aniversários da Igreja Metodista em "Expositor Christão", n° 29 de 1936, artigo editorial escrito pelo REV. H. C. THUCKER.
   ". . de 1835 a 1842, foi iniciado no Rio um trabalho metodista com a visita do Rev. F. E. Pitts e a estada dos Revs. Spaulding e Kidder, missionários metodistas, o último dos quais fez viagens de propaganda de norte a sul, escrevendo um livro que alcançou muitas edições e larga circulação. Dez anos depois, fixou-se no Rio o Rev. James C. Fletcher, que era presbiteriano, mas empenhou-se na obra evangélica na antiga Corte, sob os auspícios da União Christã Americana e Estrangeira e da Sociedade dos Amigos para os Marinheiros. Viveu no Rio de 1851 a 1854. Como o seu colega Kidder, era homem de elevada cultura e teve ingresso nas altas rodas sociais. Por algum tempo foi secretário da legação americana. Frequentava o paço imperial e foi membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Voltou ao Brasil em 1855 e fez diversas viagens de evangelização pelo interior e pelo litoral. Associou-se a Kidder nas novas edições da obra citada, que foi refundida, tornando-se Fletcher o principal narrador. As viagens de Kidder e Fletcher e sua convivência com personagens da alta roda social serviram até certo ponto para desbravar o terreno, ocupando eles o papel de precursores para surtos mais vigorosos, que iam ser produzidos no terreno da propaganda religiosa, por missionários congregacionalistas, presbiterianos, metodistas, batistas e episcopais. Quando a missão de Fletcher se aproximava do seu termo, desembarcou no Rio de Janeiro, em 1855, o abnegado médico e missionário escocês, dr. Roberto Kalley... Coube ao dr. Kalley que, por um tempo, residiu em Petrópolis, a missão de estabelecer o primeiro serviço sistemático de evangelização no país".
VICENTE THEMUDO - Anais da Imprensa Evangélica Brasileira, em "Revista de Cultura Religiosa ", março e abril de 1925.


Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Reflexão Bíblica
http://reflexaobiblica.spaceblog.com.br/


Artigos Relacionados
O Brasil pelo Prisma Protestante (J. C. Fletcher)
James Cooley Fletcher FICHÁRIO [Biografia]
PROTESTANTISMO NO BRASIL - DOCUMENTO: O Primeiro Esboço do Presbiterianismo no Brasil
Primeiro Curso Teológico Protestante no Brasil
Mudança de Paradigma Teológico do Protestantismo no Brasil e a Fundação da ASTE
O Protestantismo na Capital de São Paulo: A Igreja Presbiteriana Jardim das Oliveiras.

Referências Bibliográficas
KIDDER, D. P. & FLETCHER, J. C. Brazil and the Brazilians, portrayed in Historical and Descriptive Sketches (9ª. ed.). Philadelphia: Childs & Peterson, 1879.
KIDDER, D. P. e FLETCHER, J. C. O Brasil e os brasileiros – esboço histórico e descritivo, v. 1.Brasiliana – Biblioteca Pedagógica Brasileira. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1941 [Tradução da 6ª. edição em inglês - Elias Dolianiti e Revisão e Notas de Edgard Sussekind de Mendonça].
KIDDER, Daniel P. Sketches of Residence and Travels in Brazil, Embracing Historical and Geographical Notices of the Empire and its Several Provinces. Philadelphia: Sorin & Ball, 1845.
OLIVEIRA, D. V. “The Brazil and The Brazilians”: Apontamentos documentais e analíticos de uma publicação norte-americana sobre o Brasil no século XIX. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH • São Paulo, julho 2011.
_______________. A “sólida e estável” Monarquia nos Trópicos: Imagens sobre o Brasil e os Brasileiros no livro Brazil and Brazilians – portrayed in Historical and descriptive sketches, 1857. Dissertação apresentada à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 2013.
PRATT, Mary Louise. Os olhos do Império: Relatos de Viagens e Transculturação. Bauru: EDUSC, 1999.





[1] A grafia será mantida conforme original da tradução em português da época.
[2] Ver nota no final deste prefácio.
[3] O daguerreótipo (em francês: daguerréotype) foi o primeiro processo fotográfico a ser anunciado e comercializado ao grande público. Foi divulgado em 1839, tendo sido substituído por processos mais práticos e baratos apenas no início da década de 1860.
[4] Foram inseridas pelo tradutor e/ou editor para comprovar a relevância da obra no Brasil e no exterior.

Nenhum comentário:

Postar um comentário