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quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

PROTESTANTISMO: A Reforma na Inglaterra - os Presbiterianos

English Presbyterian Church, Regent Square London


O movimento de Reforma Religiosa (Reforma Protestante) iniciada pelo monge alemão Martinho Lutero (1517) e suas 95 teses, produziu desdobramentos inimagináveis e transformou completamente o cristianismo europeu.
Um destes desdobramentos foi a mudança ocorrida na Inglaterra, que sempre havia sido uma aliada fiel ao catolicismo romano e ao Papa. Mas o rei Henrique VIII acaba por romper com o sistema católico romano, motivado por questões unicamente pessoais e estabelece uma igreja nacional – a Igreja da Inglaterra e/ou Anglicana. Henrique VIII não foi contagiado pelas propostas teológicas reformadas, ao contrario, na sua perspectiva politica o protestantismo continha elementos perigosos para o regime monárquico, portanto na Igreja Anglicana o rei substituiu a função do Papa e os dogmas praticamente permaneceram católicos romanos. Com sua morte assume seu filho ainda menor Eduardo VI que influenciado por tutores de mentalidade reformada amplia as reformas religiosas do pai e introduz algumas mudanças significativas no contexto cúltico-teológico, mas sua morte precoce impedem que as mudanças sejam aprofundadas  e consolidadas. Assume o trono inglês Maria I que arraigada no catolicismo romano promove imediato retorno aos conceitos católicos e submissão às orientações do Papa romano, o que acabou por gerar inúmeras revoltas com suas subsequentes consequências com a morte de inúmeras pessoas. Mas o reinado de Maria I também foi breve e coube à sua meio irmã Elizabete I a árdua tarefa de encontrar uma forma religiosa que pudesse conciliar os diversos segmentos da sociedade inglesa. Será em seu longo reinado que a Igreja Anglicana haverá de estabelecer os dogmas teológicos e as estruturas eclesiásticas que haverão de permanecerem até os dias atuais.
Todavia, uma unidade religiosa ou mesmo eclesiástica harmoniosa estava longe de ser uma realidade na Inglaterra elisabetana. Um forte movimento separatista estava em plena ebulição, sendo liderados pelos defensores ferrenhos de uma reforma mais profunda da igreja. Eles receberam a alcunha de “Puritanos[1] que veio a se constituir em um grande guarda-chuva para os diversos grupos dissidentes congregacionais, presbiterianos, batistas e posteriormente os metodistas que proliferava nas entranhas da Igreja Anglicana. Seus líderes eram aqueles que durante o reinado de Maria I haviam se refugiado em outros países, principalmente Genebra e que haviam respirado uma atmosfera de reformas muito mais profundas do que a que Elisabete I estava realizando, entre o quais se destaca os adeptos do sistema eclesiástico presbiteriano, que se contrapunha ao sistema episcopal adotado pela Igreja Anglicana, que segundo eles representava um forte e perigoso resquício do sistema católico romano e por isso deveria ser abolido (GONZÁLES, 2004, p. 296).
A estrutura eclesiástica episcopal fora mantida por Henrique VIII e definitivamente estabelecida por sua filha Elizabete I, pois desejam manter uma igreja controlada pelo Estado, uma vez que os bispos eram nomeados pela coroa, de maneira que, como destaca Matos (2000, p. 51), o sistema presbiteriano “representava uma proposta revolucionária, pois preconizava uma igreja governada por presbíteros docentes e regentes, eleitos pelos fiéis e reunidos em concílios”, alcançando assim uma autonomia em relação a interferência e controle do Estado. Por esta causa, tanto Elizabete I quanto seus sucessores, Tiago I (1603-1625) e Carlos I (1625-1649), que governaram tanto a Inglaterra quanto a Escócia, combateram violentamente esta proposta eclesiástica.
Apenas em um pequeno período, após a guerra civil em que o rei Carlos I foi morto, os Puritanos assumiram o poder civil da Inglaterra e os presbiterianos conseguiram implantar o seu sistema eclesiástico na Inglaterra, quando o Parlamento convocou a Assembleia de Westminster (1643-1649) que estabeleceu os chamados “padrões presbiterianos” de culto, governo e doutrina, através da elaboração da Confissão de Fé de Westminster. Mas assim que Carlos II assumiu o trono, em 1660, o sistema episcopal foi restabelecido, e os presbiterianos e demais grupos separatistas passaram a sofrer forte repressão. (MATOS, 2000, p. 53).
Todavia, dentro do movimento reformado separatista (puritano) não se falava a mesma língua. Algumas lideranças chegaram à conclusão que o sistema eclesiástico oriundo do Novo Testamento era congregacionalista[2] e que o presbiterianismo era apenas mais uma concessão. Outros foram mais longe e defendiam uma igreja totalmente autônoma e cujos membros deveriam ser apenas os adultos, rejeitando o batismo infantil, e concluindo que o batismo deveria ser somente por imersão, de maneira que vieram a serem denominados de batistas,[3] que por sua vez se subdividiam em dois grupos, os batistas gerais que rejeitavam a doutrina calvinista da predestinação e os batistas particulares que mantiveram esta doutrina conforme os argumentos desenvolvidos por João Calvino (GONZÁLES, 2004, p. 298).
Uma questão teológica fundamental que foi desenvolvida nas entranhas puritana foi o conceito Federal ou do Pacto, que tinha no cerne a ideia de que a predestinação de Deus não era um ato impessoal e mecânico, mas que a salvação deve ser apropriada pela fé, de maneira que se torna irredutivelmente pessoal. Mendonça destaca este ponto:
Embora os dispositivos do calvinismo continuassem presentes, como a iniciativa divina na concessão da graça e a ênfase no ascetismo, havia um elemento novo: a iniciativa humana e pessoal na apropriação dessa graça. Surge assim uma valorização do homem e da pessoa. (1984, p. 36).
 Este ingrediente teológico do individualismo que inicialmente serviu para confrontar os sistemas episcopais, tanto romanos como anglicanos, acabou com o tempo permeando todo o pensamento protestante inglês. A confissão de Westminster tornou-se a promotora deste conceito pactual. Os presbiterianos, principalmente de origem escocês e posteriormente irlandês, tornaram-se um povo do Pacto. Quando de sua transposição para América do Norte este conceito do Pacto extrapola as fronteiras da religião e torna-se uma ideologia do povo americano e vai estabelecer o fundamento do conceito ideológico do chamado “Destino Manifesto” (MENDONÇA, 1984, p. 37, 54-57).
Desta forma, como afirmou Collinson: “Em seu desenvolvimento secundário e terciário a Reforma inglesa produziu uma variedade de inconformismos divergentes e em longo prazo um futuro de pluralismo religioso”. (2000, p.152).
É esse pluralismo protestante, denominado posteriormente de denominações protestantes, que desembarcam no Brasil oficialmente a partir do século XIX e rapidamente se espalharam por todo o país.

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
ivanpgds@gmail.com
Outro Blog
Reflexão Bíblica
http://reflexaobiblica.spaceblog.com.br/


Referência Bibliográfica
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AZEVEDO, Israel Belo de. A celebração do indivíduo: a formação do pensamento batista brasileiro. Piracicaba; Editora UNIMEP/Exodus, 1996, p.63).
BOISSET, J. História do protestantismo. São Paulo: Difusão Européia, 1971.
COLLINSON, Patrick. A Reforma. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2006.
DANIEL-ROPS. A igreja da renascença e da reforma I: a reforma protestante. São Paulo: Ed. Quadrante, 1996, p. 435.
DREHER, MARTIN N. A crise e a renovação da igreja no período da Reforma. São Leopoldo: Sinodal, 1996. (Coleção História da Igreja, v.3).
FISHER, Jorge P. Historia de la reforma Barcelona: Ed. CLIE, 1984.
FISHER, Joachim H. Reforma – renovação da igreja pelo evangelho. São Leopoldo: Ed. Sinodal e EST, 2006.
GONZALES, Justo L. Uma história do pensamento cristão, v. 3. São Paulo: Cultura Cristã, 2004.
LATOURETTE, Kenneth Scott. Uma história do cristianismo - volume II: 1500 a 1975 a.D. São Paulo: Editora Hagnos, 2006.
LINDSAY, Tomas M. Historia de la Reforma, v.2, ed. La Aurora e Casa unida de Publicaciones, 1959.
MATOS, Alderi Souza de. Simonton e as bases do presbiterianismo no Brasil, apud Série Colóquios, v. 3, Simonton 140 anos de Brasil. São Paulo: Ed. Mackenzie, 2000.
MENDONÇA, Antonio Gouvêia. O celeste porvir - a inserção do protestantismo no Brasil. São Paulo: Ed. Paulinas, 1984.
PEREIRA, João Baptista Borge. "Identidade protestante no Brasil ontem e hoje". In BIANCO. Gloecir: NICOLINI. Marcos (orgs.). Religare: identidade, sociedade e
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São Paulo: Ali Print Editora. 2005.
POLLARD, Albert Frederick. Thomas Cranmer and the and the english reformation (1489-1556). London : G. P. Putnam’s Sons, 1906.
Zabriskie, Alexander C. Anglican Evangelicalism. Philadelphia, 1999.






[1] Movimento Puritano - Separatistas: termo aplicado ao puritano inglês Robert Browne (c.1550-1633) e seus seguidores, que se separaram da Igreja da Inglaterra. Mais tarde foi aplicado aos Congregacionais ingleses e outros grupos que formaram suas próprias igrejas. Não-separatistas: os puritanos anglicanos, aqueles que não queriam separar-se da igreja oficial, mas procuravam reformá-la. Os fundadores de Salem e Boston (1629-1630) estavam nessa categoria. Independentes: nos séculos 17 e 18, os adeptos da forma de governo Congregacional, em contraste com o governo episcopal da igreja estatal inglesa. Dissidentes: aqueles que se retiraram da igreja nacional da Inglaterra (Anglicana) por motivos de consciência. O termo inclui Congregacionais, Presbiterianos e Batistas.
[2] O reformador polaco Jan Laski (†1560), ainda nos dias do rei Eduardo VI, introduziu na Inglaterra o sistema de governo eclesiástico congregacional. O Congregacionalismo é o regime de governo mais comum em denominações como Anabatistas, Igreja Batista, Discípulos de Cristo, Igreja de Cristo no Brasil e obviamente a própria denominação que deu nome ao termo: a Igreja Congregacional.
[3] Surgidos a partir de 1607 sob a liderança de John Smyth e Thomas Helwys que fundou em 1612 a primeira igreja batista geral.